Preço de Saída dos Estoques para Fins do Balanço de Determinação Aplicado na Apuração de Haveres e/ou Deveres  

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

  Nesta reflexão estamos enfatizando a relação entre o preço de saída do estoque com o balanço de determinação, que se distancia dos preços de entrada dos estoques constantes dos balanços ordinários.

  Inicialmente cabe destacar que no relatório financeiro-econômico, Balanço de Determinação, deve evidenciar as informações úteis relativas aos ajustes patrimoniais a preço de saída, com o objetivo de reportar a essência dos fenômenos econômicos de forma fidedigna pela via da  evidenciação contábil em notas explicativas ao balanço de determinação[1] nele naturalmente incluído a valorimetria e os ajustes de estoques a preço de saída em simetria ao art. 606 do CPC/2015.

  Avulta a supremacia do at. 606 do CPC, em relação às outras normas para elaboração do balanço tido como ordinário. Portanto, é notável e lógico que a valorimetria dos estoques em um balanço de determinação possui regras próprias e específicas, que são as constantes do art. 606 do CPC/2015, não existindo nenhuma forma de antinomia, em relação aos pronunciamentos contábeis tidos como Normas Internacionais, ou RIR/2018 ou à legislação societária. A validade dos pronunciamentos contábeis CPC emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, criado pela CFC é para fins do balanço ordinário, e não para definir critério de avaliação de ativos ou passivos em balanços de determinação a preço de saída

   Nem sempre é possível aos peritos analisar detalhadamente a conciliação do saldo dos estoques relativo à data da apuração dos haveres/deveres, que deveriam  ser comprovados por inventário já ajustados com a exclusão dos itens obsoletos ou inservíveis e relatórios auxiliares onde conste a quantidade o preço de entrada e o preço de última venda. E aplicarem com base no ceticismo, simultaneamente o procedimento de testabilidade para se obter um nível de asseguração pericial razoável. A precificação dos haveres no que diz respeito aos estoques a preço de saída é um fato contábil-jurídico considerado como um direito potestativo  do sócio retirante. Portanto, não sendo possível aos peritos uma aferição direta dos preços de saída, notas fiscais, inventários entre outros itens, é possível uma aferição indireta[2] do estoque a preço de saída.

  A valorimetria dos estoques a preço de saída pode ser determinada por aferição indireta;  em sintonia a seguinte forma matemática:

Preço de saída = (((receita líquida /custo )-1)*estoque)+estoque.

 

Fonte dos dados: Balancete base para a apuração dos haveres/deveres
Aferição indireta por presunção da margem de preço para atribuição de preço de saída dos estoques
Receita líquida    10.000,00
Custos      4.000,00
% de margem             1,50
Margem em reais      6.000,00
Saldo estoque balancete (custo de aquisição) Preço de entrada contábil      5.000,00
Ajuste (acréscimo) do estoque a preço de saída      7.500,00
Saldo do estoque ajustado a preço de saída para efeitos do balanço de determinação    12.500,00
Valorimetria do estoque – Preço de saída = (((receita liquida /custo )-1)*estoque)+estoque.
Fonte doutrinária desta aferição indireta: HOOG, Wilson A. Z. BALANÇO ESPECIAL OU DE DETERMINAÇÃO PARA APURAÇÃO DE HAVERES E/OU DEVERES E REEMBOLSO DE AÇÕES.  Curitiba:  Juruá. 8.ed. 2025.

  Pode ser aumento a segurança da aferição indireta, se for utilizado a média aritmética das receitas e dos custos, corrigidos monetariamente dos últimos 5 anos; para se obter o % de margem, a ser aplicado no saldo do estoque existente na data base dos haveres. Naturalmente respeitando-se as particularidades de cada caso, pois a média aritmética, pode, em situações especiais, ser substituída pela mediana, pela amostra superlativa ou pela moda, desde que sejam explicadas as razões da fundamentação da escolha do perito.

  O espírito do CC/2002, art. 1.031, do CPC art. 606, da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que os haveres/deveres devem representar aquilo que é razoável e proporcional à participação dos sócios que se retiram,  não se admitindo ilusionismo de haveres/deveres com base em balanço putativo com  o patrimônio líquido contábil.

  Os estoques de produtos, de coprodutos[3] e subprodutos[4] em elaboração, seguem o mesmo critério dos produtos acabados, preço de saída, porém, observado as regras de ordens de produção[5], produção por ordem específica[6], de produção em série[7], de produção por séries contínuas[8], de produção por séries limitadas[9], e produção por sistema misto[10], produção em conjunto[11] – coprodutos e subprodutos, respeitando, proporcionalmente, sempre os estágios ou etapa de sua elaboração. Destacamos que se os registros contábeis são incompletos, ou possuem falsificação ideológica ou material, não pode a sociedade e os sócios que ficam, se beneficiarem com a sua torpeza.

  É importante lembrar que um diagnóstico do estoque a preço de saída, inicia-se pelos procedimentos de ceticismo e testabilidade aplicados na busca de uma asseguração contábil pericial razoável. Admitindo-se uma aferição indireta do estoque à luz da epiqueia contabilística, da ampla defesa e do contraditório.

  O diagnóstico precedente dos estoques a preço de saída, deve ser confirmado pelo perito nomeado, o qual foi observado em um parecer prévio elaborado por um dos peritos indicados. Um parecer prévio previsto na Norma Brasileira de Contabilidade, NBC TP 01 (R1), de 2020, item 22 (e):

(…) os assistentes técnicos podem entregar ao perito nomeado cópia do seu parecer prévio, planilhas ou memórias de cálculo, informações e demonstrações que possam esclarecer ou auxiliar o trabalho a ser desenvolvido pelo perito nomeado, assegurado o acesso ao outro assistente.

  Inclusive neste sentido, parecer prévio como meio de colaboração entre os peritos para a formação do diagnóstico, a OAB-SP  divulgou uma  Nota Técnica OAB-SP/CEP/NPC Nº 01 emissão de parecer prévio pelos assistentes técnicos  (https://jornaldaadvocacia.oabsp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Nota-Tecnica-OAB-SP-CEP-NPC-no-01-1.docx.pdf)

  E por derradeiro, avulta e sobeja a necessidade de valorizarmos, o justo pelo justo[12];  o que significa que os haveres/deveres deve ser proporcional tanto em termos financeiros quanto em termos de participação no capital. O  direito probante[13]  pela via de uma aferição indireta, é capaz de  influir no julgamento, sem embargos ao fato de que, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento de uma das  partes ouvindo a outra antes de decidir sobre a validade ou não da técnica de aferição indireta.

 

[1]  Evidenciação contábil em notas explicativas ao balanço de determinação –  as evidenciações contábeis devem ser transparentes e  representam a base das notas explicativas, as quais podem ser divididas em qualitativas que se referem à qualidade e à natureza dos bens, direitos ou obrigações a preço de saída,  e/ou quantitativas mensurável ou quantificável, logo, o que quantifica os dados, pois compreende a valorimetria que é o ato de medir e precificar esses bens, direitos ou obrigações.

[2]  AFERIÇÃO INDIRETA – representa procedimento de que dispõem os peritos, para a apuração das bases de cálculo, ou, se for o caso, para certificar ato ou fato por indício contábil ou presunção, quando documentos e os livros contábeis ou fiscais, devidamente formalizados, não forem apresentados, ou quando ocorrer recusa de apresentação de qualquer documento ou informação, ou quando forem sonegados ou forem apresentados deficientemente, portanto, quando existir qualquer tipo de embaraço à realização da prova contábil deferida. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil: da Retaguarda à Vanguarda – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023.)

[3]  Os coprodutos são os produtos principais, contribuem significativamente para a receita total, e são gerados a partir de uma mesma matéria-prima.

[4]   Os subprodutos são os bens que surgem naturalmente do processo de produção dos coprodutos. Também são geradores de receitas, mas seu valor é quase sempre irrelevante em relação ao faturamento dos coprodutos. O surgimento dos subprodutos decorre de um processo de economia em escala e da evolução dos meios de produção, que permitem um maior aproveitamento da matéria-prima.

[5]   Produção por Ordem – sistema de produção personificada, não por processo. Nela os custos, diretos e indiretos, são acumulados, no ativo, numa conta específica para cada ordem de produção, e, após a sua conclusão, devem os valores ser transferidos para a conta de produtos acabados e, na sequência, quando de sua venda, transferidos à conta de custo dos produtos vendidos.

[6]  Produção por ordem específica – sistema onde a produção é feita sob encomenda especial, devendo o produto ou serviço ser executado de acordo com as características solicitadas pelo comprador. É mais frequente nas empresas de construção civil, gráfica, de móveis finos sob encomenda, de máquinas especiais, de fundição, serralharias, clicherias, vidraçarias, montadoras de veículos personificados. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil: da Retaguarda à Vanguarda – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023.)

[7] Produção em série – é o sistema de acumulação dos gastos da produção, com o objetivo de apurar o custo do produto ou serviço em indústrias ou prestadoras de serviços pela via do equivalente de produção. O equivalente de produção é um critério de medida das unidades em processamento, no sistema de custeio por processo ou contínuo. É uma técnica utilizada para facilitar o cálculo do custo unitário de uma produção, sendo necessário a existência de uma contabilidade de custo coordenada e integrada com os demais itens da escrituração. Este sistema de produção ininterrupta, ou seja, em série, como a produção de energia elétrica, água mineral, cervejas, entre outros, ou serviços. Os custos de produção são acumulados em contas representativas das diversas linhas de produção em diversos setores; sendo que estas contas são encerradas no fim de cada período de produção, como o final de um ano; ou quando atingem determinada quantidade de produtos ou estágio de produção. Os preços de cada unidade, para fins do preço de saída no balanço de determinação, são avaliados pelo preço médio de produção no período, pela simples divisão do preço total do produto acabado, pela quantidade proporcional ou total produzida. Nota-se que em uma produção em série, avulta a importância de uma métrica, “equivalente de produção” que é uma unidade de medida de custos/preço de venda utilizada nos sistemas de produção em série, que serve para se mensurar o montante dos custos de produção até determinada data, inclusive a preço de entrada ou a preço de saída, e tem o sentido de indicar o número de unidades iniciadas e acabadas que se equivale em seu preço. Logo, mensura o quanto se gastou para chegar até certo ponto de produção de unidades não acabadas. Essas mensurações de equivalentes de produção são necessárias para cada elemento de custo (matéria-prima, mão de obra, insumos, e custos indiretos).

[8]  Produção por séries contínuas – sistema de produção industrial, onde se produzem bens em fila, seguidas umas às outras. Concluída uma sequência ou série, é imediatamente iniciada outra fila de produção do mesmo bem, de forma que, quando uma sequência está em seu término, outra série ou fila de bens está em início de produção e assim sucessivamente.

[9]  Produção por séries limitadas – sistema de produção adotado pelas sociedades empresariais que produzem determinadas séries de bens, como peças e partes, passando em seguida a produzir outra série de bens com características diferentes. São geralmente empresas que produzem várias espécies de bens para estoque. Concluída uma série, fabricam outra, de bens cujo estoque esteja em vias de se esgotar. Este tipo é adotado pela maior parte das fornecedoras de peças, como, por exemplo, as de peças para veículos, de móveis, de máquinas, de objetos de adorno, de aparelhos diversos, de livros, de material elétrico, metalúrgicas, de produtos alimentícios.

[10] Produção por sistema misto – este tipo misto de sistema de produção ou de fabrico de bens e serviços é utilizado nas sociedades empresariais em que a produção é feita em parte por ordem específica e em parte por processo contínuo. Um exemplo típico é uma indústria de móveis por medidas, em que as partes e peças do produto são fabricadas por processo contínuo e a montagem, por ordem, segundo as especificações determinadas pelo comprador.

[11] Uma produção em conjunto é aquela em que são fabricados mais de um produto na mesma linha da fábrica, sendo que esta fabricação em conjunto de diversos produtos ocorre a partir de uma mesma matéria-prima, a qual é comum a todos os produtos. Por exemplo, uma indústria de alimentos que beneficia milho em seu processo produtivo para obter a farinha, o fubá, o amido etc. Logo, com a utilização do milho bruto, a matéria-prima básica desta indústria produz vários bens ou coprodutos.

Os custos conjuntos ou os custos em conjunto são todos os custos de produção, matérias-primas, insumos, mão de obra, depreciação e outros custos indiretos, ocorridos desde o início da produção até o ponto de separação dos processos de produção em conjunto.

A distribuição dos custos conjuntos pode ser feita por qualquer critério, que sempre será arbitrário, ou seja, proporcionalmente à participação dos coprodutos e subprodutos, utilizando para tal:

  • Método dos volumes produzidos, cujo critério distribui custos de forma igual, por unidade de bens elaborados. O total dos custos divididos pelo volume de produção.
  • Método da igualdade do lucro bruto, cujo critério distribui o custo conjunto com tal configuração que cada produto obtenha o mesmo lucro bruto por unidade. No caso, o custo é igual percentualmente sobre o preço de venda de cada um dos coprodutos e subprodutos.

Método das ponderações cujo critério é o de distribuir o custo conjunto, com tal configuração que cada produto e subproduto obtenha um custo ponderado, as mais variadas configurações, tais como: o grau de dificuldade e consumo de mão de obra direta para a industrialização, a lei de oferta e procura aplicada em relação ao bem, a facilidade de venda, as despesas financeiras nas hipóteses de venda a prazo etc. (HOOG, Wilson. Z. Contabilidade de custos – Manual de Fundamentações Teóricas e Práticas • Sistemas de Produção • Registros Contábeis • Formação de Preço• Teoria Geral dos Custos. Editora Juruá, 2019).

[12] A expressão “o justo pelo justo” está sendo utilizada para enfatizar a importância do julgador de agir com justiça, equidade e integridade, mas mais variadas  circunstâncias, garantindo que as sentenças sejam corretas e justas para todos os envolvidos.

[13] Um fato de direito probante que deve ser submetido a ampla defesa e ao contraditório, pode estar substanciado em um parecer de um assistente técnico de uma das parte, ou em uma Nota Técnica de Clarificação, tido como uma prova pós constituída   e um instrumento ou o meio hábil para demonstrar a existência de um fato.

 

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas dez teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiu o recorde da marca da 17ª edição.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm,  acesso em 28 de junho de 2024.

______. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 28 de junho de 2024.

HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil: da Retaguarda à Vanguarda – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023.

OAB/SP,  Nota Técnica OAB-SP/CEP/NPC Nº 01, emissão de parecer prévio pelos assistentes técnicos. Disponível em:  (https://jornaldaadvocacia.oabsp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Nota-Tecnica-OAB-SP-CEP-NPC-no-01-1.docx.pdf). Acesso em 30/12/2024.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 04/03/2025.

Lucro Cessante Inexistente ou Nulo

 

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

   Nesta reflexão estamos enfatizando a relação entre a prova da existência de lucros cessantes de forma lícita e ética, à luz da boa-fé; e a abominável apologia aos registros contábeis desclassificados, inexistentes ou revestidos de atos de torpeza, que se distancia dos valores de justiça.

   O espírito do CC/2002, da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que os lucros cessantes devem representar aquilo que é razoável proporcional e provável não se admitindo ilusionismo de lucros cessantes.

   A decisão de 25/03/19 do STJ no REsp 1750233/SP  cuja relatora é a  Ministra Nancy Andrigh é uma fonte de luz ao reiterar a necessidade de comprovação concreta dos lucros cessantes, e que se deve  limitar a indenização de lucros cessantes aos prejuízos efetivamente demonstrados. Pois o Acórdão é no sentido de não admitir a indenização por lucros cessantes sem comprovação e, por conseguinte, rejeitar os lucros hipotéticos, remotos ou presumidos.

   Cabe destacar que o dever de indenizar está vinculado ao fato de que os lucros esperados sejam reais e mensuráveis, fundamentados em elementos concretos que permitam sua efetiva quantificação. E para fins de uma fundamentação em “elementos concretos”, temos o axioma de que os registros contábeis devem exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como, as disposições das leis e deverá indicar, distintamente, o ativo, o passivo, o patrimônio líquido e o balanço de resultado econômico; eis o Princípio da Fidelidade que afasta balanços putativos e atos de torpeza.

   Feito esta introdução, onde os registros contábeis são a base da valorimetria, é possível concluir que os lucros hipotéticos, remotos ou meramente presumidos não se enquadram como passíveis de indenização, pois carecem da necessária certeza e determinação do quantum é devido. Sendo que a desclassificação[1] da escrita e relatórios contábeis, implica na perda do valor probante desta.

   Pelo viés técnico contábil da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares, por exemplo:  Teoria da Eficiência da Prova Pericial[2]; Teoria Geral das Perdas, Danos e Lucros Cessantes[3]; Teoria da Essência sobre a Forma[4]; é factível que os lucros cessantes sejam  inexistentes ou nulos ou sem valor positivo, como aliás já foi decidido em REsp 1347136/DF (não comprovada a extensão do dano (quantum debeatur), possível enquadrar-se em liquidação com “dano zero”, ou “sem resultado positivo”, ainda que reconhecido o dever da União em indenizar (an debeatur).)

   Por uma questão de epiqueia contabilística, é preciso que os lucros esperados e “cessantes” sejam reais e mensuráveis, fundamentados em elementos de escrituração contábil concretos e que permitam sua efetiva valorimetria. E em caso de perda de chance, sejam comprovados por estudos de viabilidade econômico-financeira factível, entre outros meios de provas,  quando ainda não existe registros contábeis, ou eventual avaliação comparativa por múltiplo[5], markup[6], por critérios de arbitramento  lastreado no RIR/2018 desde que requeridos na peça vestibular e aceitos pela justiça com a devida fundamentação motivada[7] do julgador sob pena de nulidade, logo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa; e em respeito ao  princípio do livre convencimento motivado e o fato de não violar o princípio da não surpresa, pois é defeso ao juiz emitir sentença extra petita[8], ou ultra petita[9], pelas mesmas razões que se proíbe ao juiz proferir sentença com objeto diverso do que foi demandado (CPC/2015, art. 492).

   Segundo o CPC, art. 373, o ônus da prova cabe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito; ao réu quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. E isto significa que se o autor/promovente, não provar de forma inequívoca a existência de lucros cessantes, o quanto é devido, este lucro cessante é nulo ou existente. Eis que a desclassificação da escrituração contábil é um elemento deveras importante no contexto de uma perícia contábil e da valoração da prova pelo condutor judicial, pois está relacionada à validade dos registros financeiros e à capacidade desses registros em servir como prova em litígios. E para efeitos de prova substancial, é fundamental que os registros contábeis sejam mantidos de forma precisa e em conformidade com as normas vigentes para evitar problemas vinculados a sua desclassificação, como uma indenização sem valor positivo ou nula.

   É importante lembrar que um diagnóstico de lucro nulo ou positivo, inicia-se pelos procedimentos de ceticismo e testabilidade aplicados na busca de uma asseguração contábil pericial razoável. O diagnóstico devidamente fundamentado de desclassificação dos registros e relatórios contábeis, deve ser efetuado por peritos, o nomeado e os indicados, à luz da ampla defesa e do contraditório

   Para a valorimetria do lucros cessantes é imprescindível a exigência de uma prova peremptória[10], para a absoluta independência dos pensamentos do peritos, pois esta independência oferece o poderoso motivo de convicção. Sem embargos da hipótese não descartada de falsificação ideológica de uma prova contábil[11]. Cumulativamente a falsificação ideológica temos o fato de o perito prestar informações inverídicas, o que implica nas consequências do art. 158 do CPC.

   O diagnóstico precedente de lucro cessante nulo pode ser observado em um parecer prévio elaborado por um dos peritos indicados. Um parecer prévio previsto na Norma Brasileira de Contabilidade, NBC TP 01 (R1), de 2020, item 22 (e): 

“(…) os assistentes técnicos podem entregar ao perito nomeado cópia do seu parecer prévio, planilhas ou memórias de cálculo, informações e demonstrações que possam esclarecer ou auxiliar o trabalho a ser desenvolvido pelo perito nomeado, assegurado o acesso ao outro assistente”.

   Inclusive neste sentido, parecer prévio como meio de colaboração entre os peritos para a formação do diagnóstico, a OAB-SP  divulgou uma  Nota Técnica OAB-SP/CEP/NPC Nº 01 emissão de parecer prévio pelos assistentes técnicos  (https://jornaldaadvocacia.oabsp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Nota-Tecnica-OAB-SP-CEP-NPC-no-01-1.docx.pdf)

   O diagnóstico de inaptidão dos registros contábeis para fins de valorimetria dos lucros cessantes é medida que se aplica diante das incongruências e ausência de asseguração, para que a indenização seja plena[12], e não gere locupletação sem causa.

   E por derradeiro, avulta e sobeja a necessidade de valorizarmos, o justo pelo justo[13];  o que significa que o lucro cessante deve ser uma retribuição proporcional tanto em termos financeiros quanto em termos de consequências ou responsabilidades, onde implica na obrigação do julgador em corrigir algo que está errado de forma justa e apropriada, sem exageros ou injustiças. E a lei, CPC art. 493, assim brada em bom e alto som, estamos utilizando “bradar” como uma metáfora, pois se depois da propositura da ação de liquidação dos lucros cessantes, surgir um fato de direito probante[14] capaz de  influir no julgamento, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento de uma das  partes ouvindo a outra antes de decidir sobre a validade ou não dos registros contábeis como um ponto controvertido para a perícia apreciar/solucionar, e as partes formularem quesitos, em especial, se existe ou não segurança contábil sobre os registros contábeis e/ou estudo de viabilidade econômico-financeira. Na valorimetria dos lucros cessantes deve ser considerado, na sentença, a hipótese de lucros cessantes nulos ou inexistentes com base na desclassificação dos registros contábeis.  O fato novo, falsificação ideológica (alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante[15]), é a desclassificação dos registros anteriormente apresentados, sua incongruência ou não conformidade, por fato superveniente[16], que é algo distinto da arguição de falsificação, prevista no art. 430 do CPC, ou seja, o documento em si (demonstração do resultado do exercício DRE, ou o  estudo de viabilidade econômico-financeira é verdadeiro por estar escriturado em livros contábeis/fiscais/relatórios, mas falsa é a declaração de lucros que está inserida nele. A falsidade material, art. 430 do CPC, é aquela onde uma pessoa cria um documento falso ou altera o conteúdo de um documento verdadeiro. Se a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) foi confeccionada por quem de fato deveria fazê-lo, o contador responsável técnico pela escrituração contábil da célula social em simetria ao que foi escriturado no livro diário, e apenas o conteúdo “lucro” é falso, temos, a falsidade ideológica que está fora da arguição de falsidade do art. 430 do CPC. Por analogia ao Código de Processo Penal, o crime de falsidade ideológica é o  disposto no artigo 299 do CP,  já o de falsificação material da DRE está previsto no art. 298 do Código Penal.

 

[1] Desclassificação de escrita e relatórios contábeis representa um ato de se desconsiderar o escriturado. Cessa o elemento de prova a favor ou contra o empresário ou sociedade, em razão de sua imprestabilidade ou falta das características intrínsecas ou extrínsecas, do tipo existência dos livros obrigatórios, de individualização e clareza de registros, de ocultação de receitas, gastos, ativos ou passivos. É lógico que existe uma inequívoca força de prova nos livros contábeis, garantida por lei, o Código Civil brasileiro, que não é absoluta, pois a desclassificação acarreta a perda de credibilidade.

[2] A Teoria da Eficiência da Prova Pericial possui a sua fundamentação na literatura:  Licitação e Qualificação Econômico-Financeira – Teorias Contábeis: do Equilíbrio Econômico-Financeiro e da Eficiência da Prova Pericial – De Acordo com a Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021). Curitiba: Juruá, 2022.

[3] A Teoria Geral das Perdas, Danos e Lucros Cessantes possui a sua fundamentação na literatura: HOOG, Wilson A. Zappa.  Laboratório de Perícia Contábil Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil – Teoria e Fundamentos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2024.

[4]  A Teoria da Essência sobre a Forma possui a sua fundamentação na literatura: HOOG, Wilson A. Zappa. Teoria Pura da Contabilidade e suas Teorias Auxiliares – Ciência e Filosofia. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2022.

[5]  COMPARAÇÃO POR MÚLTIPLOS (§ 4° do art. 4° da Lei 6.404/1976) – é um critério de avaliação, cujo conceito foi desenvolvo em parceria com o Prof. Everson Luiz Breda Carlin: “A avaliação relativa (ou por múltiplos de mercado) parte do princípio de que ativos semelhantes devem (ou podem) ter valores semelhantes. Na avaliação relativa, busca-se determinar o valor de ativos com base na precificação de empresas similares (ou ativos similares) no mercado. Este método de avaliação procura avaliar a empresa por meio da comparação com parâmetros de outras empresas similares sob a premissa de que empresas, mercados ou ativos semelhantes devem ter valores muito próximos. O cálculo do valor de uma empresa por este método de avaliação relativa é também conhecido como método dos múltiplos de mercado. Esta metodologia consiste na obtenção de valores médios de bens equivalentes negociados no mercado e na utilização desses valores como referência ou justificativa para os preços pedidos por outros bens para se determinar o valor de uma empresa que consiste em encontrar outra empresa idêntica, ou pelo menos comparável, obter seus múltiplos e aplicá-los aos parâmetros da empresa analisada. Neste método, devem ser observados três passos essenciais da avaliação relativa: (i) identificação de ativos comparáveis que sejam precificados pelo mercado; (ii) classificação dos preços de mercado, em relação a uma variável comum para gerar preços padronizados que sejam comparáveis, e (iii) adaptação das diferenças entre os ativos, ao comparar os seus valores padronizados.” HOOG, Wilson A. Zappa. Dicionário de Vocabulários da Lei das Sociedades Anônimas – Lei 6.404, de 15.12.1976. Curitiba: Juruá, 2022.

[6]   MARKUP OU MARK UP sobrepreço serve para indicar quanto do preço de um bem, mercadoria, produto ou serviço está acima do seu custo. Logo, indica a diferença entre o custo de um bem ou serviço e seu preço de venda. E pode ser expresso em valores que representam a quantia efetivamente cobrada sobre o bem a fim de obter o preço. A título de exemplo, se um bem, produto ou serviço que foi vendido por R$ 100,00, com impostos sobre a venda equivalente a 19%, despesas equivalentes a 10%, encargos financeiros equivalentes a 4,5% e o lucro equivalente a 11%, o valor do markup é de R$ 444,50 e a soma destes percentuais indica o percentual do markup de venda, que é de 44,5% do preço de venda. Desta forma o markup deve ser calculado de forma a englobar as despesas de vendas, administrativas, financeiras, tributos e contribuições e o lucro. Logo, toda a precificação por markup consiste na determinação de um índice que será aplicado sobre o custo do produto ou serviço para se obter o preço de venda.

[7]   A fundamentação motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta, pois é defeso decidir com base em valores jurídicos abstratos, sem a observação das consequências práticas da decisão.

[8] Do latim, significa fora do pedido, opõe-se à ultra petita.

[9] Do latim, significa além do pedido, opõe-se à extra petita.                           

[10] Prova peremptória do lucro cessante – é aquela prova que decide a lide, sendo a mais comum, e imediatamente após a confissão, a prova pericial contábil. A título de dois exemplos para o entendimento e a aplicação deste tipo de característica de uma prova: 1- se inexistem provas peremptória de perdas ou danos, não se presume a existência do fato lucro cessante. Uma prova por indício sugere que este evento não pode ser considerado prova peremptória, se ausente outros elementos que ratifiquem a prova indiciária. 2- É imprescindível a existência de prova peremptória para que se assegure a ocorrência de excludente de ilicitude ou culpabilidade.  Uma indenização por lucros cessantes exige comprovação objetiva, prova peremptória, de que os lucros seriam realizados sem a interferência do evento danoso. Prova peremptória é um jargão que se refere a uma evidência que é tão conclusiva e decisiva, como o diagnóstico do perito nomeado, que não pode ser pelo viés da ciência, contraditado pelos peritos indicados, ou seja, que não permite contestação, pois a evidências têm um peso tão significativo que não deixam dúvidas razoáveis sobre o fato, pois os documentos e livros e relatórios probantes são consideradas pelo perito como definitivas, por não deixar margem para interpretações divergentes, polissêmicas ou ambíguas. Essa expressão prova peremptória contábil dos lucros cessantes quando citada por um perito nomeado e/ou indicado e independente, é fundamental no contexto de um diagnóstico, pois indica evidências que têm o poder de influenciar decisivamente o julgador.

[11] FALSIDADE IDEOLÓGICA, CP, art. 299 – “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.  Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”

[12] INDENIZAÇÃO PLENA – a expressão indenização plena, ou princípio da reparação integral, significa que todo a indenização deve cobrir o dano em toda a sua amplitude, ou seja, a reparação é de 100%, portanto, deve alcançar todo o dano. E jamais superior ao dano. Assim sendo, significa que a indenização deve cobrir o dano em toda a sua amplitude já que a finalidade da responsabilidade civil é a de restituir as coisas ao estado anterior, como se o evento danoso não tivesse ocorrido. Este princípio que nos parece mais com um axioma, deu sustentação ao art. 944 do CPC: “A indenização mede-se pela extensão do dano.” Somente existe indenização, se existir prova plena do dano, portanto, ilusionismo ou maquiagens contábeis, não são admitidas.

[13] A expressão “o justo pelo justo” está sendo utilizada para enfatizar a importância do julgador de agir com justiça, equidade e integridade, nas mais variadas circunstâncias, garantindo que as sentenças sejam corretas e justas para todos os envolvidos.

[14] Um fato de direito probante que deve ser submetido a ampla defesa e ao contraditório, pode estar substanciado em num parecer de um assistente técnico de uma das partes, ou em uma nota técnica de clarificação, tido como uma prova pós constituída, que é tida como um instrumento ou o meio hábil para demonstrar a existência de um fato.

[15] Fato juridicamente relevante, é todo acontecimento ou coisa relevante, como a existência ou não de lucro/prejuízo, que é algo capaz de criar, modificar, ou de extinguir um direito.

[16] Fato superveniente é aquele que ocorre depois, e representam um acontecimento influente no resultado do processo .

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas dez teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiu o recorde da marca da 17ª edição.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm,  acesso em 28 de junho de 2024.

______. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 28 de junho de 2024.

Norma Brasileira de Contabilidade, NBC TP 01 (R1), de 2020.

______. Decreto 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9580.htm.        

HOOG, Wilson A. Zappa.  Laboratório de Perícia Contábil Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil – Teoria e Fundamentos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2024

______.  Licitação e Qualificação Econômico-Financeira – Teorias Contábeis: do Equilíbrio Econômico-Financeiro e da Eficiência da Prova Pericial – De Acordo com a Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021). Curitiba: Juruá, 2022.

______. Dicionário de Vocabulários da Lei das Sociedades Anônimas – Lei 6.404, de 15.12.1976. Curitiba: Juruá, 2022.

______. Teoria Pura da Contabilidade e suas Teorias Auxiliares – Ciência e Filosofia. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2022.

Ministra Nancy Andrigh, Decisão de 25/03/19 do STJ no REsp 1750233/SP.

OAB-SP,  Nota Técnica OAB-SP/CEP/NPC Nº 01 emissão de parecer prévio pelos assistentes técnicos  (https://jornaldaadvocacia.oabsp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Nota-Tecnica-OAB-SP-CEP-NPC-no-01-1.docx.pdf)

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 09/02/2025.

A Distinção entre o Compromisso do Advogado e o do Perito Assistente, Diante do Cliente e dos Julgadores

 Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

    Nesta reflexão estamos enfatizando a relação entre (compromisso do advogado, a uma defesa ética à luz da boa-fé) e a abominável apologia de inversão de valores, ou seja, a do perito assistente, que distancia-se do seu compromisso com a independência de juízo e a verdade científica dos fatos, e passa a defender os interesses econômicos  do  seu cliente que podem até ser difusos, fato que leva à perda da credibilidade dos peritos assistentes, onde de protagonistas da ciência, passam a ser uns meros figurantes sem credibilidade.

    Um perito assistente deve pensar, e muito, sobre a hipótese de uma abordagem tolerante e aética e a ciência em relação aos eventuais interesses ilícitos do seu cliente, sejam estes interesses, por ignorância, desídia, má-fé, pois reconhecer como regra geral que a defesa do cliente é uma parte inerente da função do perito assistente indicado nos autos do processo, caracteriza uma falta de decoro e desrespeito do contador ao seu juramento no seu CRC, o que cria precedentes perigosos.

    Isto posto, destacamos que é função:

  •  Do advogado: defender a Constituição da República Federativa do Brasil (observando o devido processo legal, o princípio do contraditório e o da ampla defesa), a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, e a rápida administração da Justiça, em síntese,  deve o advogado exercer a advocacia, na defesa dos interesses éticos do seu cliente, com dignidade e independência, em simetria aos seus deveres e prerrogativas profissionais,  observando e prestigiando a ética;
  • Do perito assistente: compromisso com a ética, com a ciência, com a moral, com a liberdade, com a verdade, com a justiça, ou seja, o compromisso é com a verdade científica e não com a defesa do cliente ou de seus interesses, econômicos, financeiros, políticos e comerciais, esse compromisso é vital para o restabelecimento e a manutenção de uma justiça justa, em um melhor ambiente para os julgadores apreciarem as provas. Ao ser contratado o perito assistente contador deve deixar bem claro  que vai exercer a função com dedicação, responsabilidade e competência, respeitando as normas profissionais e éticas, adotando uma conduta profissional que observe sempre os meus deveres de cidadania, independentemente de crenças, raças ou ideologias, cuidando  para que seu trabalho, diagnóstico dos elementos probantes,  seja um instrumento de controle e orientação útil e eficaz para a realização da justiça,  desenvolvimento da sociedade e o progresso do país, tal qual os seu juramento.

    É lógico que não se permite aos peritos assistentes um comportamento tendencioso, vinculado ao conflito de interesse ou influência indevida de outros que afetem o julgamento profissional. Uma apologia ao erro ou a torpeza[1],  são os atos,  ou comportamentos das pessoas que fazem discurso para justificar, defender ou louvar a defesa do cliente a qualquer custo, como algo aceitável, os fins justificam os meios,  sem se preocupar com as reais consequências desta apologia.

    É lógico que os peritos não estão imunes ao erro, e sem embargos a este  axioma, o perito  assistente, assim como, o nomeado, tem compromisso com a verdade contábil, Teoria da Essência sobre a Forma, pois a manipulação de dados financeiros  ou econômicos para diminuir ou  inflar artificialmente direitos ou obrigações, os lucros  ou o patrimônio líquido, é algo inaceitável,  um ato doloso. Esse tipo de conduta, trocar o compromisso com a ciência pela defesa do cliente, é ilegítimo e prejudica o objetivo de uma prova pericial, revelar a verdade, minando a ética e a função do perito assistente, mesmo que a intenção possa ser a de uma ampla defesa ou de um contraditório técnico, pois   ilusionismo, maquiagem da verdade ou qualquer fato patrimonial, cruza indevidamente a linha do código deontológico.

    O que se espera dos peritos indicados é a observação do objeto da perícia[2] e do objetivo da perícia[3].  Portanto, o que realmente importa é saber a verdade científica à luz da Teoria Pura da Contabilidade e suas 9 teorias auxiliares.

    E o efeito dessa conduta, a defesa do cliente, ou a defesa de comportamentos incorretos, tem diversos implicações negativas no contexto do julgamento da demanda, inclusive a hipótese de transformar a função de protagonista do perito assistente em um mero figurante sem credibilidade, que é um descrédito absoluto a sua função

    E para além da apologia, a defesa do cliente por parte do perito assistente, e avante, pois está em direção ao infinito, temos o direito de pedir, o qual não deve ser exercido pelos peritos assistentes, e sim, pelos causídicos dos litigantes, pois trata-se de um elemento integrante da ampla defesa constitucional, que traz efeitos ao mérito da demanda, pois trata-se de um possível inconformismo, não sendo prerrogativa dos peritos assistentes. Se a Constituição da República Federativa do Brasil, brada, que a defesa é ampla, logo, não é restritiva, esta comporta o direito de espernear, sem embargos ao fato de que na matéria técnica científica contábil, a apologia (defesa de um erro) e o direito de espernear é algo abominável.

    Um advogado pode e deve exercer a defesa ética dos interesses do seu cliente acerca das imputações que são feitas, sem qualquer ameaça à dignidade da justiça, repulsando a tese aposta a sua, desde que, seja ético, e não seja ofensivo a honra dos peritos, das partes, do Ministério Público, dos outros advogados, ou do julgador. Lembrando que a motivo dos peritos de  não fazer defesa do cliente ou de adentrar na questão de mérito, decorre do fato de ser defeso aos peritos utilizar-se de coisas  desprovidas de rigor científico, e de precisão técnica, pois o labor dos peritos tem foco na realidade fática das provas carreadas ao autos do processo, análise técnica e científica, art. 473 do CPC, pois somente atua quando o ponto controvertido estiver vinculado à ciência (quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico em simetria ao at. 156 do CPC), sendo que a função dos advogados diferencia-se dos peritos, pela hipótese do uso  da estratégia da retórica no contraditório e na ampla defesa.

 

[1]   TORPEZA – um ato torpe, pelo viés da ciência da contabilidade e jurídica, é um negócio viciado por fraude, desonesto e que se afasta da razoabilidade e da boa-fé. A boa-fé no mundo dos negócios é algo comutativo, pois trata-se de uma obrigação recíproca a que se obrigam todos de forma equivalente.  E a torpeza não pode ser alegada ou aproveitada por quem tenha dado causa a ela. E em situações que envolvam processos judiciais ou arbitrais, quem deu causa à torpeza poderá ser condenado à litigância de má-fé. Portanto, um ato torpe é aquele praticado em sentido contrário à lei, à revelação da verdade real, à ética e à função social da propriedade. Ao agir com torpeza, a pessoa tem, ou deveria ter, conhecimento do mal que pode causar a outrem. Agindo assim, com desonestidade, fere os princípios da boa-fé, da probidade, que regem os negócios jurídicos. Não se admite em um Estado Democrático de Direito, a penalização de uma pessoa sem se comprovar a conduta torpe, o nexo de causalidade, e o resultado pretendido.  É fato incontrovertido que a ordem jurídica não chancela exercício jurídico inadmissível (art. 187 do CC/2002), o que significa a obrigação da adoção de comportamento ético das partes de uma relação contratual, negócio jurídico, pontualmente no exercício de direitos, o parâmetro do princípio da boa-fé, o que veda o abuso de direito ou de poder, pois em todos os negócios jurídicos busca-se uma conduta baseada na confiança, na função social, na dignidade, na lealdade e com a intenção à boa-fé, confiança e informação correta, sem a abominável onerosidade excessiva para uma das partes em detrimento da outra. Aplicando-se nas relações jurídicas o princípio do venire contra factum proprium, princípio que veda o comportamento contraditório e imprevisto que pode causar surpresa na outra parte, portanto, temos o axioma de que “ninguém pode comportar-se contra seus próprios atos“. Por exemplo, um aumento ou diminuição  da receita, pela via da violação da norma que disciplina a demonstração do resultado de um exercício, não pode ser usada posteriormente por quem busca se beneficiar da própria torpeza, neste exemplo, envolvendo a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) para a precificação de lucros cessantes, temos a situação de abuso verificado quando uma pessoa viola uma norma jurídica e, posteriormente, tenta tirar proveito desta violação em uma demanda judicial ou arbitral, porquanto, o dever de probidade deve ser observado em todas as fases, seja anterior ou posterior a do processo judicial ou arbitral. Outro exemplo, é a situação de passivo fictício ou de caixa dois em balanços para a apuração de haveres ou deveres, pois a sociedade que vai pagar haveres, não pode se beneficiar de balanço com passivos fictícios ou com omissão de caixa dois, pois tal fato gera enriquecimento sem causa, ou seja, quem busca indenização por lucro cessante, não pode pedir a inclusão de caixa dois, e quem vai pagar haveres de sócios, não pode exigir a precificação sem o caixa dois e seu efeito em fundo de comércio. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2024.

[2] objeto da perícia – o objeto da perícia são todos os fatos que dependem de análise técnica ou análise científica, por serem controvertidos, de interesse para a solução da demanda e relevantes, conforme apontados no processo, quando o juiz proferir o saneamento e a organização do processo, nos termos do art. 357 do CPC/2015. Advertimos que os fatos notórios, os confessados, e os incontroversos, não são objeto de prova pericial. A exposição do objeto da perícia é determinada pelo condutor da demanda, é a matéria ou assunto da inspeção e pode consistir exclusivamente, em pontos controvertidos, tais como: análise das provas entranhadas aos autos, resposta dos quesitos. Sendo que estes pontos têm por objetivo demonstrar a verdade dos fatos ou atos alegados, verdade real, se for possível, se não, a verdade formal, aquilo sobre o qual incide um direito ou uma obrigação. O objeto da perícia é a causa determinante do laudo pericial. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2024.

[3]  Objetivo da perícia contábil – objetivo da perícia é o de investigar, analisar  aplicar  os procedimentos de testabilidade e ceticismo, para  emitir um parecer técnico-científico sobre determinado  “objeto” que é o que  esta sendo investigado; e os  “objetivos” são o que se pretende conseguir, provar com os quesitos que devem ser respondidos pelo perito especializado no tema com lastro em sua  análise/estudo efetuado em um laboratório de perícia forense-arbitral, em síntese, o objetivo é a finalidade/meta.

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiram a marca da 17ª edição.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm,  acesso em 28 de junho de 2024.

BRASIL, Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 28 de junho de 2024.

HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2024.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 02/01/2025.