Registro de Contingência Vinculadas aos Riscos de Demandas

 

 Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

      Segue uma sintaxe de uma reflexão que versa sobre o registro contábil de contingência vinculadas aos riscos de demandas judiciais ou arbitrais, considerando para tal a probabilidade do risco de perda da ação judicial ou arbitral. Os riscos dividem-se em: provável, possível e remota.

     O risco deve ser precificado e reconhecido nos relatórios contabilísticos. Portanto, cabe ao profissional de contabilidade, após analisar relatório jurídico e assembleia dos sócios/acionistas, provisionar o respectivo valor ou reconhecê-lo desde logo como uma obrigação no balanço patrimonial e o seu efeito no balanço de resultado econômico, e nas respectivas notas explicativas. As notas explicativas dos balanços vinculadas aos riscos devem indicar as razões e os parâmetros que foram levados em consideração para tal decisão.

      Os balanços que desprezam riscos patrimoniais e responsabilidades são meramente putativos e falaciosos. O registro do risco tem respaldo no princípio da prudência, transparência, veracidade, diligência e no da informação. E a existência de risco afeta a precificação de uma eventual apuração de haveres, reembolso de ações, a segurança do mercado de valores mobiliários, e a segurança aos credores, fornecedores, investidores e demais utentes dos relatórios contabilísticos.

      A ocultação da existência de risco gera responsabilidade dos administradores, contadores, advogados, sócios ou acionistas controladores ou majoritários, conselheiros, auditores e demais envolvidos, seja por ação ou omissão, que respondem proporcionalmente a sua participação na ocultação.

      O risco está vinculado à razoabilidade, e à probabilidade de ocorrência, da existência ou não de uma obrigação, logo, existência de passivo contingente.  O percentual de risco a ser divulgado nas notas explicativas representa a medida do risco de perda, ou seja, de um desembolso futuro, atribuído à uma ação judicial/arbitral provisionável.  As hipóteses dos riscos, provável, possível e remoto, consideram além do ceticismo contábil os aspectos favoráveis à tese jurídica e as variadas dimensões quanto à interpretação dada pelos tribunais, e pela doutrina.

      A indicação da definição de um risco entre “0 e 100%”, será elaborada pelo advogado e/ou consultor jurídico do contencioso, além de ser aprovada pela assembleia dos sócios/acionistas e conselheiros. A avaliação do risco de perda deve ser feita a partir do fato gerador do risco e deve ser reavaliada mensalmente para se obter uma asseguração de que a avaliação anterior permanece válida. O fim da reavaliação do risco ocorre somente com o trânsito em julgado da demanda.

      O negacionismo aos indícios e/ou evidências científicas, em relação à existência de riscos e seu registro na escrituração, é algo abominável no âmbito da ciência da contabilidade e suas teorias. A existência de compliance contribui para a diminuição dos riscos, mas não garantem a sua eliminação.

     O risco de perda remota em demandas ocorre quando houver baixo risco de desembolso financeiro, ou seja, a chance de ocorrência da perda da demanda e consequentemente sucumbência, é pequena. Presume-se que um evento passado dá origem a uma obrigação presente ou futura, e ainda que seja com risco remoto, deve ser informado nos relatórios contábeis, esta é a função da contabilidade, portanto, o risco deve ser, levando em consideração na elaboração dos relatórios contábeis, seja no BP como “provisões”, na DRE e nas notas explicativas. E não tipificar contabilmente o fato, utilizando a apologia de ser remota a possibilidade, é um erro material. Enquanto existir o risco, ainda que diminuto, não se paga ou provisione-se lucros/dividendos relativo à parcela deste risco independente do % atribuído ao risco. Este tratamento técnico do provisionamento está vinculado ao princípio contábil da epiqueia contabilística. Admite-se o não reconhecimento do risco no passivo, se em relação a proposição de demanda, o fato gerador do risco e seus efeitos, já tenha ocorrido a prescrição sem a propositura da demanda.

     O risco de perda possível em demandas representa um risco intermediário de desembolso financeiro, ou seja, a chance de ocorrência da perda da ação, é maior que a remota e menor que a provável, e devem ser registrados no passivo como uma contingência, e indicado nas notas explicativas a sua classificação como perda possível.

    O risco provável de perda em demandas ocorre quando houver risco alto de desembolso, portanto, com a chance de ocorrência do desembolso sendo superior a “possível”. Sendo considerado para tal, “provável o risco” as demandas cujas circunstâncias de precedentes, de jurisprudências, de doutrina e/ou provas contábeis, sejam notadamente desfavoráveis ao réu.

     Um perito em contabilidade ou um auditor, verificando a existência de riscos vai propor a sua avaliação com critério científico, pois as  ilicitudes praticadas pelo administrador, ou pelo sócio/acionista controlador, implica em um direito da pessoa jurídica de receber tais valores. Entende-se por ilicitudes de um administrador ou sócio/acionista controlador, todos os atos que geram o dever de indenizar por perdas, danos e lucros cessantes, tais como: responsabilidade pelas deliberações infringentes do contrato social ou da lei; evasão fiscal; inclusive a prática de negócios estranhos aos seus fins sociais que resultem em prejuízo; os atos de desvio de poder; fraudes contra os credores da sociedade; o recebimento ou pagamento de lucros ilícitos ou de lucros fictícios; pagamento de propinas a funcionários públicos; desvio de função; abuso da personalidade jurídica; abuso de direito; conflito de interesses; concorrência parasitária ou desleal; desvios de recursos; ou qualquer falta de diligência ou probidade, inclusive corrupção ativa e passiva e todas as formas de fraudes.

       É deveras importante realçar, que deve ser registrado no balanço patrimonial, estes efeitos de ilicitudes, contravenções ou crimes, débito no ativo circulante referente a estes valores que a sociedade tem a receber dos sócios ou administradores por irregularidades, e crédito no patrimônio líquido; esta posição tem respaldo na teoria ultra vires e na autonomia patrimonial ditada pelo princípio contábil da entidade. Portanto, o paradoxo é: existindo risco de um passivo contingente, pode surgir deveres dos administradores e sócios, se existir atos de desvio de finalidade. Eis uma questão a ser refletia pelos contadores, pois não se pode afastar a hipótese de balanços maquiados com objetivo de falsear as informações patrimoniais e levar a erro de interpretação os utentes do conjunto das demonstrações contábeis/financeiras. Sem embargos ao fato gerador e vinculante das provisões ativas e passivas, aqui tidas como uma simetria entre dever e haveres, uma coisa são os registros dos passivos contingentes que poderão ser exigidos da sociedade, e outra, são os ativos contingentes que a sociedade pode exigir dos administradores e/ou sócios e acionistas controladores.

      E por derradeiro, cabe evidenciar, que a classificação dos riscos nas categorias: remota, possível, e provável, existem para fins de indicação nas notas explicativas e o valor de 100%, correspondente aos riscos, deve ser contabilizado como passivos contingentes, independente de sua classificação de risco. Tal conclusão, tem amparo no princípio da racionabilidade lógica-contábil.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 25/01/2022.

 

 

[i] Wilson A. Zappa Hoog é socio do Laboratório de perícia forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, autor da teoria pura da contabilidade e suas teorias auxiliares, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, doutrinador, epistemólogo, com 45 livros publicados, sendo que alguns dos livros já atingiram a marca de 11 e de 16 edições.

 

O Perito e a Verdade Científica

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

 

     O estudo da verdade científica, comparada com a verdade relativa e a formal, leva a uma reflexão sobre o direito contábil, denominado probatório, cuja finalidade é a demonstração aos julgadores e peritos, da primazia da ciência da contabilidade.

    A verdade científica representa aquilo que tem comprovação científica obtida por meio de um conjunto de processos de verificabilidade ou testabilidade, logo, com ceticismo aplicado na obtenção de uma asseguração razoável, lastreado na literatura, teorias, teoremas, princípios, e leis científicas, que regulam um fenômeno, além da análise efetuada por perito cientista em laboratório de perícia com lastro em métodos científicos . Sem dogmas e prejulgamento, possuindo o cientista autonomia funcional e independência que lhe garanta a liberdade de juízo científico.

      A verdade científica, apesar de contundente, ou seja, decisiva, não é absoluta, pois a ciência está sempre em evolução, surgindo novas teorias e enunciados. Portanto, a verdade científica representa procedimentos e técnicas existentes num dado momento para uma solução a um problema ou quesito proposto, cuja solução decorre de análise dos fatos/fenômenos que são cientificamente comprovados. Pois a ciência configura a construção de conhecimento e a sua compreensão.

      O conceito da verdade científica no âmbito da justiça estatal ou arbitral, é o contrapolo da verdade formal e da verdade relativa , por estar em simetria e paridade, ou seja, harmonia e semelhança com a verdade real, até porque, a verdade real ancorada na teoria da essência sobre a forma, depende de prova técnica científica de testabilidade.

    Responder quesitos e/ou julgar em sentido antagônico a verdade científica, é um contrassenso à luz da lógica, pois, diverge por inconformidade com o que é direito e justo.

      A verdade científica é o que interessa para a solução do litígio. Consideramos que a verdade real está ligada a um direito indisponível, portanto, vital nas ações em que envolvem, por exemplo, crimes. Já no processo civil, serve, ou se admite, a verdade aparente, ou seja, a verdade formal contida nos documentos que instruíram a demanda.

      É possível concluir que no âmbito da verdade como suporte dos fatos: cada área, civil ou a penal, possuírem suas peculiaridades, no que diz respeito à verdade, e ambas devem buscar uma justiça justa, mesmo que seja necessário quebrar paradigmas para se atingir este objetivo. Em relação ao perito-assistente indicado, ou em relação ao perito do juízo nomeado, não existe de forma técnica e científica um papel de antagonistas, mas sim, de colaboradores para a descoberta da verdade científica, se possível, se não, a instrução probante fica na verdade formal. Isto posto, a imparcialidade dos peritos não representa neutralidade , e é necessária a todos os peritos, pois estes cientistas tem compromisso é com a ciência e não com a defesa de litigantes que cabe aos advogados.

 

REFERÊNCIAS
HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020. 691 p.
______. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
______. Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 08/01/2022