A Diligência do Perito para a Solicitação de Documentos e Informações

 

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 Resumo:

  Apresentamos uma breve análise sobre o risco que um perito assume ao solicitar, arbitrariamente, documentos durante o procedimento de perícia, verificação ou testabilidade das provas produzidas nos autos do processo, no anseio de demonstrar ao Juiz, serviços, diante da sua responsabilidade objetiva.

  A questão central é: se o perito judicial socorre um dos litigantes, que não produziu provas no momento oportuno, estará assumindo as consequências e riscos do seu ato, de parcialidade, pela via da responsabilidade objetiva.

  Pretendemos com este breve ato interpretativo do CPC/2015, promover um repensar sobre a falácia de que o perito deve ou pode solicitar e juntar aos autos documentos probantes, sem que isto esteja designado na sua função, cujo resultado, seja em favor ou em desfavor de um dos litigantes.

  A abordagem do tema se justifica em função de um possível conflito, pela falta de harmonia, entre aquilo que faz parte da designação do perito, §2º do art. 473 do CPC/2015, determinada pelo Juiz, com o §3º do mesmo artigo.

 A pesquisa está lastreada em um raciocínio lógico, vinculado à utilização da verdade formal contida em um processo civil, que é diferente da verdade real dos processos vinculados à área penal.

  É deveras importante a distinção entre verdade real e verdade formal, que se busca, entre um processo penal e um processo civil. Pois, no processo civil os interesses são patrimoniais e, supostamente, menos impactante, do que os interesses contidos em um processo penal, onde os interesses tutelados, estão vinculados à vida, à liberdade e ao jus puniendi do Estado. Assim, por dogma ou paradigma, na esfera penal se busca a verdade real que está ligada a um direito indisponível, portanto, vital nas ações em que envolvem crimes, e no civil, a verdade formal, pois se admite, a verdade aparente, ou seja, apenas a verdade formal contida nos documentos que instruíram a demanda.

Palavras-chave: Solicitação de documentos e informações probantes. Perito judicial, §2º e §3º do art. do 473 do CPC/2015. Verdade real. Verdade formal.

  1. Introdução:

  Este material não é um ensaio acadêmico, trata-se de uma interpretação do CPC/2015, considerando para tal o método de interpretação literal/semântica, com apoio na hermenêutica. Desta forma, ao se distanciar de um artigo acadêmico, se aproxima de uma nota técnica interpretativa de clarificação contábil-jurídica.

  É fato que muitas são as ocorrências da obtenção de provas pela via de um termo de diligência emitido por um perito do Juiz, que ao fazer tal pedido, diretamente a parte, poderá ser interpretado como ato de parcialidade que pode  desequilibrar a situação concreta de um processo, com a produção de provas, que são juntadas pelo perito aos autos, portanto, o perito baseia suas respostas, com elementos que não estavam compondo a fase de instrução probante dos autos.

  1. Desenvolvimento:

  A ideia dominante de prova, é a que está será utilizada para comprovação da verdade em uma demanda, já que, somente se fala de prova quando existe um propósito, a verdade, que se pretende comprovar. Sem perder de vista que a verdade é relativa, e no âmbito da ciência, não existe uma verdade absoluta. A prova tem a finalidade de convencer o Juiz da existência de um fato perturbador e destrutivo de um direito ou de uma obrigação.

  O CPC/2015, assim como, toda a legislação, para se evitar falácias, deve ser interpretada no seu conjunto e, não apenas em um único parágrafo. A ordem natural das coisas e atos processuais vinculadas à produção de provas são:

  1. O ônus da produção de provas nos autos, é dos litigantes, art. 373 do CPC/2015;
  2. Os litigantes, por força do art. 369 do CPC/2015, podem utilizar de todos os meios legais para produzir provas, como requerer que o Juiz determine a exibição de provas documentais, que estejam em poder do outro litigante, por força do art. 396 do CPC/2015, ou que estejam em poder de terceiros, nos termos do art. 401 do CPC/2015. Não existe previsão legal para os litigantes solicitarem ao perito a juntada de documentos. A solicitação de documentos de ofício, é ato exclusivo do Juiz, vide art. 370 do CPC/2015. A análise, ou seja, a testabilidade, das provas, com base em documentos que estão em poder da parte adversária ou com terceiros, podem ser antecipadas, nos termos do art. 381 e seguintes do CPC/2015;
  3. A determinação de exibição de documentos é ato exclusivo do Juiz, ou seja, cabe ao Juiz, e não ao perito, solicitar aos litigantes, a apresentação de documentos necessários à elucidação do feito, nos termos dos arts. 396 ao 404 do CPC/2015. O Juiz poderá deferir ou indeferir diligências desnecessárias, nos termos do art. 370, motivo pelo qual, deve o perito verificar se foi deferida a realização de diligências a ser efetuada pelo perito, para a busca de coisas, documentos, livros, ou a verificação in loco destas provas;
  4. Cabe ao Juiz, determinar quais são os desígnios do perito, §2° do art. 473, do CPC/2015, e a este verificar, se entre estes desígnios, existe a determinação de busca de documentos; para, em caso positivo, e somente se existir a determinação de diligências, utilizar-se das prerrogativas do §3° do art. 473 do CPC/2015, uma vez que as prerrogativas do perito, constantes do §3° do art. 473 do CPC/2015, dependem de condicionantes, fixados pelo condutor judicial.
  5. O Juiz nomeia o perito, que deverá cumprir o seu encargo escrupulosamente, art. 466 do CPC/2015. Necessário se faz entender qual o encargo ou designo do perito, se é a regra geral, a de examinar as provas juntadas aos autos, ou se é de fazer, via termo de diligência, a busca e juntada de novas provas aos autos.

  Os litigantes devem propiciar ao Juiz, um completo conhecimento do processo, instruindo-o com os elementos probantes necessários à sustentação de suas pretensões, pois, se não o fizerem, suportarão as restrições da falta de prova. Daí a importância do perito, não ser parcial, providenciando as provas, já que a sua função, como auxiliar do Juiz, é a de analisar, pelo viés técnico-científico, as provas, esclarecendo dúvidas, pelas respostas aos quesitos.

  A função do perito, como auxiliar do Juiz é “precisa” e deve ser exercida de forma isenta, para se evitar dupla interpretação ou ambiguidade. Logo, também não deve o perito, orientar os litigantes quanto à juntada de novos documentos e/ou elaboração de quesitos suplementares, ou sugerir uma determinada estratégia, para não comprometer a sua imparcialidade. Já a função do perito assistente indicado, é a de assessorar o seu cliente, realizar a formulação de quesitos, e também orientar sobre a juntada de documentos que são necessários ao exame pericial. Assim sendo, cada perito, o indicado pelo Juiz e o indicado por cada litigante tem suas funções bem delineadas.

  O perito deve sempre atuar de forma imparcial com liberdade de juízo científico, para isso, deve ater-se à verdade formal documental, constantes dos autos, sem inovar ao responder aos quesitos, ou seja, considerar, somente o que está nos autos, exclusivamente aquilo que está nos autos do processo. Não existindo nos autos do processo, não existe o ato ou fato, como elemento de apreciação do perito e nem do Juiz. Portanto, a busca de subsídios em elementos probantes existentes fora dos autos, implica ou caracteriza que o perito extrapolou a sua competência. Sempre é bom lembrar que por força do § 2º do art. 473 do CPC/2015: “É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação”, portanto, se o Juiz não determinar uma busca de documentos extra autos, por parte do perito, isto lhe é vedado, se o fizer, está ultrapassando os limites de sua designação, e está assumindo o risco do efeito que seu ato causou, ou seja, trata-se de uma responsabilidade objetiva. Naturalmente, essa regra vale para as perícias no âmbito civil, onde se busca a verdade formal, já no âmbito da perícia criminal, prevalece a busca da verdade real, portanto, além e adiante do que consta nos autos.

  Não existe sombra de dúvida de que, interpretar o § 3º do art. 473 do CPC/2015, de forma isolada, sem considerar o todo do CPC/2015, é um ato falacioso, por partir de uma premissa interpretativa equivocada.

O MOMENTO DA INSTRUÇÃO PROBANTE

  Quem faz prova nos autos, são os litigantes, e o momento adequado da apresentação dos documentos probantes, é quando da inicial ou da contestação, nos termos do art. 434 do CPC/2015. E também na mesma oportunidade, é o momento adequado de se requerer a exibição de documentos que esteja em poder de terceiros ou da parte adversária.

 O perito somente examina as provas produzidas pelos litigantes. E não faz prova a favor ou contra os litigantes.

  Para o requerente, a prova tem a finalidade de convencer o Juiz, da existência de um fato ameaçador, perturbador ou destrutivo do seu direito.

  Para o requerido, a prova tem a finalidade de convencer o Juiz, da existência de um fato impeditivo, notificativo ou restritivo do direito pleiteado pelo requerente.    

  1. Considerações vinculadas a ratio legis

  Os litigantes devem apresentar os elementos que indiquem a veracidade dos atos e fatos alegados, assim como, do direito alegado. Esta obrigação de dizer a verdade, é um dos deveres dos litigantes e de seus procuradores, nos termos do inciso I, do art. 77 do CPC/2015; quem deve primeiramente fazer a verificação da veracidade dos atos e fatos narrados são os advogados das partes. E em segunda etapa, o Juiz, por força do início do art. 139 do CPC/2015. E em terceira etapa, o perito pelos exames realizados em seu laboratório de perícia forense. Nas hipóteses onde a verdade implique em autoacusação criminal ou violação de sigilo profissional, existe para os litigantes, o direito ao silêncio, mas não o da mentira.

 O termo: “princípio da verdade formal” fundamenta-se exclusivamente, na verdade formal probatória constante dos autos, ou seja, quod non est in actis non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo). Este princípio tem a finalidade de estabelecer os limites da prova utilizável para o convencimento do julgador, no momento de prolatar sua decisão, ou seja, somente vale a prova que instrui a demanda, portanto, a constante dos autos. E quando o perito se utiliza de elementos estranhos aos autos, cujo momento da juntada pelos litigantes estava precluso, o perito perde sua parcialidade.

  À luz da teoria do risco, o perito assume o risco de produzir um efeito, como prova a favor ou contra um dos litigantes. Trata-se de uma responsabilidade objetiva.

 Existem outras situações conexas, também preocupantes, quanto à imparcialidade do perito e à responsabilidade objetiva, essas situações podem surgir no curso da perícia, como, por exemplo, a arguição de suspeição do perito, nos termos do inc. IV, do art. 145, do CPC/2015. Há suspeição do Juiz, aplicável também ao perito auxiliar do Juiz, em uma interpretação contemporânea da lei, com a devida vênia, quiçá, possível, de que a solicitação de documentos por parte do perito, termo de diligência, a um dos litigantes, seja no sentido de que, o perito tenha interesse no julgamento do processo em favor de qualquer das partes, tendendo, pela via do seu cargo de auxiliar do juízo, produzir provas inexistente nos autos. Quando solicita documentos, baseado em uma interpretação do inciso § 3º do art. 473 do CPC/2015, isolada dos demais artigos ali existentes, até porque, o perito está demonstrando interesse em analisar elementos extra autos, violando o axioma[1] da lógica de que, aquilo que não está nos autos, não existe.

  É evidente e lógico, que não estamos, em função da liberdade de cátedra doutrinária e de pensamento, buscando erro e responsabilidade de colegas peritos, a nossa preocupação, científica-doutrinária, consiste, basicamente, em gerar um repensar dos peritos considerando os limites de sua função, desmistificando assim, a alegação genérica e imprecisa, que que o perito, como auxiliar do Juiz, deve fazer tudo, e, a qualquer custo, para demonstrar a verdade real ao julgador, mesmo que esta não esteja nos autos, evitando que respostas de quesitos, fiquem prejudicadas por falta de documentos. Pois, isto é uma falácia, uma vez que parte de premissas equivocadas.

  O perito do Juiz não se pode buscar a verdade a ferro e fogo, sobre as alegações de interesse da justiça, pois esta ideia de Nicolau Maquiavel, do livro: O Príncipe, de que: “os fins justificam os meios”, levam a uma tirania do perito sobre o abrigo de que tudo ele pode.

  A ideia de que os fins justificam os meios, significa que o perito está disposto a fazer qualquer coisa para conseguir a verdade real, que ela deseja alcançar. Alertamos para ao fato de que Maquiavel defendia a prepotência e o abuso de poder, o que significa que qualquer iniciativa, segundo Maquiavel, é válida quando o objetivo é conquistar algo importante, como a verdade real, além de demonstrar ao julgador um forte empenho na solução dos pontos controvertidos.

  Os poderes contidos no §3° do art. 473 do CPC/2015 ao perito, de que pode solicitar, com base no seu arbítrio, todo tipo de documento, possuem condicionantes pétreos, que são restritivos à solicitação do perito.

  Os condicionantes, condição sem a qual não é possível ao perito solicitar documentos via termo de diligência, são:

  1. O respeito aos limites da designação do labor do perito, §2° do art. 473 do CPC/2015, pois os limites da designação de um perito estão vinculados ao objeto da perícia e ao exame técnico e/ou científico, conforme pontos controvertidos fixados pelo Juiz. A designações do perito, em um bom vernáculo, significa: atribuir ao perito a obrigação de fazer algo, como uma diligência para coletar provas. E, por conseguinte, se na designação do perito não estiver de forma explícita, esta obrigação de fazer diligências para solicitar documentos, o perito, se o fizer, estará ultrapassando os limites de sua designação. No silêncio do que seja a designação do perito, presume-se que esta seja restrita ao exame dos documentos que instruíram a demanda, pois aquilo que não está nos autos, não existe no processo;
  2. Se existir no corpo dos quesitos, a indicação para o perito, buscar documentos e juntar aos autos, deve o perito verificar se este direito de fazer prova, juntada de novos documentos, já não tenha sido indeferido pelo Juiz da causa, ou seja, já tenha sido considerada a preclusão. Pois, a preclusão de um direito, é um condicionante para a realização de um ato por parte do perito que venha a suprir uma inépcia probante de um dos litigantes. Logo, esta obrigação de fazer prova, para que seja transferida ao perito, pela via de diligência, deve existir uma pronúncia nos autos do processo de forma explícita, logo, deve ocorrer uma designação deste ato ao perito. Já que o perito deve examinar o que consta nos autos, sendo vedado ao perito, produzir provas a favor ou contra os litigantes, sob pena de parcialidade;
  3. A hipótese prevista no CPC/2015, art. 396 e seguintes, ou seja, a existência de um documento em poder da parte adversária, cuja exibição tenha sito requerida ao Juiz, para que a exibição destes documentos em poder de terceiros, sejam efetuadas diretamente ao perito, cujo pedido tenha sido deferido pelo julgador, e ainda, tenha sido atribuído ao perito à realização desta diligência de coleta de documentos de forma explícita. Nesta hipótese o Juiz, por despacho devidamente fundamentado, quebra o sigilo bancário, ou o fiscal, ou o industrial, ou o da escrituração contábil-fiscal;
  4. A hipótese prevista no CPC/2015, art. 401 e seguintes, ou seja, a existência de um pedido de exibição de documentos em poder de terceiros, diretamente ao perito, cujo pedido tenha sido deferido pelo julgador, atribuindo ao perito a realização desta diligência de coleta de documentos de forma explícita;
  5. Se o condutor judicial, Juiz da causa, de ofício, determinou ao perito, por força do art. 370 do CPC/2015, diligências de coleta de documentos, que considera necessárias para a elucidação das questões controvertidas, ou para a complementação da instrução.

  Assim sendo, o perito respeita o devido processo legal, e os princípios constitucionais da impessoalidade e da legalidade esculpidos no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil. E os poderes contidos nos termos do §3° do art. 473, do CPC/2015, ao perito, de que pode solicitar documentos, e de ouvir testemunha, entre outros, são factíveis somente se ocorrerem uma das cinco hipóteses, condicionantes, anteriormente epigrafadas. E por derradeiro, o perito deve estar em compliance com o CPC/2015 e com a CF. 

  1. Considerações finais

  É deveras importante, como um pré-requisito, que uma avaliação científica, esteja desprovida de ideias e/ou preconceitos dogmáticos, que, quiçá, possam influenciar a sua conclusão. Até porque, segundo Albert Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”. Portanto, para os cientistas da contabilidade, uma reprogramação mental leva a uma nova percepção das coisas, e com estes novos conhecimentos, muitos operadores da perícia têm a oportunidade de rever seus conceitos, criando uma versão melhor do que a original.

 Quando o perito tem a primeira oportunidade de falar nos autos do processo, o que ocorre quando intimado a apresentar a sua proposta de honorários, pode relatar ao Juiz, se for o caso, as inexistências de documentos suficientes para que as respostas do seu laudo, não fiquem prejudicadas; sem requerer a exibição de documentos, exceto se houver determinação expressa do Juiz para a realização de diligências. Esta forma de manifestação do perito, não o torna parcial, pois apenas está informando, levando ao conhecimento do julgador, uma situação fática probante. Fato que está em sintonia ao art. 37 da CF, em especial aos princípios da publicidade e da eficiência.

  O perito que interpretar um único parágrafo, o § 3º do art. 473 do CPC/2015, de forma isolada, sem considerar o todo do CPC/2015, não está considerado a ratio legis do CPC/2015, logo, está diante de um ato falho, por partir de uma premissa interpretativa equivocada, do tipo erro de cognição automático e disfuncional, onde o intérprete vê apenas e isoladamente uma situação.

  E por derradeiro, o perito, por ser imparcial, não junta, arbitrariamente, provas nos autos do processo, seja a favor ou contra os litigantes, pois a sua função pública é de examinar em seu laboratório de perícia forense, as provas produzidas pelos litigantes, e com base nelas, e em seu juízo de liberdade científica, e jamais juízo de valor, responder aos quesitos e/ou se manifestar sobre ponto técnico-científico controvertido fixado pelo Juiz da causa.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil de 1988.

 ____. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

Comentado por Napoleão Bonaparte. O Príncipe. Maquiavel. Texto Integral. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret,2007. 190 p.

[1]  AXIOMA DA LÓGICA – na lógica de Tales e de Aristóteles, um axioma é um fato tido como verdadeiro, considerado como óbvio por um consenso inicial e necessário à construção ou aceitação de uma máxima na construção de uma teoria. Por essa razão, tudo o que é tido como um axioma da lógica, é aceito como verdade e serve como parâmetro inicial para uma dedução. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2019.

[i]  Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br; Bacharel em Ciências Contábeis, Mestre em Direito, Perito Contador; Auditor, Consultor Empresarial, Palestrante, especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias, escritor de várias obras de contabilidade e direito e pesquisador de matéria contábil, professor-doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino.

 

Publicado em 22/10/2019.

A Licitude ou Ilicitude de uma Prova, no Sistema Probatório Brasileiro

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

 

Resumo: Apresentamos uma breve análise sobre o uso de provas obtidas de forma ilícita. Pretendemos com este breve estudo, promover um repensar sobre a ampla defesa e a proibição do uso de provas orbitadas com a violação da lei. A abordagem do tema se justifica em função do conflito hierárquico entre a ampla defesa e as provas ilícitas. A pesquisa está lastreada em um raciocínio lógico, vinculado à utilização da verdade real, como meio de defesa aos acusados de crimes.

Palavras-chave: A licitude ou ilicitude de uma prova. Ampla defesa. Provas ilícitas.

  1. Introdução:

    Muitas são as ocorrências da obtenção de provas com a violação de sigilos. Motivo pelo qual, os operadores do direito, labutam na busca da credibilidade das provas, através de meios lícitos, amplos e irrestritos de se provar os atos e fatos, o que, por si só, indica a existência de uma necessidade contemporânea de se refletir sobre o tema.

       2. Desenvolvimento:

    A ideia dominante de prova é a que está será utilizada para comprovação da verdade em uma demanda, já que, somente se fala de prova quando existe um propósito, a verdade, que se pretende comprovar. Sem perder de vista que a verdade é relativa, e no âmbito da ciência, não existe uma verdade absoluta.

    Para o requerente a prova tem a finalidade de convencer o Juiz, da existência de um fato perturbador e destrutivo do direito do requerente, que pretende ver o seu direito, ou a ordem econômica e tributária restaurada.

    Para o requerido, a prova tem a finalidade de convencer o Juiz, da existência de um fato limitativo ou restritivo do direito do requerente, o qual vem a perturbar e/ou destruir o direito do requerido.

    A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVI, estabelece que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

    Uma prova é ilegal ou ilegítima quando obtida com violação de normas legais ou princípios gerais do ordenamento jurídico, e tem como consequência da ilicitude, a sua nulidade e imprestabilidade, como meio de prova lícita, independentemente de ser verdade ou não, o ato ou fato, revelado de forma ilícita. Não descartamos a possibilidade de existir doutrinas que defendem, em prol do interesse coletivo, a admissibilidade da prova ilícita, em função do princípio do livre convencimento do Juiz e da busca da verdade real, nos excepcionais casos de gravidade da ordem, e da segurança nacional e ofensa a um dos três Poderes da República ou a existência de abuso de autoridade dos membros destes Poderes. O interesse à verdade, é da Justiça, e não das normas escritas. Um Juiz, principalmente, nas ações penais, objetivamente pretende descobrir a verdade real.

   Entre as provas ilícitas, encontramos: a tortura física ou moral, o abuso de autoridades, as interceptações telefônicas e das comunicações de dados, via internet, violação de correspondência, do sigilo fiscal ou industrial, violação da confidencialidade da escrita contábil, violação da residência, violação de dados armazenados em computadores, a confissão obtida durante uma prisão ilegal e todas as formas de invasões desnecessárias ou desmedidas na vida pessoal ou profissional, dos cidadãos.

    É fato, que o inciso LV, prestigia a ampla defesa e o contraditório e o inciso LVI, veda as provas ilícitas, e ambos constam no mesmo artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil.  Cuja consequência, é que ambos, possuem a mesma hierarquia Constitucional, não existindo uma supremacia de um em relação ao outro. Como também, é fato notório que provas ilícitas violam o devido processo legal, artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988. Sendo importante contrapor e balancear, que: o processo há de estar em conformidade com o Direito, e não apenas em concordância com a lei, para se obter uma pronúncia judicial mais próxima do que se procura, a justiça. Desta forma cabe ao Poder Judiciário, com sabedoria e prudência, diante do caso concreto, antinomia entre o amplo e não restrito direito de defesa pari passu com o contraditório, e as provas ilícitas. Assinalar, qual deve ser a predominância de determinado direito sobre o outro.

  1. Considerações finais:

    A adoção por parte do Juiz de um critério da razoabilidade e proporcionalidade, de maneira a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, acredito que seja a solução. Até porque, é possível uma interpretação de que o direito do requerente à prova não é um direito absoluto, obtido a ferro e a fogo por meio da tirania, portanto, é possível considerar como inconstitucionais e violadoras das garantias básicas, as provas obtidas por meios ilícitos. Sem embargos ao fato, e hipótese, de que as provas ilícitas produzidas pelo réu a seu favor, em ações penais, para a obtenção da verdade real, com suporte na ampla defesa, excluem a antijuridicidade.

    Deve o julgador, ponderar os motivos, para se admitir uma prova, quiçá ilícita, que consiste num balanceamento equitativo do direito dos litigantes. Pois, a utilização de meios ilícitos na busca de prova, em ação penal, para se resguardar um direito do acusado, que pode ser lesado ou violado, também constitui prova. Principalmente onde o réu é hipossuficiente tecnicamente, frente ao imponente aparato técnico científico estatal, presente nos institutos de criminalística, os quais têm, em seu quadro funcional, peritos muito bem preparados. Deste modo, penso ser possível que os desiguais hipossuficientes, recebam tratamentos desiguais quanto à admissibilidade de provas ilícitas a seu favor.

 

 REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

 

[i]   Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br; Bacharel em Ciências Contábeis, Mestre em Direito, Perito Contador; Auditor, Consultor Empresarial, Palestrante, especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias, escritor de várias obras de contabilidade e direito e pesquisador de matéria contábil, professor-doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino.

 

Publicado em 09/09/2019

Reserva de Incentivos Fiscais de Subvenções Governamentais, em Procedimentos Vinculados ao Balanço de Determinação e Apuração de Haveres

 

HOOG, Wilson Alberto Zappa[1]

 

Resumo: Apresenta-se uma resumida análise sobre o reembolso de ações/quotas, nas hipóteses de apuração de haveres, nos termos do art. 606 do CPC/2015, no que diz respeito à inclusão ou não dos valores que estão contabilizados no patrimônio líquido, como reservas de incentivos fiscais ou subvenções governamentais, na parcela que cabe ao sócio/acionista retirante.

Palavras-chaves: Apuração de haveres. Reembolso de ações. Balanço de determinação. Balanço especial. Reservas de incentivos fiscais ou subvenções governamentais, art. 195-A da Lei 6.404/1976. Fluxo de caixa descontado. Teoria pura da contabilidade. Princípio da epiqueia contabilística. Artigo 45 da Lei 6.404/1976. Decreto-Lei 4.657/1942.

  1. Introdução:

 Justifica-se esta abordagem pela necessidade de um espancamento e clarificação científica em relação ao destino das reservas de incentivos fiscais ou subvenções governamentais, em relação à seguinte questão:  pertence ou não aos sócios/acionistas que se despedem da sociedade? Diante do conflito entre os interesses privados dos sócios/acionistas de receber a sua parcela do patrimônio líquido, e o interesse público de incentivar uma atividade econômica. Até porque, as reservas compõem a situação líquida, ou seja, o patrimônio líquido, que é a diferença entre os ativos e os passivos, “patrimônio líquido contábil, ou o patrimônio líquido avaliado a preço de mercado”. Inclusive o §1° do artigo 45 da Lei 6.404/1976, faz menção à: “valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembleia-geral. ”

E com este referente vamos abordar o assunto, considerando como fato relevante, o direito dos sócios/acionistas e da sociedade,  a justiça e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942, o qual prevê:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. ”

  1. Desenvolvimento:

Uma interpretação técnica contábil-jurídica é um fato meramente racional e científico, oriundo da opinião de um estudioso no assunto. No sentido de que se trata de um remédio contábil-jurídico[2], que pode ser aplicado a um paciente abrigado sob o amparo da Justiça Estatal ou privada.

As reservas de incentivos fiscais (Seção II do Capítulo XVI. Da Lei 6.404/1976) que representa um conjunto de rubricas contábeis destinadas ao registro de subvenções para investimento, a qual somente poderão ser dadas às destinações previstas em lei que concedeu o incentivo fiscal.

Esta reserva pode ser constituída mediante uma isenção ou redução de impostos concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Os valores relativos a esta reserva, o seu recebimento, não devem compor o resultado operacional ou não operacional do exercício, e sim, registradas diretamente no patrimônio líquido, com a devida explicação nas notas explicativas.

 E consequentemente, não devem compor os valores referentes à base de cálculo dos dividendos obrigatórios, ou a participação no resultado por parte de empregados, administradores ou qualquer forma de distribuição de interesses de investidores.

 O importante na interpretação dos incentivos e subvenções, são as exigências do bem comum, e o atendimento à sua finalidade, que via de regra, não é a sua distribuição aos acionistas. Inclusive, presume-se, presunção hominis[3], que é defesa para fins de dividendos distribuído às Cias controladoras. Portanto, existe uma limitação formal ao uso deste recurso. Esta limitação não impede que uma sociedade controladora, ao reconhecer o resultado positivo de equivalência patrimonial dos investimentos avaliados, com base no método de equivalência patrimonial[4], venha a reconhecer os efeitos reflexos da reserva de incentivo fiscal, registrada nas suas controladas.

 Debitando-se a conta de investimento da controladora, pelo resultado positivo da equivalência patrimonial.

E creditando-se a conta de reflexos das reservas de incentivos fiscais da controladora, como uma conta do grupo de contas que compõem as reservas de incentivos fiscais das controladas/coligadas, dentro do grupo de contas que compõem o patrimônio líquido.

 O princípio da epiqueia contabilística, no que diz respeito as subvenções, estas, em simetria idêntica à equidade e à isonomia, são consideradas como transferências ou doações estatais, destinadas a cobrir gastos das entidades beneficiadas. As subvenções ou incentivos fiscais, comportam dois tipos de aplicações: as de custeio, que se destinam a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, com ou sem finalidade lucrativa; e as de investimentos, que se destinam às células sociais públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril; ambas, com o propósito de desenvolver uma atividade econômica específica. O que permite concluir que as subvenções ou incentivos fiscais existem para uma manutenção de qualquer atividade; ou subsídio para investimento em ativos permanentes, desde que vinculados à determinado projeto de instalação ou ampliação de atividade econômica ou social, é a uma lei que concede o incentivo.

E, nas hipóteses de liquidação da sociedade beneficiada pela subvenção ou incentivos e assistências governamentais, em relação à reserva de incentivos fiscais, quando o patrimônio líquido for positivo, esta reserva, por uma questão de boa-fé e equidade, deve ser restituída ao Estado; em decorrência da ausência de previsão legal explícita, que disponha de modo contrário.

 Sem embargos ao anteriormente explicitado, existe uma situação, deveras polêmica, “controvérsia doutrinária interpretativa do propósito da lei, ou seja, os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, é o que permite, quiçá, uma interpretação polissêmica ou ambígua, prevista no art. 195-A da Lei 6.404/1976, que estabelece que a assembleia geral poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar para a reserva de incentivos fiscais[5], a parcela do lucro líquido decorrente de doações[6] ou subvenções governamentais[7]. A ideia central, que defendemos como correta, é: se uma parcela do lucro líquido teve como causa, incentivos fiscais ou subsídios governamentais, esta parcela pode ser direcionada para a reserva de incentivos fiscais. O que se espera, pois o bem jurídico “incentivo ou subvenções” e seus frutos, devem ser tutelados em face da função social da propriedade e do interesse coletivo, em detrimento do interesse privado dos acionistas.

O interesse público, caracterizado pelo incentivo do desenvolvimento econômico de uma atividade lícita, que sustenta o axioma da preservação das células sociais empresariais, é fato público e notório[8], e não se confunde com a presunção hominis aqui fundamentada, e em cujo favor milita a altivez científica de veracidade, para a exclusão destes bens tutelados ao justo valor que os acionistas/quotistas que se despedem têm.

Avaliações por intermédio dos fluxos de caixa descontado, quando tal forma estiver grafada no contrato/estatuto social, incluem, por ser inerente a técnica FCD, o caixa dos incentivos ou subvenções patrimoniais. Logo, medidas de ajustes excludentes, devem ser previstas, para anular no FCD, o reflexo destes bens jurídicos que devem ser tutelados pelo interesse público coletivo, e não distribuídos aos acionistas/sócios.

Um acordo de acionistas/quotistas, ou ainda, a constatação de que, em um processo judicial ou arbitral, a inclusão aos haveres de quem se desliga, de parcela da reserva epigrafada, por ter sido admitida no processo como fato incontroverso; é uma falácia, pois partiu de uma premissa equivocada, a de que estes bens, são bens patrimoniais disponíveis. Pois, o pacta sunt servanda, do acordo dos acionistas/quotistas, é sobreposto por princípios, como a da boa-fé, a da probidade e a da função social da propriedade[9], contida nos incentivos e subvenções governamentais. Princípios estes que são pautados na honestidade, lealdade e ética.

  1. Considerações finais:

A ideia central, que defendemos, como adequada, é a de que, a árvore “reservas e incentivos fiscais e subvenções”, assim como, seus frutos, “dividendos e resultados positivos ou negativos da equivalência patrimonial vinculados diretamente aos recursos de incentivos ou subvenções governamentais”, não integrem o reembolso de ações, portanto, são excludentes dos itens que compõem a apuração de haveres de acionistas/quotistas.

Diante da lacuna na lei, e da presunção hominis que forma esta doutrina, que se diferencia de fato notório, e ainda, pela particularidade desde item, reserva de incentivos fiscais e subvenções governamentais, entendemos ser necessária uma determinação judicial expressa e explícita para a sua inclusão no reembolso de ações ou em haveres de sócios que se desligam. Em sintonia aos arts. 604 ao 609 do CPC/2015. Pois, diante do silêncio do julgador, o interesse público, sempre vai se sobrepor ao interesse privado dos acionistas/quotistas.

E por derradeiro, é deveras importante ressalvar que: os bens, ou seja, a reserva de incentivos fiscais e subvenções governamentais, ainda que sejam possíveis de classificação, como um dos atributos de um estabelecimento empresarial; são bens patrimoniais indisponíveis, portanto, não podem ser alienados, onerados ou desviados das finalidades a que se destinam. E a alienação de quotas, ou ações, são coisas diversas da alienação de incentivos fiscais ou subvenções governamentais, pois a transferência da posse e do domínio da propriedade de ações/quotas, não permite ao novo proprietário da pessoa jurídica, dispor livremente destes bens, que por uma questão pétrea, continuam sendo indisponíveis.

[1]   Mestre em ciência jurídica, bacharel em ciências contábeis, arbitralista, mestre em direito, perito-contador, auditor, consultor empresarial, palestrante, especialista em avaliação de sociedades empresárias, escritor e pesquisador de matéria contábil, professor doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino. Informações sobre o autor e suas obras podem ser obtidas em: http://www.jurua.com.br/shop_search.asp?Onde=GERAL&Texto=zappa+hoog. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 . E-mail: wilson@zappahoog.com.br.

[2]  Um remédio contábil-jurídico, representa um meio posto à disposição das pessoas, físicas ou jurídicas, “os pacientes”, para provocar a intervenção das autoridades julgadoras competentes, visando sanar uma ameaça ou uma violação a um direito. Com o propósito de se obter uma decisão justa em um tempo razoável, que prestigie a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. Ou seja, para tratar de um “efeito”, um mal, tido como uma patologia jurídica, oriunda de interceptações polissêmicas ambíguas que representam os “efeitos”.  Este remédio contábil-jurídico, também pode ser aplicado, por consenso das partes envolvidas na peleia. Um artigo científico, como elemento doutrinário, em especial nos casos de lacuna ou de silêncio eloquente da lei, também representa um dos meios hábeis e legítimos, postos à disposição das pessoas, para contribuir com o convencimento dos julgadores, quando da pronúncia dos direitos e das obrigações.

[3]   A presunção hominis é a máxima da experiência, por não ser o fato presumido estabelecido em lei.  E representa uma conclusão que se tira de um fato contábil conhecido, como a reserva de incentivos fiscais e subvenções governamentais existentes em uma sociedade coligada ou controlada, para se concluir sobre o registro de outro fato análogo, resultado da equivalência patrimonial, ocorrido em uma outra sociedade, a controladora, ou derivado do primeiro fato, para concluir pelo segundo registro contábil na controladora, cujo efeito esperado seja semelhante. Concluindo-se que a presunção hominis é utilizada como uma dedução, que identifica um fato patrimonial desconhecido, a partir do fato patrimonial conhecido. E, por conseguinte, quando das presunções de um perito em contabilidade em decorrência de uma lacuna, o julgador não se utiliza de parâmetros estabelecido pela lei, e sim, dos critérios de bom-senso, e da experiência científica de um perito no assunto; como prevê o art. 375 do CPC/2015.

[4]  O método da equivalência patrimonial consiste em reconhecer no ativo não permanente, os investimentos de uma investidora, por meio do percentual de participação, no patrimônio líquido da investida. Seja representativo de ganho ou de perda.

[5]   INCENTIVO FISCAL – renúncia total ou parcial de receita fiscal do governo em favor de entidades públicas ou privadas com objetivo de geração de benefícios sociais e econômicos, sendo: I – Isenção tributária – desobrigação legal de pagamento de tributo; II – Redução tributária – desobrigação legal de pagamento parcial de tributo.

[6]   DOAÇÕES – transferências gratuitas, em caráter definitivo, de recursos financeiros ou do direito de propriedade de bens, com finalidade de custeio, investimento e imobilizações, sem contrapartida do beneficiário.

[7]   GOVERNO – entidade composta por entes públicos que integram a administração direta e indireta na esfera federal, estadual ou municipal, agências governamentais e outros órgãos assemelhados.

[8]  CPC/2015 – “Art. 374. Não dependem de prova os fatos: I – notórios; (…)”

[9]  A função social da propriedade, busca a preservação da riqueza em prol da coletividade e garante o delineamento da propriedade individual e privada, pois consiste nas causas sociais, e, consequentemente, na prosperidade nacional.

Referências:

BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

______. Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

Publicado em 13/08/2019.

Capacidade Contributiva

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

Resumo: no âmbito da ciência contábil-jurídica, particularmente, no que diz respeito à capacidade contributiva, avulta a ideia de se comentar tal princípio. E tendo como referente esta importância, apresentamos uma breve interpretação da capacidade contributiva dos cidadãos, pela necessidade de se contribuir doutrinariamente para identificar e eliminar no máximo possível, os riscos de interpretações polissêmicas ou ambíguas, em relação à eficácia do Poder Estatal de arrecadar e da prática do confisco. Análise técnica do tema, no seu sentido e alcance amplo, é deveras importante, pois pretendemos com isto, colocar uma luz elementar sobre o tema.

Palavras-chave: Capacidade contributiva. Confisco tributário. 

  1. Introdução:

   Justifica-se esta abordagem sobre capacidade contributiva, no âmbito do direito tributário, pela necessidade dos contribuintes e do Poder Público, de eliminar o máximo possível dos riscos de confisco e danos irreparáveis aos cidadãos, ou seja, um equilíbrio entre a capacidade contributiva e a capacidade do Poder Público de probidade e diligência com o trato das coisas públicas.

  1. Desenvolvimento:

     Atualmente a compreensão do princípio da capacidade contributiva é uma questão vital para um desenvolvimento equitativo do Brasil, no que diz respeito à relação entre o contribuinte e o Governo. Uma vez que existindo a disponibilidade econômica de bens direitos ou rendas, e uma lei complementar que permita a exigibilidade do imposto sobre rendas; o tributo e eventuais multas por inadimplemento, não podem ser demasiadamente elevados, pois, configura confisco[1], uma vez que a Constituição Federal, em seu § 1° do art. 145, determina que os tributos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

      Não existe em lei, um termômetro que possa medir o grau de ganância estatal que, sendo ultrapassado, configura o confisco.

   O princípio da capacidade contributiva está ligado aos ideais de justiça, dignidade e epiqueia, já que ocupa destaque preeminente nas discussões tributárias.

    Uma unidade possível de medida, da capacidade contributiva, pode ser o retorno do estado em forma de benefícios à população, segurança, saúde e educação.

     O limite da capacidade contributiva, em peleias judiciais, em quando se vê, fato notório noticiado na imprensa (desperdício do dinheiro público) salvo melhor interpretação, deve ser fixado pelo Juiz, após prova técnica, nos casos de abuso do poder arrecadatório do Estado. Portanto, é fato que este tema não deve fugir da análise técnica-científica dos peritos contadores especialistas no direito tributário e/ou da contabilidade pública.

    Pelo viés exclusivamente acadêmico, uma taxa de imposto de renda de 27% ao ano, indica que um contribuinte, vai trabalhar 3,2 meses para sustentar o estado, sem considerar que deve trabalhar outros tantos meses, para contribuir com o ICMS e o IPTU, entre dezenas de impostos, taxas e contribuições que existem no Brasil.

    A capacidade contributiva (capacidade econômica de pagar tributos) é um ato subjetivo, pois depende dos gastos essenciais e imprescindíveis de cada contribuinte; e sem embargos a isto, a capacidade contributiva está ligada a ideia de limitação ao poder de tributar; porque o poder de tributar, possui um contrapeso, ou equilíbrio, que é o poder de distribuir benefícios à população. Dizer que os contribuintes devem contribuir mais, pois o Brasil carece de recursos para aplicar na segurança, educação e saúde, é uma flagrante falácia, porquanto, o desperdício da máquina pública decorrente de uma má gestão da coisa pública, deve ser combatido com mais eficiência. Uma situação deveras cômoda dos governantes, cuja causa é a desídia, têm-se o fato do aumento de receita do Estado, quando a despesa está elevada. Quando o correto, é a busca ideológica e incansável da eficiência da coisa pública em prol da prosperidade do povo, seja despesas ou investimentos.

    A capacidade contributiva, por uma questão de justiça e equidade, depende de um equilíbrio econômico-financeiro, com a capacidade de probidade e diligência do Estado.  E para se obter este equilíbrio, não basta eleições livres e democráticas, as quais permitem a substituição dos representantes do povo, já que urge uma forma de demissão de funcionários públicos, de todos os três poderes, por desídia nas respectivas funções, como fator de justa causa para a demissão de funcionário público por denúncia devidamente fundamentada por um contribuinte.

    Este artigo foi parafraseado a partir do nosso livro: Compliance e a Perícia Tributária e Criminal, editora Juruá, no prelo em agosto de 2019. 

  1. Conclusão:

    A capacidade contributiva, por uma questão de justiça e equidade, depende de um equilíbrio econômico-financeiro, com a capacidade de probidade e de diligência do Estado.  E para se obter este equilíbrio, não basta eleições livres e democráticas, que permitem a substituição dos representantes do povo, já que urge uma forma de demissão de funcionários públicos, de todos os três poderes, por desídia nas respectivas funções, como fator de justa causa para a demissão de funcionário público por iniciativa do empregador, que é o contribuinte.

   Ferir um princípio, como o da capacidade contributiva, é algo muito mais grave do que a evasão fiscal. Sem embargos ao fato de que: um erro, o confisco, não justifica outro erro, a evasão tributária; e que os fins, busca de arrecadação, não justificam os meios, confisco, pela violação da capacidade contributiva do povo.

[1] Confisco –   fato proibido pela CF; representa uma injusta cobrança pelo Estado, em parte do patrimônio ou das rendas dos contribuintes. Toda forma de confisco viola o princípio da propriedade, e da dignidade, em razão da insuportabilidade da carga tributária, que poderá também inviabilizar a prática de atividades profissionais ou comerciais.

i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.

HOOG, Wilson A. Zappa. Compliance e a Perícia Tributária e Criminal. Curitiba: Juruá, no prelo, 2019.

 

Publicado em 02/08/2019.

“Compliance”

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

Resumo: no âmbito da ciência contábil, particularmente, no que diz respeito ao compliance, avulta a ideia de se comentar e implantar tal prática. Sem embargos que a auditoria interna, sempre se preocupou em manter e adotar procedimentos e controles internos em conformidade com a ética e com a lei. E tendo como referente esta importância, apresentamos um breve conceito de compliance, pela importância de se identificar e eliminar no máximo possível, os riscos para os investidores, no que diz respeito à criação de passivos contingenciais por uma não conformidade. O conceito no seu sentido e alcance é deveras importante, pois pretendemos com isto, colocar uma luz elementar sobre o tema.

Palavra-chave: compliance. 

  1. Introdução:

  Justifica-se esta abordagem sobre compliance, no âmbito das sociedades empresariais, pela necessidade dos investidores e gestores, de uma constante busca do aperfeiçoamento das regras de segurança e eliminação de riscos, ou seja, a situação de melhorias, como a auditoria interna[1], sem sombra de dúvida, já a faz em seus relatórios, que nem sempre são adotados pelas sociedades empresárias.

  1. Desenvolvimento:

  Atualmente o desenvolvimento e a aplicação de programas de compliance, que estão em sintonia à função social[2] das empresas, permitem as integrações entre os controles internos e a ética, que buscam inibir certas atividades tidas como temerárias ou até mesmo criminosas, cujo efeito econômico esperado, é o da valorização do preço das ações/quotas sociais.

  O termo compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa agir de acordo com as regras. Portanto, tem o sentido de agir em sintonia com as regras. E implica na implantação de políticas éticas e diretrizes para a gestão de um negócio, vinculadas a combater, evitar, detectar e tratar qualquer desvio de conduta ou inconformidades legais que possam ocorrer, inclusive vantagens ilícitas para empregados, diretores, representantes, parceiros ou outra célula social pertencente ao grupo econômico.

  Esta atividade, compliance, deve ser cuidada por um órgão de staff[3] da Presidência.

  A cultura de compliance, deve ser implementada prioritariamente nas crianças, filhos dos colaboradores, dos gestores e dos acionistas, a personalidade delas pode ser influenciada até os 7 anos, e as crianças quando interagirem com os pais, vão fazer eles pensarem em um mundo melhor para os filhos. Devemos trabalhar em prol da educação do nosso povo, incluindo a disciplina “ética civilidade e compliance”, do maternal até o doutorado. As pessoas, o povo, devem estar em compliance, o que significa, não furar uma fila de ônibus, não saquear a carga de um caminhão acidentado, respeitar as vagas dos idosos e deficientes, respeitar as diferenças de opinião, de ideologia política, de opção sexual, de religião, entre outras práticas abomináveis, para as quais devemos ter tolerância zero. Uma mudança de cultura de um povo, leva no mínimo 3 a 4 décadas.

  A compliance surgiu no Brasil em função da Lei Anticorrupção, por ser um conjunto de mecanismos e procedimentos voltados à proteção e à salvaguarda da ética promovendo a denúncia de irregularidades para apuração de responsabilidade e punição.

  Os programas de compliance não estão restritos ao combate de fraude e de corrupção vinculadas às licitações, pois é necessário que tenham enfoques na prevenção de todos os passivos contingentes, tais como: trabalhistas, ambientais, tributários, entre outros riscos por falta de conformidade com a lei ou com o estatuto/contrato social.

   O CC/2002 prevê em seu artigo 47 que a sociedade somente se responsabiliza pelos atos regulares de gestão. E o art. 1.016 que a administração se responsabiliza pelos abusos ou desvios de poder. Sendo possível concluir que, a administração tem que estar em compliance com a lei. Pois, em caso negativo, fica presente a quebra de deveres, e consequentemente, a responsabilidade do administrador, junto à sociedade, acionistas e terceiros. Este é o espírito da teoria ultra vires.

  Um programa de compliance, somente será possível se, e somente se:

  • Existir um ambiente corporativo favorável a uma cultura de ética, que envolve uma simetria ao cumprimento da lei;
  • A consciência de que a corrupção ou fraude, é uma via de mão dupla, onde transita o corrupto e o corruptor;
  • Disponibilização dos recursos necessários para a execução do programa;
  • E autoridade da gestão empresarial para adotar as medidas necessárias de correção de desvio de finalidade.

  Se tais elementos não estiverem presentes não é possível cogitar a implantação de um programa sério de compliance.

  Os indícios que indicam por presunção, a necessidade da mudança cultural e da criação de um Código Deontológico, primeiro pensamento para se implantar um programa de compliance, são entre vários atos ou práticas tidas como temerárias os seguintes:

  • Existência de multas de trânsitos;
  • Existência de demandas trabalhistas;
  • Existência de demandas por violação dos direitos dos consumidores;
  • Existência de autos de infração, por incompatibilidades fiscais;
  • Existência de uma contabilidade não confiável, que contenha ocultação de bens, direitos e/ou obrigações; a prática de caixa dois e favorecimentos ilícitos;
  • Prática de atos lesivos ao meio ambiente;
  • Distribuição disfarçada de lucros;
  • A prática de propinas entre compradores e vendedores (a política do: “da lá, toma cá”);
  • A violação de direitos autorais, inclusive uso indevido de marcas;
  • A prática de concorrência desleal ou parasitária;
  • Ausência de um programa de logística reversa para resíduos líquidos e sólidos;
  • Variação patrimonial positiva dos dirigentes e gerentes incompatível com a sua renda;
  • Alto giro de empregados, quer sejam por salários insuficientes, nepotismo, falta de treinamento e/ou programas de carreira profissional;
  • Ausência de vontade política de efetivamente consolidar os princípios e as práticas de uma boa governança.

  Muitas coisas derivadas de eventos que geram impactos na mídia. Tomam-se, quiçá um modismo, como é o caso do comitê de auditoria[4]. Na busca incansável de soluções éticas, surgiu o conselho fiscal, a auditoria interna, seguida do comitê de auditoria, e agora, a festejada, “compliance”. Esperamos que a propagação do compliance como solução para o Brasil, propicie uma valorização dos auditores internos, que tem voz, mas carecem de serem ouvidos. Segue o nosso entendimento sobre a contemporânea auditora interna, que lecionamos na graduação, a partir do ano de 1975, portanto, no bom e velho conhecimento de auditoria interna, admitimos sejam necessários alguns ajustes.

  A auditoria interna compõe a governança corporativa e tem por função avaliar, de forma independente, todos os negócios jurídicos de uma célula social. Existe para facilitar a administração no desempenho adequado de suas atribuições de diligência e fiscalização das atividades de uma forma geral. Portanto, deve atuar em todas as áreas, industrial, financeira, contábil, administrativas, comerciais ou acessórias.

  A auditoria interna tem o seguinte escopo:

  • Revisar e avaliar a eficácia dos controles internos, quer sejam eles, contábeis, financeiros e operacionais;
  • Observar o cumprimento das normas, e se for o caso, propor alterações nos procedimentos;
  • Determinar a extensão dos controles de segurança sobre os bens patrimoniais;
  • Detectar e combater todas as fraudes e corrupções, pois é a guardiã da ética corporativa;
  • Avaliar a qualidade da execução de tarefas determinadas para toda a estrutura organizacional;
  • Testar a exatidão dos dados fornecidos quanto às produções, dispêndios com materiais, mão de obra, e demais informações.

  O grande problema dos auditores internos sempre foi a dependência de emprego, a falta de liberdade de juízo, e a cultura organizacional.

3. Conclusão:

  Não basta a contratação de uma consultaria em compliance e a implantação de um Código Deontológico, para se obter a tão esperada compliance, sem que exista mudanças na mentalidade dos colaboradores, sendo os acionistas e dirigentes, as pessoas responsáveis pelo exemplo no que diz respeito à execução e à observação integral da legislação brasileira e das estrangeiras.

 

[1] Auditoria interna – aquela em que o serviço é praticado por contadores, empregados das sociedades, associações e fundações, que os contratam para tal. A aplicação dos trabalhos tem fundamento na validação e avaliação dos controles internos e demais procedimentos.

[2] No sentido da função social das empresas, temos, além da riqueza patrimonial, a geração, distribuição de rendas, a geração e a manutenção de empregos,

 [3] Staff é um termo inglês que serve para identificar uma equipe ou conjunto das pessoas que compõem o quadro que assessora uma adminstração.

[4] Comitê de auditoria, órgão de staff, que é formado pelo board of directors, ou seja, um grupo oficial de pessoas que administram a organização. Tem por missão este comitê preservar a empresa, avaliar denúncias sobre fraudes e prover soluções para pontos fracos nos controles internos, bem como, o desempenho da governança corporativa, uma espécie de conselho de administradores.

i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

 

REFERÊNCIA:

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

 

Publicado em 16/07/2019.

Contador e a sua Responsabilidade por Crime de Evasão Fiscal

HOOG, Wilson Alberto Zappa[1]

Resumo:

   Apresenta-se uma resumida análise sobre a distinção entre a responsabilidade do contador e dos administradores por atos de evasões tributárias, distinguindo-as dos atos de inadimplemento da obrigação tributária.

Palavras-chaves: Evasão de tributos. Crime. Inadimplemento de tributos. Contador.

  1. Introdução:

  Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma clarificação científica em relação às consequências de um inadimplemento de tributos e uma evasão fiscal.  Pois, uma coisa é um crime, a falsificação dos registros contábeis-fiscais mediante a omissão ou a ocultação de obrigações tributárias que resultam em uma ação penal, cujas consequências podem ser a restrição da liberdade de ir e vir; e outra totalmente distinta, são os não pagamentos/recolhimentos de tributos que vão resultar em uma medida jurídica de cobrança.

  1. Desenvolvimento:

   Omitir ou ocultar informações nos registros contábeis, para não pagar tributos, não é elisão, é crime de evasão, e por consequência, o administrador, o sócio/acionista controlador e o contador, que agiram em conluio, poderão sofrer penalidades relativas às restrições do direito de ir e vir.

    Situação diversa, que não é crime, e nem existe pena restritiva de liberdade; é aquela onde o contador, de forma ética, registra de forma correta, ou seja, em sintonia à legislação tributária e societária, e aos princípios de contabilidade, todos os tributos e as contribuições sociais, constituindo e reconhecendo na contabilidade a obrigação do seu recolhimento ou pagamento, enfim, a obrigação de transferir estes valores ao erário.

    É deveras imprescindível que o contador esteja em compliance. O não pagamento de tributos e contribuições sociais, exceto quando estes forem retidos de terceiros; por si só, não possibilita a prisão do administrador, e muito menos o de seu contador; por força da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

   Em síntese, uma dívida tributária não leva ninguém à prisão, mas a omissão desta dívida, pela via da falsificação da contabilidade, pode levar os responsáveis pelo delito à prisão.

   Na hipótese de crime, com eventual pagamento dos tributos, acrescidos com multa, a qual não é de responsabilidade da pessoa jurídica, e sim, do contador compartilhada com o administrador, que responderam inclusive com os seus bens pessoais para efeitos da indenização de reparação de danos. Cabe ação civil dos demais sócios ou acionistas e inclusive de credores, contra o contador e o administrador para reparo do dano, por força dos arts. 186, 1.016 e 1.177 do CC/2002.

   Uma coisa é a existência de uma obrigação tributária, passivo, e outra totalmente diversa, é a existência de recursos financeiros para a sua quitação, ativo circulante considerado como caixa ou equivalente a caixa.

   Não raro, em situações de estagnação, recessão ou depressão econômica, os administradores preferem priorizar o pagamento de salários e de fornecedores, em prejuízo do pagamento de tributos e dividendos/lucros, para poder preservar a empresa e os empregos. A prova da não intenção, deliberadamente da prática de atos dolosos, de pagamento de tributos, podem ocorrer pela via de uma perícia contábil, em que seja examinado os indicadores financeiros. Para um diagnóstico sobre a insuficiência de recursos para adimplir as obrigações e consequentemente a existência de um excludente da prática de delitos.

   Para uma dívida tributária não quitada, espera-se que o estado, tome as medidas judiciais cabíveis para receber o lhe é devido.

  1. Considerações finais:

    A ideia central, que defendemos como adequada, é a de que, todas as dívidas sejam registradas em sintonia à legislação e aos princípios de contabilidade, independente da intenção ou da possibilidade financeira do seu adimplente.

    Uma declaração escrita de um administrador que seja empregador ou cliente de um contador, inclusive registrada em cartório, bradando que se responsabiliza pelo registro inadequado de uma obrigação fiscal, isentando o contador de culpa, não exime o contador de sua responsabilidade pelo crime de evasão fiscal, eis que este é participe do crime. Pois, existiu uma  participação ou colaboração dolosa, nos termos do artigo 29, caput, do Código Penal, que prescreve: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”

[1]   Mestre em ciência jurídica, bacharel em ciências contábeis, arbitralista, mestre em direito, perito-contador, auditor, consultor empresarial, palestrante, especialista em avaliação de sociedades empresárias, escritor e pesquisador de matéria contábil, professor doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino. Informações sobre o autor e suas obras podem ser obtidas em: http://www.jurua.com.br/shop_search.asp?Onde=GERAL&Texto=zappa+hoog. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 . E-mail: wilson@zappahoog.com.br.

 

REFERÊNCIAS:

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.

______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

______. Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

Publicado em 01/07/2019.

A Distinção entre Provisões Passivas e Provisões para Contingências Passivas

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 Resumo:

   No âmbito da ciência contábil, a identificação de provisões passivas e provisões para contingências passivas, é importante para que os profissionais da contabilidade, da auditoria, os peritos, os administradores e os utentes dos relatórios contábeis, tenham uma informação precisa para uma correta interpretação do balanço patrimonial.

   Tendo como referente o dever dos administradores de informar a real situação patrimonial, demonstraremos as distinções e alguns exemplos, que podem impactar nos dividendos, e no preço patrimonial das quotas/ações.

Palavras-chave: Provisões passivas. Provisões para contingências passivas. Reservas de contingências. Auditoria. Compliance. Administrador de sociedade empresária.

  1. Introdução:

   Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma compreensão da real situação patrimonial de uma célula social, e da importância da necessidade de informações que tragam mais transparência dos negócios em função do dever de informar e de diligência dos administradores.

  Se faz necessário uma reflexão em relação à escrituração e divulgação de passivos nas notas explicativas e nos relatórios da administração, conselhos, gestores de compliance, e auditorias, por força dos princípios: da veracidade, da epiqueia contabilística, da prudência, do regime de competência, e dos artigos: 47 e 1.016 do CC/2002.

  1. Desenvolvimento:

   As provisões passivas e ativas diferenciam nitidamente das provisões para contingências; e das tradicionais e conhecidas reservas para contingências.

   Provisão passiva no sentido lato sensu, ou seja, em sentido contábil amplo, é o reconhecimento de um gasto tido como certo, em função da prática contábil consuetudinária, ou decorrente de leis, do regime de competência, e dos princípios da teoria pura da contabilidade: da fidelidade, da clareza e da epiqueia contabilística.  Como exemplos amplos de provisões sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para imposto de renda;
  2. Para contribuição social;
  3. Para a partição nos lucros de empregados, administradores, partes beneficiárias e debenturistas;
  4. Para férias e seus encargos sociais;
  5. Para gratificação natalina e seus encargos;
  6. Para indenização de representes comerciais;
  7. Para pagamento ou creditamento de lucros/dividendos.

   Provisão para contingências passivas, o seu registro contábil, está vinculada à gestão de riscos, e no sentido stricto sensu, estas provisões remetem  a situações cujo resultado final poderá ser  favorável ou desfavorável, mas possíveis de ocorrerem, à luz da razoabilidade, proporcionalidade e probabilidades, por mais remotas que sejam, ou ainda, que venha a depender  de eventos futuros incertos, como, por exemplo, uma decisão judicial, prática de ilegalidades que possam, quiçá, não serem penalizadas por circunstância como a prescrição ou a falta de diligência dos agentes fiscalizadores.

   Como exemplos amplos de provisões para contingências passivas, sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para rescisões de contratos de distribuição;
  2. Para rescisões de contratos de concessão de venda de veículos: Lei Ferrari;
  3. Por danos oriundos de concorrência desleal ou parasitária;
  4. Por violação dos direitos autorais;
  5. Para danos ou violações do direito dos consumidores;
  6. Decorrente de multas pela não observação de procedimento de segurança dos empregados;
  7. Decorrente de garantias de produtos e mercadorias;
  8. Para reparar danos ambientais;
  9. Para demandas trabalhistas[1];
  10. As tributárias decorrentes de evasão;
  11. As de logística reserva de resíduos sólidos[2];
  12. As vinculadas à acordo de Leniência, Lei Anticorrupção;
  13. As vinculadas a crimes contra a ordem econômica, tributária e as relações de consumo;
  14. As vinculadas a litígios no âmbito da justiça estatal ou no âmbito da justiça privada, ou seja, juízo arbitral.

   As provisões e contingências em função de abuso de direito ou de poder dos administradores e dos sócios/acionistas controladores, por infração à lei ou ao estatuto/contrato social, devem ser constituídas e evidenciadas no balanço patrimonial, mas  por força da teoria ultra vires[3], não constituem despesas ou perdas, e sim, um direito, um  ativo, da pessoa jurídica de receber dos gestores, os valores necessários ao retorno da situação patrimonial existente antes destes atos culposos que geraram danos, arts. 1.011 e 1.016 do CC/2002 e arts. 154, 158 da Lei 6.404/1976. A responsabilidade da pessoa jurídica está prevista de forma clara no art. 47[4] do CC/2002, o que corrobora com o fato de que, atos vinculados à desvio de finalidade, não devem ser suportados pela pessoa jurídica, e sim, pelo administrador. Já que a responsabilidade civil é o instituto jurídico que trata da forma de reparar danos causados à pessoa jurídica pelo seu gestor.  Lembramos que o registro de uma provisão para contingências, tendo como contrapartida, o registro no ativo, relativo ao direito da pessoa jurídica de ser ressarcida por atos de desvio de finalidade do gestor, não altera o patrimônio líquido, e nem o lucro ou prejuízo líquido do exercício, mas cria confiabilidade no conselho fiscal. E nos serviços de compliance e da auditoria externa[5], além de se prestigiar a correta informação aos utentes dos relatos contábeis.

   Todas as provisões passivas, assim como, todas as provisões para contingências passivas, devem ser necessariamente demonstradas nas notas explicativas, para que, estes atos e fatos, fiquem disponíveis para os utentes das demonstrações financeiras, pois afetam o resultado e o preço patrimonial das ações/quotas.

   A ideia falaciosa[6] de que: para as provisões passivas contingentes tidos como prováveis, seja efetuado o provisionamento, e que para os passivos, de possível exigibilidade, sejam apenas incluídos em nota explicativa (sem provisionar) e ainda, para os passivos ditos de exigibilidade remota, ou de apenas indícios, não se faz provisionamento e nem indicação em notas explicativas. Fere o dever de diligência da administração, art. 156 da Lei 6.404/1976 interpretado em conjunto com o arts. 186 e 187 do CC/2002. Pois toda a ação ou omissão voluntária de informações patrimoniais, que implique em dano patrimonial ou moral a terceiros, é possível de responsabilidade. Defendemos que a análise de risco, pela classificação: remota, possível ou provável da exigibilidade de passivos é um embasamento para as notas explicativas, em relação ao grau de julgamento da administração da sociedade, e jamais para justificar a sua omissão na escrituração contábil.  A boa-fé dos gestores importa numa conduta de transparência, que exprime a ideia de confiança e passa a se projetar sobre todos os fatos e atos de gestão. A informação sobre indícios ou evidências de passivos não devem ser apenas escrituradas nos relatórios contábeis, elas também devem ser de forma clara para que os usuários possam compreender toda a verdade sobre os passivos, por força da teoria da essência sobre a forma.

   O contador, o conselho fiscal, a auditoria interna e a externa, devem estar em “compliance” e cumprir as normas legais e regulamentares, bem como, prevenir, detectar e informar corretamente, qualquer desvio, contingência ou inconformidade que possa ocorrer em uma gestão.  E na hipótese do valor da obrigação não poder ser mensurado com suficiente confiabilidade, ou seja, existindo uma dúvida razoável, por força da prudência, adota-se o maior valor.

   O dever de informar, é aquele que prestigia toda a comunicação e registro de informações, que modificam ou possam a vir modificar a situação econômica e/ou a financeira de uma célula social. Até porque, sem a informação precisa, o  balanço patrimonial deixa de exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa, art. 1.188 do CC/2002. E os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, o que inclui as informações sobre todos os riscos e contingências, art. 1.020 do CC/2002.

   E no âmbito do ativo, encontra-se também provisões, como as para perdas com cambiais, com base na média dos anos anteriores; e para perdas com estoques por perecimento que é a “perda do bem em si” e deterioração que é a “degeneração por perda da finalidade do bem por estar fora das especificações técnicas, ou com data de validade expirada”.

   Exceto as provisões que a pessoa jurídica tem o direito de receber do gestor. Tanto as provisões ativas como as passivas, representam uma diminuição do resultado do exercício em que foi efetuado o seu reconhecimento, cujas consequências são:

  1. A não distribuição de lucros/dividendos em relação aos valores de lucros, que podem ser afetados no futuro em função do regime de caixa, ou seja, pelo efetivo desembolso não previsto anteriormente;
  2. A adoção de medidas cautelares, prudência, que visam a preservação das informações aos utentes;
  3. A demonstração da situação do patrimônio líquido, considerando os riscos e gastos ainda não desembolsados;
  4. Diminuição da performance dos indicadores financeiros.

   E por último, cabe destacar que existe uma diferença entre provisões para contingências (cuja origem representa o reconhecimento de despesas incisos III e IV do art. 187 da Lei 6.404/1976 ou o direito de receber dos sócios/acionistas o reembolso por atos ativos ao objeto social); e as reservas para contingências, art. 195 da Lei 6.404/1976. Pois as reservas são constituídas com base na destinação de parcela do lucro líquido do exercício; e as provisões para contingências, são constituídas quando do reconhecimento de uma despesa, ou ato de gestão temerária, por força do regime de competência, reduzindo o lucro do exercício, se este existir, que é a base para as reservas. As provisões devem ser reconhecidas independentemente da existência de lucro ou de prejuízo no exercício. Já as reservas, só podem ser registradas somente se houver lucro no exercício. E ambas, as provisões e as reservas, devem ser revertidas, no exercício social em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição, fato que também deve ser informado nas notas explicativas ao balanço patrimonial.

  1. Conclusão:

  Este artigo se propôs, sem esgotar o tema, a uma reflexão à luz das leis, da ética, dos princípios da teoria pura da contabilidade, do dever de informar e de diligência, em relação à divulgação dos riscos que compõem as provisões para contingências e sua distinção com reservas para contingências. Além de demonstrar, que muitas das provisões para contingência, não tem como contrapeso, as contas de despesas, e sim, o ativo, direito da pessoa jurídica de receber do seu administrador, o ressarcimento por eventuais danos, oriundos de atos de abuso de poder, de direito, ou por violação da lei ou do estatuto/contrato social. O art. 148 da Lei 6.404/1976, prevê a hipótese de garantia, para o exercício do cargo de administrador, o espírito da lei é a preservação da empresa, pois nos casos de violação da lei ou do estatuo social, por parte do gestor, a pessoa jurídica pode executar estas garantias. Ou tomar outras medidas jurídicas, que visem a reparação do dano. Todo contador ou auditor, que por conluio, ocultar contingências, responde solidariamente com o administrador pelos danos.

   Diante da responsabilidade dos contadores e dos auditores, ação ou omissão, os gastos com multas, entre outras penalidades por infrações à lei, quando registrados contabilmente como despesa da pessoa jurídica, cria um balanço putativo.

   Não existe dúvida de que uma manobra contábil, ou seja, os atos de dirigir o funcionamento dos registros contabilísticos, criando despesas para ocultar obrigações do gestor de reparar danos, gera responsabilidade das pessoas que contribuíram para a prática do ilícito, seja por ação ou por omissão.

   Não existe dúvida de que a ausência dos registros das provisões para contingências passivas, é uma das formas criativas de se maquiar um balanço patrimonial, para que este fique mais “bonito” diante de uma análise de indicadores econômicos e financeiros. Serve até para ocultar os atos danosos, por culpa ou por dolo, de uma gestão temerária.

   Concluindo-se que os contadores, os membros do conselho fiscal e do conselho de administração, os auditores, os administradores, e os sócios/acionistas controladores são responsáveis pela correta informação da situação patrimonial, incluindo-se os riscos que possam gerar os passivos tidos como provisão para contingências.

[1]  As contingências trabalhistas têm amparo no regime de competência, art. 177 da Lei 6.404/1976, e na CLT, Lei 13.467 de 2017, arts. 10-A e 11, que tratam da responsabilidade do sócio retirante e da prescrição dos direitos trabalhistas.

[2]   Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

[3] Por força da teoria ultra vires, a pessoa jurídica não responde além dos poderes concedidos. Os poderes são os atos regulares de gestão, sendo os sócios administradores responsáveis pelas obrigações, resultantes dos atos praticados por excesso de poderes ou contrários à lei. Esta teoria é muito difundida na literatura, gozando de prestígio internacional em decorrência de sua importância, face a necessidade de separar as responsabilidades de um administrador das de uma sociedade.

[4] CC/2002, art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

[5]  A auditoria externa deve aplicar o máximo de cuidado e zelo, na avaliação de riscos do seu labor, no planejamento e na realização dos trabalhos, e na exposição de suas conclusões, inclusive no que diz respeito a revelar os atos ou fatos, decorrentes de problemas vinculados à desvio de finalidade da gestão, que criam as provisões para passivos contingentes. Tendo a obrigação de no mínimo, apresentar um parecer, sua opinião, com ressalva, em relação a fatos que não podem ser imputados à pessoa jurídica, como previsto no art. 47 do CC/2002.

[6]  Uma ideia falaciosa, é aquela que parte de premissas equivocadas, como a falsa expectativa da administração, de que atos contrários à lei, por ela praticados, podem ser consideradas como uma penalidade ou exigibilidade de caráter remoto ou apenas possível de ocorrerem.

i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

 

Referências:

BRASIL. Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

_____. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

_____. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.

 

Publicado em 19/06/2019.

Caixa Dois e a Abominável Contabilidade Paralela

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 Resumo:

  Apresentamos uma breve análise sobre evidências do uso do caixa dois, via contabilidade paralela, que envolvem crimes como evasão de tributos e danos aos sócios minoritários, credores e aos empregados.

  Pretendemos com este breve estudo, demonstrar quais são as práticas mais usuais para tal delito.

 A abordagem do tema se justifica em função do risco da violação dos princípios da “probidade”, da “função social da propriedade”, “diligência” e da “fidelidade das demonstrações contábeis”. Além da real e importante necessidade de se divulgar técnicas de percepção periciais contabilísticas, que envolvem estratégias e táticas vinculadas ao planejamento de um exame pericial e/ou exame periódico de rotina nos controles internos realizados pela auditoria.

   A pesquisa está lastreada em casos reais, onde foi detectado tal patologia, no nosso laboratório de perícia forense-arbitral, cujo resultado do exame, na maioria dos exames vinculados à apuração de haveres, indenizações, responsabilidade de gestores, entre outros análogos; foi um diagnóstico positivo para a prática do caixa dois e desvio de finalidade.

Palavras-chave: contabilidade paralela. Caixa dois. Balanço maquiado.

  1. Introdução:

   Muitas são as ocorrências do delito de caixa dois. Trata-se de um juízo de fato. Motivo pelo qual, os contadores, na busca da credibilidade dos relatos contabilísticos, estão tentando alinhar a contabilidade contemporânea à compliance, o que, por si só, indica a existência de um juízo de valor por parte dos operadores da contabilidade.

   Os administradores são pessoalmente responsabilizados pelos tributos sonegados, nos casos de abuso de poder, art. 135 do CTN. Naturalmente quem acusa, deve provar a conduta abusiva do gestor. 

  1. Desenvolvimento:

  Inicialmente consideramos deveras importante, a identificação de evidências, como sendo um paradigma para uma investigação. Naturalmente sem que com isto, seja violado o direito inalienável dos gestores e sócios controladores, a ampla defesa e o contraditório.

   O caixa dois via simulação ou dissimulação de registros contábeis, ou de forma indireta por uma contabilidade paralela, é aquela movimentação financeira feita às margens das normas da política contábil vigente, geralmente com o objetivo de burlar o fisco, enganar os sócios/acionistas minoritários, ou credores de uma forma geral.

   O delito, saldo do “caixa dois”, é gerado com a omissão do registro da receita, ou com pagamentos fictícios, que podem envolver: despesas, custos, e dívidas simuladas.

   Caracterizam-se como omissão no registro de receita e caixa “dois” ou contabilidade paralela, os seguintes fatos:

I – A existência de saldo credor de caixa;

II – A falta de escrituração de pagamentos efetuados;

III – A manutenção no passivo já pagas, ou cuja exigibilidade da dívida não seja comprovada;

IV – Depósitos bancários, cuja origem não seja: financiamentos, empréstimos, aporte de capital social, integralização de capital, desconto de duplicatas, alienações de ativos permanentes, valores decorrentes de transferência de outras contas da própria pessoa jurídica e/ou de suas coligadas ou controladas, operações de factoring entre outras hipóteses análogas e lícitas. É deveras importante o fato de que os depósitos bancários ou encaixes oriundos de intermediação de negócios ou de receita de intermediação, não constituem caixa “dois” ou a receita no seu sentido tributário;

V- Manutenção de saldos em contas bancárias e/ou investimentos não registrados na contabilidade;

VI- Pagamento de salários dos empregados fantasmas, também são fontes geradoras de “caixa dois”;

VII- A falta da emissão e registro de notas fiscais pela compra, caracteriza a omissão de receita, e manutenção de registros paralelos;

VIII- A prática de “nota calçada” ou meia nota, em que a via destinada ao registro de suas vendas figura por valor inferior ao valor real da operação, configura omissão de receitas operacionais e geração de caixa dois.

   A conciliação do extrato de uma conta bancária, com os registros do Livro Razão, são base de uma não comprovação da origem dos recursos representados por cheques ou dinheiro recebidos de terceiros, depositados em contas-correntes tituladas pela pessoa jurídica, aliada à impossibilidade de identificação das correspondentes operações na escrita contábil por ela mantida, leva a presunção, por evidências,  de que tais recursos, caixa dois,  se originaram de receitas não reconhecidas na contabilidade.

   As multas ou qualquer forma de punição pela prática de caixa dois, ou seja, as não-conformidades, cujo ato gerador tem causa no caixa dois, são originárias de culpa ou dolo, omissão ou ação deliberada do gestor de uma célula social. As multas e punições não podem ser atribuídas à pessoa jurídica, pois esta não deve ser responsabilizada por atos de desvio de conduta dos gestores e/ou sócios controladores. A ausência da fidelidade nas demonstrações contábeis, implica a quebra da personalidade jurídica dos gestores e sócios/acionistas controladores, consequentemente, com o confisco de bens para o pagamento dos danos gerados pelo delito.

   Todas as possíveis causas do caixa dois, representam uma maquiagem ao balanço patrimonial e ao balanço de resultado econômico, está maquiagem cria a figura do balanço putativo (balanço que aparenta ser verdadeiro, certo, sem o ser; suposto, reputado como fidedigno). Para a descaracterização do balanço putativo, os fatos caracterizadores do caixa dois, maquiagem, como passivos fictícios, entre outros, devem ser reclassificados para contas do patrimônio líquido, lucros/prejuízos acumulados.

  1. Considerações finais:

   O caixa dois, as multas e demais ônus devidos pelo crime de sonegação, devem ser registrados no ativo exigível a longo prazo, como um direito da pessoa jurídica de receber dos administradores, por abuso de poder e desvio de conduta. Tal opinião e certeza contabilística, fundamentam-se na teoria ultra vires e nos artigos 47[1] e 1.016[2] do CC/2002.

  A desmaquiagem dos balanços, é fato relevante e incontrovertido, para solução das questões vinculados à: distribuição disfarçada de lucros/dividendos, apuração de haveres, pedido de recuperação judicial ou decretação de falência, responsabilidade de gestores e dos sócios/acionistas controladores, registro do direito da pessoa jurídica de receber dos gestores, os desvios de recursos e multas, pagamento a empregados de participações nos lucros, e pagamento de lucros/dividendos que reflitam a situação econômica real.

 

[1]   CC/2002, art. 47: “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.” (Considerando que nos limites de poderes e atos constitutivos, não se incluem a elisão fiscal e a manutenção de contabilidade paralela, as consequências destes desvios são de responsabilidade das pessoas que administram a cédula social e não a pessoa jurídica, logo, não pode ser considerada como despesas, e sim, um direito de reaver as perdas. Interpretação do autor, logo, não consta grafado no texto original da lei).

[2]   CC/2002, art. 1.016: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”. (Considerando que as perdas em decorrência da elisão fiscal e do caixa dois, para fins do direito civil, são atos culposos, deve o administrador ressarcir tais prejuízos, pois estes são de responsabilidade das pessoas que administram a cédula social e não as pessoas jurídicas, logo, não podem ser consideradas como despesas, e sim, um direito da pessoa jurídica de reaver as perdas. Pois, em caso contrário, estaríamos prestigiando a locupletação sem causa. Esta interpretação é do autor, logo, não consta no texto original da lei).

[i] Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br; Bacharel em Ciências Contábeis, Mestre em Direito, Perito Contador; Auditor, Consultor Empresarial, Palestrante, especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias, escritor de várias obras de contabilidade e direito e pesquisador de matéria contábil, professor-doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10.01.2002. Brasília, DF: Senado, 2002.

Publicado em 04/06/2019.

Passivo Intangível, Fato Relevante que Deve ser Divulgado

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

Resumo:

     No âmbito da ciência contábil, a identificação de passivo intangível, é importante para que os utentes dos relatórios contábeis, tenham uma informação precisa em relação ao patrimônio de uma célula social e os riscos a ele inerentes, inclusive perda de capital, cuja causa pode ser o passivo intangível.

   Tendo como referente que é importante a identificação de riscos para os investidores no que diz respeito à precificação de eventual passivo intangível. Apresentamos um breve estudo com o objetivo de colocar luz elementar sobre o tema.

   Neste estudo, demonstraremos: alguns vetores encontrados no âmbito dos negócios jurídicos e que podem gerar o passivo intangível; como tal passivo é precificado; como este passivo pode impactar nos dividendos, no preço das quotas/ações, nos resultados das decisões dos investidores e/ou administradores das células sociais.

Palavras-chave: passivo intangível. Valoração de passivo intangível. Fato relevante. Eficiência e dosimetria do fundo de comércio. Ativos e passivos intangíveis. 

  1. Introdução:

    Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma constante busca da verdade em relação à situação da continuidade e solidez de um investimento, ou seja, a situação da necessidade de uma informação que traga mais transparência dos negócios em função do dever de informar e de diligência dos administradores.

   Se faz necessário uma reflexão em relação aos intangíveis, pois os intangíveis ativos, como o fundo de comércio, são precificados e contabilizados na data de sua avaliação; já o intangível passivo é uma probabilidade, ainda não ocorrida na data base da avaliação, é apenas uma predileção lastreada em evidência de riscos. Portanto, os ativos intangíveis devem ser contabilizados no balanço patrimonial e o passivo deve ser referenciado nas notas explicativas e nos relatórios da administração, conselhos e auditorias, por força dos princípios da competência, veracidade e da prudência.

   Os labores dos contadores têm se destacado, ao permitir aos investidores, uma identificação de riscos, com base em uma precificação de passivo intangível, via métrica do índice de eficiência e dosimetria, cuja expressão monetária se faz pela diferença entre o retorno, lucro operacional, inferior a 6% do ativo operacional, o qual serve tanto para medir o ativo intangível, fundo de comércio, como o passivo intangível.

    A pesquisa aqui relatada e sua conclusão, foi realizada sob o amparo de método científico, denominado de: método do raciocínio lógico contábil.

  1. Desenvolvimento:

    O passivo intangível diferencia nitidamente dos fundos de reintegração de ativos; e das tradicionais e conhecidas reservas para contingências; e das provisões para contingências: ambientais, sociais, comerciais, de garantia junto a consumidores, trabalhistas, para devedores duvidosos, fiscais, para a indenização de rescisão de contrato de representação ou distribuição, as relacionadas com a logística reversa, entre outras análogas. Ainda que seja um pleonasmo, nunca é demais lembrar que balanços patrimoniais sem o registro das contingências passivas referenciadas, quando existirem tais contingências, resulta em um balanço putativo, que foi maquiado, para atender interesses diversos da fidelidade e probidade. Pois, a prática da ausência generalizada das provisões para contingências citadas, cria uma falácia, que é a origem primária dos balanços patrimoniais putativos.

    A responsabilidade dos gestores e dos contadores, em relação à divulgação de ativos e de passivo intangíveis, tem amparo nos princípios pétreos da teoria pura da contabilidade, tais como: da epiqueia contabilística, da competência e o da veracidade, pois, o contador deve ser o guardião da verdade em relação à situação patrimonial de uma célula social. Esta é a sua principal atribuição, até porque as demais decorrem desta.

   Um passivo intangível é o passivo invisível em relação às informações constantes das demonstrações contábeis, balanço patrimonial, normalmente disponibilizadas aos utentes, é oriunda, quiçá, de atos de omissão da administração como o dever de diligência, lealdade e probidade, estas omissões ocultam eventuais riscos. Pelo uso e costume da política contábil, o passivo intangível potencial não está contabilizado, por ser passivo não aparente, “invisível ou não identificado de forma explícita”, e tampouco divulgado em notas explicativas ao balanço patrimonial. No entanto, por uma questão de fidelidade, clareza e lógica, à luz dos princípios contábeis da teoria pura da contabilidade, tais como: o da epiqueia contabilística, o da continuidade e o da competência, deveria estar evidenciado nas notas explicativas ao balanço patrimonial, nos relatórios da administração, da auditoria interna e externa, e dos conselhos fiscais e de administração.

    Cabe destacar que uma omissão em relação ao passivo intangível, gera uma presunção de responsabilidade (ato ilícito, nos termos do art. 186 do CC/2002) em relação à existência de prováveis perdas e danos patrimoniais futuros, em decorrência de fatos subsequentes à data do balanço.

    O passivo intangível, sem sombra de dúvida, e com uma clareza solar, enquadram-se na ambiência dos “fatos relevantes[1]” que colocam em risco os interesses legítimos dos investidores e demais utentes, portanto, devem ser divulgados em sintonia ao inciso II do § 5º do art. 176, combinada com a letra “i” do inciso IV do § 5° do art. 176 da Lei 6.404/1976.

 Além dos administradores, são corresponsáveis pela divulgação de fatos relevantes, o contador, o auditor, os acionistas/quotistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por força do contrato social ou do estatuto social, que tenham conhecimento do fato relevante. Estas pessoas somente se eximirão de responsabilidade do ilícito, caso comuniquem o fato relevante, existência de passivo intangível, via notas explicativas ao balanço patrimonial. Lembramos a presunção hominis aplicada as pessoas relacionadas como corresponsáveis, de que elas, em decorrência direta de seus cargos e funções, sabiam ou deveriam saber, da existência dos riscos que dão causa a eventual passivo intangível.

    O passivo intangível representa risco, distinto e totalmente diverso das provisões ou reservas para contingências, sendo que este passivo possui vetores[2],  tais como:

  1. Os resultantes da falta de procedimentos para uma economia em escala;
  2. Excesso de estoques, pontuada por baixa rotatividade e geração de custos de financiamento da estocagem;
  3. Markup insuficiente e vendas a baixo do ponto de equilíbrio econômico;
  4. Atos de abuso de poder ou de direito que colidam com a teoria ultra vires;
  5. Perda constante do market-share;
  6. Fatos externos à organização, tais como: estagnação, depressão e recessão econômica;
  7. O uso de embalagens, partes e peças nos produtos fabricados ou comercializados, que possuam elementos contaminantes, degradantes ou de qualquer forma prejudiciais ao meio ambiente;
  8. Violação à função social da propriedade;
  9. As concorrências desleais e parasitárias;
  10. As deficiências no processo de planejamento tático e estratégico;
  11. Procedimentos embrionários ou não existentes em relação à criação de novos produtos e/ou aperfeiçoamento dos existentes;
  12. Processos de produção inadequados ou ultrapassados;
  13. Geração de produtos ou serviço de baixa qualidade;
  14. Alta rotatividade de fornecedores e distribuidores;
  15. Elevado grau de concentração das compras em poucos fornecedores, ou de vendas em poucos fregueses, ou seja, dependência econômica;
  16. Política de exposição de capital pontuado pela falta de capital de giro;
  17. Alta rotatividade de empregados;
  18. Falta de investimento continuado na formação profissional;
  19. Falta de due diligence e compliance, situação que propicia ou favorece as fraudes e as corrupções;
  20. Infraestrutura inadequada do estabelecimento empresarial;
  21. Excesso de investimento em ativos operacionais em relação ao lucro operacional;
  22. A falta do registro de marca, patentes e/ou direitos em relação aos produtos;
  23. Negócios jurídicos vinculados à distribuição e à representação inadequada para alcançar um desenvolvimento ético, em sintonia à livre concorrência e à livre iniciativa;
  24. Falta de parcerias ou alianças estratégicas, entre outras situações ou fatos análogos.

   Tais riscos que representam a mola propulsora do passivo intangível, quiçá, no atual momento de desenvolvimento da contabilidade, não seja possível quantificá-los de forma individual, mas compõe um todo. Passivo intangível, que pode ser sinalizado pela existência de um badwill e analisados segundo o índice de eficiência e dosimetria, constante do método holístico[3]. Desta forma, consideram-se passivo intangível o risco com a probabilidade de sua ocorrência, cujo efeito diagnosticado pelo índice de eficiência e dosimetria, a curto, médio ou longo prazo, é o da diminuição do patrimônio líquido, da rentabilidade e do preço das ações/quotas.

O índice de eficiência e dosimetria tem lastro na teoria pura da contabilidade[4], é medido pela fórmula:

EA = (LO+ DF-RF)-(6% AO)

Onde:

EA = Eficiência do Aviamento ou Eficiência do Fundo de Comércio.

LO = Lucro Operacional médio.

DF = Despesas Financeiras médias.

RF = Receitas Financeiras médias.

AO = Ativo Operacional médio.

O índice de eficiência e dosimetria para fins de aferição via termômetro que mede a eficiência do aviamento, é representada pela seguinte expressão matemática:

Índice EA = (EA/AO)*100

    O Termômetro da Eficiência de dosimetria do fundo de comércio, meio técnico adequado para aferir a existência de ativos e passivos intangíveis, possui escala de medição. Acima de zero, indica a existência de ativo intangível, abaixo de zero, indica a existência de passivo intangível, conforme segue:

Termômetro da Eficiência do Aviamento
Situação especial Maior que 31,0
Excelente de 9,01 a 31,0
Ótimo de 6,01 a 9,0
Bom de 2,01 a 6,0
Nascente 0 a 2
Neutro 0
Ruim 0 a (-2,0)
Péssimo de (-2,01) a (-5,00)
Tendência à insolvência de (-5,01) a (-9,00)
Perda acentuada do capital de (-9,01) a (-31,0)
Indício do atestado de óbito dos negócios Maior que (-31,00)

    A existência de badwill é evidência irrefutável de passivos intangíveis e ausência de goodwill; mas a existência de ativo intangível do tipo fundo de comércio, goodwill, não é fato totalmente excludente de riscos, e, portanto, de passivos intangíveis, até porque risco nulo ou zero, é algo inexistente, mas a ausência de badwill revela que os riscos, vetores do passivo intangível, foram bem administrados e estão minimizados pelo viés econômico.

    Sustenta-se que o exame da dosimetria do fundo de comércio guarda intensa similitude com os princípios de mensuração de valor, portanto, possui âncora na teoria contábil do valor.

    O teorema do passivo intangível pode ser representado pela seguinte proporcionalidade: quanto mais negativo for o índice de eficiência do goodwill; maior será a existência de passivo intangível. Sendo o contrário também verdadeiro: quanto maior for o índice de eficiência e dosimetria do fundo de comércio, menor será o passivo intangível e maior o ativo intangível.

    Verifica-se uma relação simétrica entre o conceito de risco e de passivo intangível, pois é deveras importante, a interpretação de que essa evidenciação do passivo intangível gera reflexo, transparência, contribuindo para a credibilidade dos relatos contábeis, uma vez que considera o valor preditivo dos riscos. Já que é possível que uma gestão se prepare adequadamente para minimizar este “risco” passivo intangível, tendo uma maior probabilidade de superação das dificuldades, já que a célula social, poderá ser afetada com menos intensidade por este passivo intangível. Logo, divulgar e admitir esta informação sobre passivo intangível, no mínimo nas notas explicativas, é algo deveras relevante para os utentes dos relatórios contabilísticos, em especial, os investidores; sendo um ato ético lastreado na boa-fé e responsabilidade dos gestores, auditores e do contador.

    O passivo intangível, por ser evento futuro, cuja ocorrência depende da continuidade dos negócios, não deve afetar e compor o balanço de determinação, pois os sócios/acionistas que se desligam, não participam das perdas ou dos lucros futuros, nos termos implícitos no parágrafo único do artigo 608 do CPC/2015. Assim como, também não ocorre a sua quitação, pagamento, em caso de liquidação da sociedade.

    A hipótese do pagamento, “liquidação e extinção” dos reflexos do passivo intangível em uma sociedade empresarial, ocorre na suposição da sua distribuição, ou seja, da participação dos sócios nas perdas, prevista no art. 1.007 do CC/2002. Evidenciamos que este ônus do passivo intangível, foi assumido integralmente pelos sócios e não pela pessoa jurídica.

    Um passivo intangível não representa uma saída de recursos vinculada à liquidação de obrigação presente ou futura, como as provisões para contingências, e sim, uma diminuição do patrimônio líquido e/ou dividendos futuros. Um intangível é um passivo atípico ao gênero dos passivos contingentes, e como tal, merece tratamento também distinto.

  1. Conclusão:

    Naturalmente este signatário tem humildade científica suficiente para respeitar as opiniões contrárias de outros estudiosos, que eventualmente consideram as contingências passivas, como sendo sinônimo ou algo equivalente ao passivo intangível; isto, o respeito a possíveis opiniões divergentes ambíguas ou polissêmicas, não significa uma concordância a elas, e sim, um respeito e uma valorização da liberdade de cátedra, muito importante para a evolução do conhecimento contábil. Até porque, a evolução do conhecimento científico é construída a partir de divergências que geram os espancamentos científicos.

    Este artigo se propôs, sem esgotar o tema, uma reflexão à luz da ética e o dever de informar e de diligência, em relação à divulgação dos riscos que compõe o eventual passivo intangível, tendo como critério de precificação, o badwill apurado nos termos do método holístico.

    O tema do presente artigo trouxe a uma ponderação acadêmica, a distinção entre passivos contingentes existentes na data do balanço e necessariamente reconhecidos no balanço patrimonial à luz dos princípios da competência, da veracidade e da epiqueia contabilística; e o passivo intangível, como um dos eventos subsequentes à data do balanço, e reconhecidos nas notas explicativas em função de riscos aos investidores, de diminuição de rentabilidade futura e do preço de suas ações/quotas.

    Quanto à natureza científica deste artigo, esta foi fundamentalmente motivada pela necessidade de propor uma solução ao problema concreto vinculado ao passivo intangível, que é de existência legítima, nas células sociais, e a sua administração tem o dever inalienável de informar, cuja omissão pode ocasionar perdas futuras, com consequências irreversíveis aos investidores.

   E por derradeiro, para se valorizar a função da contabilidade de prestar informações para os seus usuários, é deveras importante a valorização do passivo intangível e sua referência nas notas explicativas ao balanço patrimonial.

    Concluindo-se que os contadores, os administradores, e os sócios/acionistas controladores são responsáveis pela correta informação da situação patrimonial, incluindo-se os riscos que possam gerar o passivo intangível, consequentemente o badwill.

 

[1]   Inclui-se no conceito de fatos relevantes: os atos ou decisões administrativas, e/ou fatos de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro relacionado aos negócios que possam influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários e nas futuras distribuição de dividendos e/ou lucros.

[2]   Os vetores são os agentes causadores e hospedeiros, passivo intangível, que representam a causa, que está estribada em um conjunto de não-conformidades, que criam o efeito “passivo intangível”.

[3]   Detalhes técnicos em relação ao índice de eficiência e dosimetria do fundo de comércio constante do método holístico, podem ser estudados na literatura especializada: Teoria Geral do Fundo de Comércio. Curitiba: Juruá editora, 2018, tomo 9.4, de nossa autoria.

[4]    Na teoria pura da contabilidade uma dosimetria é uma unidade de medida física ou monetária específica de determinada grandeza, que é utilizada para servir de padrão e comparação para se aferir uma utilidade. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Teoria Pura da Contabilidade – Ciência e Filosofia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 186.

i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

______. Código Civil. Lei 10.406, de 10.01.2002. Brasília, DF: Senado, 2002.

______. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

HOOG, Wilson Alberto Zappa. Teoria Pura da Contabilidade – Ciência e Filosofia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 186.

 

Publicado em 24/05/2019.

Perícia e a Inteligência Artificial

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

Resumo: no âmbito das ciências forenses, particularmente na perícia contábil, o uso da inteligência artificial é presumível para acontecer em breve, especialmente em softwares inteligentes que compreendam o real sentido das palavras, para que os robôs possam, sem o comando de humanos, aprender com suas decisões anteriores, além de  sugerir soluções para casos concretos, com base em uma série de informações, deveras úteis (leis, princípios, diligências, jurisprudências, teorias, teoremas, doutrinas, entre outros) e soluções armazenadas em bancos de dados. Isto é considerado por este signatário, como uma possibilidade real e irrevogável, como se espera demonstrar neste artigo.

Palavras-chave: Inteligência artificial. Perícia contábil. Laboratórios de perícia forense-arbitrais. Computação cognitiva. Robô perito-contábil. 

  1. Introdução:

  Os labores de peritos nomeados pelos julgadores e dos indicados pelos litigantes têm se destacado como um importante meio de prova, cuja eficiência pode, quiçá, ser ampliada e muito, pela inteligência artificial.

 É necessário separar inteligência artificial possivelmente disponível para todos em um futuro breve, e aplicada nos laboratórios de perícias forense-arbitrais; da automação destes laboratórios que já torna a vida dos peritos mais fácil em suas rotinas de análises técnicas, deixando-as mais eficientes e rápidas. Acredita-se que em breve, a atuação dos robôs, pela via da inteligência artificial, seja uma realidade no meio pericial para ser utilizada como um instrumento de prevenção a erros de cognição, demonstração da verdade, e também para o desenvolvimento do labor dos peritos com base em uma redução de custos e produção em série.

  Justifica-se esta abordagem do uso da inteligência artificial no âmbito das perícias, pela necessidade de uma constante busca do aperfeiçoamento dos peritos, ou seja, a situação de melhorias, como a automação, sem sombra de dúvida, já a fez.

  1. Desenvolvimento:

  Atualmente um software, como o Excel, pode ser programado de modo inteligente, para servir ao perito, permitindo integrações entre funções, garantindo que certas atividades, como os cálculos de indicadores econômicos ou financeiros, levem menos tempo. Portanto, os peritos, pela via da automação, já levam menos tempo em tarefas operacionais repetitivas. E este tipo de labor é tido como uma automação, nas análises técnicas, o que é diferente de uma inteligência artificial, que se espera venha a contribuir nas análises científicas, de interpretações destes indicadores, baseada em evidências de probabilidade, razoabilidade, equidade e proporcionalidade.

   A inteligência artificial é uma tecnologia que torna um robô ou um aparelho eletrônico capaz de tomar decisões baseadas nas informações que processou, e nas soluções anteriores. Sendo que esta máquina, robô perito contábil, está em constante autoaprendizado, de configuração análoga ao pensar de um cérebro humano. Constituindo uma importante biblioteca capaz de armazenar e processar bilhões de informações em segundos, o que equivale a uma resposta em tempo real.

  A inteligência artificial de robôs perito-contadores, pode ser útil para alavancar na prestação de serviços e aumentar a produtividade de um laboratório de perícia forense-arbitral. Deste modo, tem a configuração de um benefício e não de um malefício.

   O jurista Atheniense[1] traz à baila, notícias sobre o uso da inteligência artificial no Brasil, por parte do Ministério Público, que possui um programa de inteligência artificial desenvolvido pela empresa Softplan, e que tem auxiliado os promotores a organizarem e agilizarem o seu trabalho, afirma ainda que a inteligência artificial na advocacia já é realidade em alguns grandes escritórios dos Estados Unidos.

   Parece uma ficção, ou um paradoxo, mas creio que, os futuros robôs perito-contadores, deverão possuir um software cognitivo, ou seja, de sucessivos atos, ou de práticas de coletar, processar, pesquisar, analisar e compreender semanticamente um conteúdo probante, realizando tarefas a partir das informações careadas a um processo. Como exemplo desta cognição, inteligência artificial robótica contábil, temos a hipótese de o robô classificar e apresentar aspectos sobre a forma de resultados práticos, como sugestões de quesitos, se o robô estiver a serviço do perito indicado; e resposta aos quesitos, se o robô estiver a serviço do perito nomeado. Ou ainda, sugestões para a tomada decisões de ambos os peritos.

   O fluxo de ideias, conhecimentos e experiências de uma inteligência contábil artificial, pode, em breve, fazer a diferença na contratação de serviços periciais.

  É fato que a ambiência pericial contábil é um manancial gerador de dados complexos, estruturados, e que possibilitam o desenvolvimento da inteligência contábil artificial.

   Preocupações existem e são inegáveis, no sentido de que:

  • A inteligência artificial, como um sistema de avanços tecnológicos, provavelmente tornará o perito dispensável? Até porque, atualmente o sistema de escrituração eletrônico, Sped, já marcou o início de um novo ciclo de automação na geração e informações aos utentes.
  • O instrumento da inteligência contábil artificial, não apenas auxiliarão os julgadores, mas também, decidirão acerca dos pontos contábeis controvertidos?
  • Se um robô cognitivo autoaprende de forma análoga aos humanos, com as informações que processou, é possível a hipótese de que os dados analisados e interpretados tenham premissas equivocadas, portanto, é factível que as conclusões da inteligência artificial possam também ser falaciosas.
  • A automação já vem gradativamente substituindo o contador, especialmente nas tarefas repetitivas como inserção de dados, vinculados a débitos e créditos ligados às movimentações do ativo imobilizado, compras, vendas e folha de pagamento, em sistemas integrados. E como será com os serviços dos peritos diante da inteligência artificial? Esses serviços poderão perder significativamente seu preço no mercado, já que serão realizados em grande escala com um custo reduzido e em menor tempo. E a perda ou diminuição do preço dos serviços juntamente com a diminuição dos custos e aumento do volume, surgirá um lucro líquido significativamente superior aos atuais?
  • Será acessível a todos os peritos o investimento em educação continuada, para se conhecer os instrumentos de inteligência artificial e acompanhar o rápido desenvolvimento das novas soluções, já que isto pode ser fundamental para que um perito contador se mantenha no mercado. Até porque, já é fato notório, que o aprimoramento constante é fundamental para o desempenho da função.

   O uso da inteligência artificial gera um repensar a nossa concepção de perito como auxiliar do juiz ou do árbitro. Notadamente, como um instrumento de minimização dos riscos sistêmicos inerentes à própria função, que podem ocorrer: no momento da coleta dos livros, dos relatórios, das conciliações dos saldos das contas ativas e passivas, no suporte documental da escrituração, etc., pois, a análise e interpretação dos indícios e das evidências podem resultar em um erro de cognição. A ocorrência de erro em apenas uma destas etapas pode comprometer o resultado final de todo o labor e conjunto probatório, com possíveis prejuízos à pronúncia do juiz em relação aos direitos e às obrigações das partes. O caráter do conhecimento contábil artificial, gera uma asseguração mínima a falta de fundamentações doutrinárias dos laudos e pareceres, e ao uso de termos que podem gerar interpretações polissêmicas ou ambíguas.

  1. Conclusão:

   A criação de robôs perito-contadores com inteligência artificial, e o avanço dessa tecnologia, é um processo quiçá, gradual e lento, mas irreversível.

   É importante a distinção entre “inteligência artificial” e os avanços obtidos pela “automação”. Pois a inteligência artificial existe quando as máquinas alcançam o aprendizado, e tomam decisão, por meio da inteligência autodesenvolvida e/ou habilitada e serviços analíticos e cognitivos. Enquanto a automação é utilizada apenas para processar tarefas manuais repetitivas e que usam dados estruturados, por exemplo, obter um fluxo de caixa ou montar um balanço patrimonial. Não podemos dizer exatamente o que acontecerá com o labor dos peritos, mas podemos presumir que a “inteligência artificial” será aplicada na melhoria da atual “automação” dos laboratórios de perícias forense-arbitrais. Por este motivo, teremos uma possível quebra do paradigma, de que somente a inteligência humana de um perito, é que gera vantagem competitiva e agrega valor nos processos periciais, sem perder o foco de que a inteligência artificial não é um milagre, que pode substituir em definitivo o elemento humano do perito. Então a computação cognitiva será apenas uma ferramenta a mais para a inteligência natural e humana dos peritos e não um concorrente ou substituto.

   É possível que a inteligência cognitiva artificial venha a desenvolver atividades complementares dentro de cada um dos ramos da perícia contábil, a trabalhista, a tributária, a criminal, entre vários outros, auxiliando os peritos em suas atividades, por meio de um assessoramento.

   Os peritos que se recusarem a aceitar, ou negar a possibilidade de um robô perito que representa um novo modo de auxiliar os labores nos laboratórios de perícia, a moderna ambiência da perícia, que certamente não dispensará os serviços dos robôs de inteligência artificial, é possível que venha a dispensar o perito que fecha os olhos para esta realidade de vanguarda.

   E por derradeiro, atualmente avulta o desafio para as Associações de Peritos e Conselhos Regionais, para sensibilizar os peritos no sentido de que eles compreendam e discutam as possibilidades que possam surgir com o uso da inteligência artificial, como, por exemplo, pensar que nos estudos de patologias e em todas as novas terapias desenvolvidas nos laboratórios de perícia forense-arbitral, possuam elementos de computação cognitiva.

 

[1]  Alexandre Atheniense. A Inteligência artificial e o Direito – Como a computação cognitiva impactará nas atividades dos profissionais do Direito. Disponível em:https://alexandre-atheniense.jusbrasil.com.br/artigos/467690643/a-inteligencia-artificial-e-o-direito. Acesso em: 10 mar. 2019.

i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

 

REFERÊNCIAS:

Alexandre Atheniense. A Inteligência artificial e o Direito – Como a computação cognitiva impactará nas atividades dos profissionais do Direito. Disponível em:

https://alexandre-atheniense.jusbrasil.com.br/artigos/467690643/a-inteligencia-artificial-e-o-direito. Acesso em: 10 de março de 2019.

Publicado em 06/05/2019.