Os Meios de Provas na Arbitragem

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

Resumo:

    Apresentamos uma breve síntese dos meios de provas, normalmente admitido em procedimentos de arbitragem à luz da Lei Brasileira de Arbitragem 9.307/1996.

    Tendo como referentes aspectos gerais da ampla defesa e do contraditório, demonstrando por meio de um raciocínio lógico a composição da moderna estrutura das provas.

Palavras-chaves: Provas na arbitragem.

 

Desenvolvimento:

     O Árbitro tem o amplo e irrestrito papel na condução e decisão em relação às provas, além do poder de julgar e dirigir o processo. Portanto, pode dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica e adotar em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da Lei e as exigências do bem comum.

    Os meios de provas que se admitem na arbitragem são muitos, abordaremos os principais, como segue.

 

Discovery

    Discovery (descoberta) representa um meio de prova produzido por ordem do tribunal ou do Árbitro, a pedido de uma parte ou por determinação do Árbitro, quando os fatos e documentos não são oferecidos voluntariamente.

    Gorga[1] faz menção ao Discovery quando trata de:

Num exame do sistema judicial americano de Discovery. Esse sistema permite investigação minuciosa e produção de provas sobre atos, operações, conflitos e fraudes societárias, a partir da averiguação dos fatos, pautada em busca ampla de documentos relevantes para a controvérsia e de testemunhos extrajudiciais.

     A figura da Discovery vem ampliar as possibilidades probatórias das partes, protegendo e garantindo uma ampla e irrestrita inspeção e verificação dos atos.

     Discovery caracteriza-se pela possibilidade de qualquer uma das partes livremente analisar exaustivamente a documentação da parte contrária. Permitindo-a obter informações de todo e qualquer documento para se demonstrar a verdade real.

    O procedimento da descoberta visa exatamente identificar a situação documental mais forte que deverá embasar um pedido ou a contestação. E o sistema que de certa forma não está restrito ao costume da civil law, pois busca em uma prova a descoberta da verdade material, mediante uma prestigiada, ampla e irrestrita descoberta, o direito à prova.

    Num regime de civil law, como o sistema normativo do direito processual brasileiro, gera um espanto a figura da Discovery, sendo, aliás, muito difícil de se aceitar pacificamente a sua aplicação na tramitação processual arbitral, por ser considerado por alguns, como uma invasão da privacidade. Motivo pelo qual, a sua utilização só acontecerá, se as partes e o Árbitro forem simpáticos as regras de common law[2], e adeptos a uma justiça justa sem embaraços, apesar de que este tipo de prova tem um custo significativo e pode gerar uma morosidade ao processo arbitral, o qual pode ser considerado incompatível ao tempo previsto para processo arbitral.

   Lealdade e ética nas relações comerciais, sociais, e nas soluções de controvérsias são atributos da solidariedade e do dever de colaborar com a descoberta da verdade. Estes valores justificam o procedimento da descoberta que lastreia o respeito aos interesses alheios.

     Portanto, o conteúdo probatório dos documentos colhidos no procedimento da descoberta pode demonstrar que a outra parte dispunha das provas, objeto da arbitragem, assim sendo, proibir os procedimentos da descoberta é um flagrante, violação aos preceitos e valores brasileiros da solidariedade art. 3º, inc. I da CF. Ressalta-se, ainda, que aos litigantes, em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inc. LV da Constituição Federal).

    A prova pelo meio da descoberta, titulada como um paradoxo válido preenche a lacuna atualmente existente nos meios de provas, pois busca conferir uma maior liberdade às partes na demonstração da verdade, e promovendo uma mudança de paradigmas e de cultura na sociedade em prol da equidade aplicada na arbitragem.

A Confissão

     Uma confissão é a declaração de alguém, que está sendo acusado de um ato ou fato, e representa o reconhecimento da sua autoria. A confissão deve ser obtida, sempre fora de coação, é livre e retratável.

 

Documentos

     Um documento para ser elemento válido tem que ser idôneo e capaz de demonstrar o fato. O documento tem que ser obtido de forma legal, CF/88, art. 5º, inc. LVI.

    O objetivo primário do documento na arbitragem é provar a existência do ato[3], seguido ou não de fato patrimonial[4].

Os documentos do tipo: Livros Contábeis, Fiscais e Societários

    A falta da escrita regular dos livros implica a presunção da verdade alegada pela parte contrária (art. 1.112, CC/02).

 

Livro Contábil

Um livro contábil é uma reunião de folhas, cosidas ou por qualquer outra forma presas por um dos lados, e montadas com capa flexível ou rígida, em que constem grafados, por um profissional de contabilidade, todos os atos ou fatos ligados as células sociais. São identificados pelo seu título e destinados a conter informações em forma contábil, compondo o conjunto de uma escrituração. Podem ser livros auxiliares[5], obrigatórios[6] ou facultativos[7].

 

Livro Fiscal

     É o livro destinado à escrituração fiscal, (Municipal, Estadual ou Federal) como exemplo, temos: os de entrada e saída de mercadorias, o de apuração de lucro real, o de apuração de ICMS, etc. Estes livros, apenas cumprem uma finalidade de registrar fatos sujeitos a fiscalização dos entes de arrecadação, não se confundindo com os livros contábeis.

 

As Testemunhas dos Atos ou Fatos

     São testemunhas uma ou mais pessoas que presenciam o ato ou fato.

    Uma testemunha não pode recusar-se da obrigação de depor, a menos que seja obrigada, por Lei, a guardar segredo em razão de cargo, ministério, ofício ou função, salvo se a parte interessada a desobrigar de guardar segredo.

    A testemunha deve ser alertada sobre o perjúrio, e convidada a jurar a dizer a verdade, o juramento é um indício de probidade por ser uma afirmação sem provas, tomando como caução, ou proteção contra o perjúrio, pois, se a testemunha for infiel ao seu juramento, tudo o que dizer é nulo.

    Uma testemunha que falsear a verdade, calar ou negar verdade está cometendo um crime.

     Um falso testemunho em Juízo Arbitral é crime, nos termos do Código Penal, art. 342.

    Defendemos em nossa doutrina[8] que: “toda a prova testemunhal poderá estar, quiçá, contaminada por um juízo de valor em decorrência de uma comoção social ligada ao litígio”.

 

Testemunha Técnica ou Científica

     O espírito do art. 22 da LA prestigia o fato de que, se o Árbitro ou os Árbitros se convencerem da desnecessidade da produção da prova pericial, e julgarem ser necessárias “outras provas, mediante requerimentos das partes ou de ofício” para formar o seu convencimento e resolver a lide, podem requisitar a ouvida de uma expert witness, ou seja, a figura de uma testemunha técnica, que com o seu depoimento técnico, em audiência pode esclarecer os aspectos técnicos controvertidos.

    A expert witness pode até não conhecer as argumentações do pedido e contestação levadas à arbitragem, mas tem que ter conhecimento específico e especializado das questões tecnológicas relacionadas com a arbitragem e submeter-se a um interrogatório, via espancamento científico, sobre estas questões tecnológicas. Simões[9] afirma que este profissional “na verdade, dependendo da situação, ele será testemunha, e em outros casos será perito, indicado pelas partes”. Mas, como testemunha técnica, ele produz uma prova técnica elucidativa, sem embargos ao laudo do perito nomeado pelo Árbitro.

    O Árbitro, ao julgar o mérito de uma demanda deve examinar os aspectos legais das provas, ou seja, a validade e verdade nos seus aspectos fáticos. Assim, a interpretação de matéria técnica, somente é possível mediante análise, à luz da ampla defesa e do contraditório, de uma prova que pode ser realizada por meio da figura ou instituto denominado de “testemunho técnico” de uma situação que requer conhecimento científico, que é trazida ao conhecimento do Árbitro, podendo as partes inquirirem e reinquirirem, o profissional especialista que traz o testemunho.

    Os requisitos que se espera sejam considerados pelo Árbitro para avaliar a qualidade da “testemunha técnica”, segundo o princípio do livre convencimento para dar valor à prova, são:

1)  Se a pessoa, ou seja, o especialista que deu o testemunho técnico é titular de conhecimento especializado, com conhecimento notório[10] e possui independência de juízo científico, em relação à parte que efetuou o pagamento dos seus honorários;

2) Se as explicações sobre o ato ou fato patrimonial são satisfatórias, assim como as razões e fundamentações destas considerações técnicas são aceitáveis;

3) Se a testemunha técnica se submeteu a inquirição e reinquirição por parte dos litigantes e do próprio Árbitro, respondendo livremente a todos os aspectos técnicos que lhe foram questionados;

4) Se não existe motivo de suspeição ou impedimento deste profissional em relação aos litigantes e ao Árbitro.

Provas Obtidas pela Via de um Flagrante

    Um flagrante é uma prova de um fato. E entende-se por flagrante o momento em que alguém é apanhado na prática de um ato profano.

    A figura do flagrante representa o exato momento da ação ou omissão, em que uma pessoa está cometendo uma ilicitude, ou quando após sua prática, os vestígios encontrados no local e a presença da pessoa no lugar do ilícito dão a certeza deste ser o autor. Para se obter uma prova do tipo flagrante ilícito, é necessária a certeza visual ou evidência do ato que faça presumir sua culpabilidade.

    Portanto, o registro de um flagrante ilícito se dá no momento em que uma pessoa, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

Perícia

    A perícia constitui um conjunto de procedimentos técnico-científicos destinados a levar ao conhecimento do Árbitro, o resultado de um exame, vistoria ou avaliação, para subsidiar a solução do litígio ou constatação de um fato, mediante a elaboração de laudo e/ou parecer pericial, em conformidade com um método científico que for pertinente a área de conhecimento do perito. É condição, sine qua non, que uma investigação pericial prestigie a aplicação do método científico na apuração da verdade real.

    A adoção de um método não garante certeza no resultado da investigação, mas a ausência do método gera insegurança científica, tornando o resultado da investigação impróprio para os fins que se destina, por falta de validade científica, que é a âncora principal da sustentação da opinião do profissional perito.

     A arbitragem possui a característica de permitir que os peritos indicados pelos litigantes, apresentem os seus pareceres antes do perito do Árbitro. Desta forma, a perícia arbitral fica restrita aos pontos conflitantes que eventualmente venham a existir entre os pareceres dos peritos assistentes indicados pelas partes.

    Esse artigo representa uma paráfrase do livro de minha autoria denominado de: Produção de Provas na Arbitragem.  Curitiba: Juruá Editora, 2014. Tomo 1. Produção de Provas na Arbitragem.

 

[1]  GORGA, Érica. Sistema Judicial de Discovery permite publicidade da investigação e aperfeiçoa governança. Revista Capital Aberto. Ago. 2013.

[2]   Common law – (do inglês: direito comum) representa a voz do Juiz que diz o direto dos litigantes. Desenvolveu-se por meio das decisões dos Juízes e não mediante normas criadas pelo legislativo, constitui, portanto, um sistema jurídico diferente do civil law que enfatiza os atos legislativos. Nos sistemas de common law o direito é criado ou aperfeiçoado pelos Juízes e indica uma influência extra lei para casos em especial, onde é necessário flexibilizar a aplicação da lei, ou seja, a demanda é analisada principalmente de acordo com outros casos semelhantes, a jurisprudência e a doutrina, e quando não existe um precedente na jurisprudência o julgador cria. Esta possibilidade decorre da semântica e da evolução natural do direito aplicada ao mundo contemporâneo.

[3]  Atos são procedimentos de gestão praticados pelos administradores, sem modificar valores do patrimônio líquido, mas são providências, com a finalidade de fazê-los circular, para obtenção de um resultado, objetivo da célula social. Quando modifica o patrimônio líquido, tem-se um fato administrativo e não ato.

[4]  Fato – são os acontecimentos levado a efeito na riqueza de uma célula social. Tudo o que acontece com o patrimônio aziendal.

[5]   São os livros exigidos por Lei (CC/2002, art. 1.184, § 1º).

[6]  São os exigidos para o registro de certos tipos de anotações, tais como: os exigidos pelo RIR/99 e pela legislação societária.

[7] São os livros escriturados no interesse exclusivo de uma célula social, os quais particularizam algumas operações, tais como, ponto de equilíbrio e margem de contribuição por produto, controle de fregueses, de garantias e retrabalho, estes livros oferecem em separado, uma análise específica e quantitativa de determinados valores, que sejam societários, fiscais financeiros ou econômicos.

[8]  HOOG, Wilson Alberto Zappa. Prova Pericial Contábil – Teoria e Prática. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 84.

[9]  SIMÕES, Alexandre Palermo, et al. O Perito e a Expert Witness (Testemunha Técnica) na Arbitragem. In:_____Perícias em Arbitragem. Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2012. p. 132.

[10] O conhecimento notório é típico de um experto que desenvolve a ciência, cuja experiência profissional tem certa publicidade no meio acadêmico e profissional, em especial pela publicação de obras com valor doutrinário reconhecido pelo menos por um determinado estrato social, ou seja, parcela da população que tem interesse no assunto; indivíduo que adquiriu vasto conhecimento ou habilidade graças à experiência oriunda do estudo científico e da prática extrajudicial e forense no exercício do múnus público de testemunha técnica ou de Perito.

Publicado em 02/12/2014.