O Estudo das Patologias no Balanço de Determinação

 

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

   Muito se debate hodiernamente sobre a disciplina de patologia contábil, o que justifica está reflexão sobre o tema.

   O estudo das anormalidades que se verificam no labor pericial voltado à valorimetria do balanço de determinação para a apuração de haveres ou  deveres, patologia do balanço de determinação, é uma matéria científica que identifica, se existir, um processo destrutivo, deliberado ou não, nos haveres ou deveres, cujas consequências podem chegar a uma falsa perícia por erro gravíssimo de cognição.

  O conceito de “patologias no âmbito das perícias”, que passou a ser enfatizado pelos peritos  não se refere exclusivamente às doenças, “imperfeições técnicas” ligadas exclusivamente às alterações estruturais, funcionais financeiras e econômicas que ocorrem na precificação dos patrimônios das células sociais, pois, vai além, adentrando na falta de uma educação continuada e especialização dos peritos em contabilidade indo em direção ao infinito, pois incorpora informações deveras úteis para os litigantes e julgadores.

   A palavra patologia, no âmbito da Teoria Pura da Contabilidade no que se refere à apuração de haveres ou de deveres, significa estudo de distúrbios de valorimetria, com características de erro de cognição ou algo análogo à  fraude no conjunto das demonstrações  financeiras.

  A função dos laboratórios de perícia contábil forense arbitral é a partir indícios ou das evidências contabilísticas, investigar, identificar, e estudar as patologias apresentando o diagnóstico com as devidas terapias, ou seja,  com as devidas correções para que o balanço de determinação seja eficiente em seu propósito de valorimetria dos haveres ou deveres. Portanto, o objetivo do labor pericial com base no ceticismo é a busca de uma asseguração razoável do patrimônio líquido à preço de saída.

  As principais anomalias, objeto da investigação, que são tidas como principais patologias, doenças, são muitas, portanto, vamos elencar as principais, como segue:

  • Falta de conciliação dos saldos das conta ativas e passivas na data da resolução da sociedade em relação ao sócio que deixa de ser sócio e passa a ser credor ou devedor;
  • Ausência de registro no ativo da base negativa de imposto de renda, Livro de Apuração do Lucro Real;
  • Ausência da reavaliação dos bens e direitos permanentes à preço de saída, com os respectivos cálculos da IR e da CSLL;
  • Atribuição errada do valor justo no estoque quando o correto é o preço de saída;
  • Ocultação de ativos, bens e direitos, inclusive contas bancárias não contabilizadas e notas promissórias a receber proveniente de vendas sem nota fiscal;
  • Existência de ativos fictícios, tais como: estoques obsoletos, duplicatas já recebidas, ativação de gastos que deveriam ser reconhecidos como despesas/custos;
  • Existência de passivos fictícios;
  • Ocultação do caixa dois, seja por saldos de caixa credor, pela manutenção de dívidas já pagas, pela distribuição disfarçada de lucros;
  • Evasão tributária;
  • Inclusão de despesas que não pertencem à sociedade, e sim, ao administrador por abuso de poder, desvio de finalidade, ou de direito, à luz da Teoria Ultra Vires[1], em simetria aos art. 1011 e § 2 do art. 1013 e 1016 todos do CC/2002;
  • Ausência de ativos que representem contingências[2];
  • Ausência de contingências passivas[3]. Lembrando que estas provisões remetem às situações cujo resultado poderá ser favorável ou desfavorável, mas possíveis de ocorrerem, à luz da razoabilidade, proporcionalidade e probabilidade, por mais remotas que sejam, ou ainda, que venha a depender de eventos futuros incertos, como, por exemplo, uma decisão judicial, prática de ilegalidades que possam, quiçá, não serem penalizadas por circunstância, como a prescrição ou a falta de diligência dos agentes fiscalizadores;
  • Ausência de provisões passivas, sendo os erros mais comuns, subavaliá-las ou deixar de considerá-las, tais como: para rescisões de contratos de distribuição/representação; para danos ou violações do direito dos consumidores; as vinculadas a danos ao meio ambiente; decorrente de multas pela não observação de procedimento de segurança dos empregados; decorrente de garantias de produtos e mercadorias; para reparar danos ambientais; para demandas trabalhistas; as tributárias decorrentes de evasão; as de logística reserva de resíduos sólidos;  as vinculadas à litígios no âmbito da justiça estatal ou no âmbito da justiça privada, juízo arbitral;
  • Falta da precificação do fundo de comércio de sociedades coligadas/controladas antes do cálculo da equivalência patrimonial para o reconhecimento destes efeitos no balanço de determinação;
  • A falta de observação ao regime de contingência para o reconhecimento de gastos;
  • A não observação do princípio da autonomia patrimonial, confundindo bens de sócios e de outras células sociais com o do patrimônio da célula social que resulta no balanço de determinação;
  • Inclusão indevida de valores no patrimônio líquido como por exemplo, adiantamento para futuro aumento de capital;
  • Ausência do reconhecimento de juros em contratos de mútuos, sejam eles ativos ou passivos;
  • Erro substancial de valorimetria do intangível, fundo de comércio, pelo uso inadequado do fluxo de caixa descontado, incluindo erro de estimativa de vida útil e de teste de recuperabilidade. Sendo a dosimetria do fundo de comércio um exame complementar que serve de padrão e comparação para se aferir a utilidade de um ativo, já que na Teoria Pura da Contabilidade uma dosimetria é uma unidade de medida física ou monetária, específica de determinada grandeza, que é utilizada para servir de padrão e comparação para se aferir uma serventia patrimonial.
  • Entre as mais variadas e criativas formas de maquiagem do balanço.

  A contabilidade forense[4] notadamente no que se refere ao estudo da patologia, ajuda a compreender as maquiagens dos balanços, pois  é uma disciplina que se relaciona com outras matérias como a criminalística, a auditoria, a perícia, compliance, a filosofia a ética e o direito penal.

  Um laboratório de patologia contábil atua na identificação de falsidades de registros patrimonais, pesquisa de erros,  identificação de meios operantes e corpos de delito,  sendo pré-requisito para o credenciamento de um perito o  conhecimento dos procedimentos de testabilidade utilizados nos laboratórios de patologias contábeis.

  A disciplina de patologia contábil é uma instrumento novo que emprega procedimentos de testabilidade para detectar associações entre erro e fraudes, disponibilizando para o perito o resultado para embasar o seu diagnóstico ideológico[5] por meio da identificação de  certa incidência elevada de patologias que procuram associar ao processo destrutivo da fidelidade dos registros contábeis.

  Os estudos patológicos contábeis são vitais no combate às miragens de haveres ou deveres, pois as ilusões podem resultar não apenas no crime, mas além disso, por gerar informações patrimonais mal idealizadas, fraudes ou expectativas fictícias em relação a um patrimônio.

  A amplitude das investigações e estudos acadêmicos sobre patologias contábeis, vai além do balanço de determinação, pois podem identificam riscos intangíveis de descontinuidade do negócio e/ou ingerência da administração, que se originam de vetores, tais como:

  • Os resultantes da falta de procedimentos de uma economia em escala;
  • As concorrências parasitárias;
  • As deficiências no processo de planejamento estratégico;
  • Os procedimentos embrionários ou não existentes em relação à criação de novos produtos e/ou aperfeiçoamento dos existentes;
  • Processo de produção inadequados ou ultrapassados;
  • Geração de produtos ou serviço de baixa qualidade;
  • Alta rotatividade de fornecedores e distribuidores,
  • Elevado grau de concentração das compras em poucos fornecedores, ou de vendas em poucos fregueses;
  • Política de exposição de capital pontuado pela falta de capital de giro;
  • Alta rotatividade de empregados;
  • Falta de investimento continuado na formação profissional;
  • Falta de compliance;
  • Infraestrutura inadequada do estabelecimento empresarial;
  • Excesso de investimento em ativos operacionais medidos em relação ao lucro operacional;
  • A falta do registro de patentes e/ou direitos em relação aos produtos;
  • Negócios jurídicos vinculados à distribuição e a representação inadequados para alcançar um desenvolvimento ético;
  • Falta de alianças estratégicas.

  Os estudos continuados, sobre as possíveis patologias e seus meios operantes e terapias provocam perspectivas de grande magnitude entre os investidores sócios, peritos, árbitros, juízes e advogados.

  A doutrina[6] especializada em fraude e contabilidade, que naturalmente serve para doutrinar, é uma sólida fonte de direito para as situações de estudos das patologias, onde Sá e Hoog apresentam situações reais envolvendo os nossos labores sejam em perícia e/ou auditorias.

   E por derradeiro, acreditamos ter mostrado, ainda que brevemente, como a disciplina de patologia contábil pode ser desenvolvida através da produção de pesquisas nos laboratórios de perícia, isto quando o balanço de determinação não deve ser considerado legítimo para apuração de haveres ou deveres, por possuir desconformidade com os critérios constantes desta reflexão, acreditamos que a produção de estudos de  patologia contábeis é um processo ideológico que tenta neutralizar as possibilidades de se levar o julgador a erro.  Já que a concepção dos conceitos de fidelidade do balanços de determinação e  o mal balanço  por  patologia constantes neste relatório contabilístico, é uma reposta possível que advém  da paridade de armas por isonomia entre os assistentes técnicos indicados e o perito nomeado, a ampla defesa e o contraditório, porquanto, através da desestruturação destas  patologias, a lei, a ordem e a justiça surgem.  A própria patologia, doença, sempre se constitui como uma “tentativa de cura”, porquanto, o combate as doenças constituem uma forma de vínculo com a realidade, deste modo, não se busca eliminar as doenças, mas a patologia ao manejá-las, prestigia a supremacia da ética, pois a patologia vai direcioná-las a solução que se espera dos peritos doutrinadores.

 

[1] Teoria ultra vires – são considerados atos ultra vires aqueles praticados pelo administrador que excedem o objeto social da empresa, ou seja, que não estão relacionados às atividades definidas no contrato social.

[2] Ativo contingente – é aquele que surge de acontecimentos passados e cuja existência somente será confirmada pela ocorrência ou não ocorrência de um ou mais eventos futuros incertos que não estão sob o controle da entidade. Como exemplo, temos as reivindicações por meio de processos legais, em que o desfecho seja incerto, pois vai depender de uma sentença judicial.

[3] Passivos contingentes representam uma possibilidade de saída de recursos; podendo ser probabilidade baixa, improvável etc.  Na maioria das hipóteses envolve a avaliação de riscos envolvendo demandas, e/ou potenciais demandas. O que não se confunde com provisões passivas.

[4]   Contabilidade Forense – é  um ramo da ciência da contabilidade voltado à prevenção e ao  combate por investigação das inconsistências na contabilidade/gestão das entidades e estudos de patologias por ser uma  contabilidade investigativa, que combina técnicas contábeis de auditorias e investigação para analisar informações financeiras com o objetivo de detectar e/ou prevenir fraudes, irregularidades, crimes financeiros ou resolver disputas legais. Engloba disciplinas complementares marcadas por extensas áreas do conhecimento, como, o direito, a matemática, a estatística, a filosofia, a química, a psicologia,  a  contabilidade em seus ramos como a perícia, a auditoria,  a análise de balanço, a tecnologia da informação,  as técnicas de investigação e procedimentos de entrevistas lastreado no ceticismo para uma busca de uma asseguração razoável, além de  procedimentos como a testabilidade, a comparabilidade. Portanto, uma ligação entre atos e fatos patrimoniais, para se  demostrar elementos probantes tidos como causa e os efeitos de episódios financeiros para os problemas jurídicos, tendo como função guiar pelo viés científico o Tribunal de Justiça Estatal e o Privado Arbitral, pela  apresentação de provas, seja por indícios ou as contundentes tidas como evidências que auxiliem na perícia contábil e no julgamento de demandas e constatações. A contabilidade forense desempenha um papel crucial na avaliação de indenizações e apuração de haveres/deveres, pois compara a situação patrimonial existente antes do fato/dano e após o fato/dano seguindo etapas, como, por exemplo: análise de anomalias, testes de cruzamentos, entrevistas e diligências, emitindo relatório de evidências. (HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 13ª ed. Curitiba: Juruá, 2025, no prelo.)

[5]   O diagnóstico ideológico é a identificação da ideologia dos grupos de contadores com práticas e  interesses em registros difusos, por ser vital para as  compreensões sobre a saúde econômico-financeira, fidelidade, comparabilidade e compreensibilidade e suas utilidades correspondentes.

[6]  SÁ, Antônio Lopes de Sá. & HOOG, Wilson A. Z.  Corrupção, Fraude e Contabilidade; 7. ed. Curitiba: Juruá, 2021. 256 p.

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiram a marca da 17ª edição.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL.  Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2025, no prelo.)

SÁ, Antônio Lopes de Sá. & HOOG, Wilson A. Z.  Corrupção, Fraude e Contabilidade. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2021.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 23/06/2025.