Princípios de Contabilidade Aplicados a Política Contábil Brasileira. Revogação da Resolução CFC 750/1993
Prof. Me Wilson Alberto Zappa Hoog
Resumo: Apresentamos uma breve consideração, em relação aos princípios de contabilidade no Brasil, após a importante e necessária revogação da Resolução CFC 750/1993. Este comentário justifica-se pela necessidade de não confundirmos, princípios com conceitos, ou seja, um regime principiológico com uma estrutura de conceitos. Além da necessidade de se evitar equívocos sobre a não existência de princípios na contabilidade brasileira. Uma vez que este assunto, princípios, base para a criação de conceitos e leis, deve ser abordado pelos doutrinadores e que os princípios existem antes dos conceitos.
Palavras-chaves: #Princípios de contabilidade no Brasil. #Revogação da Resolução CFC 750/1993. #Estrutura conceitual da contabilidade.
- Introdução:
A mensagem desta matéria é: um princípio é diferente de conceito. E a violação de um princípio da política contábil é muito mais grave que a simples violação de uma lei. A extinção da Resolução CFC 750/1993, se faz necessária, pois os princípios reais e verdadeiramente soberanos da política contábil brasileira, são os existentes antes dos IFRS e adotados na legislação, e a sua catalogação se faz por meio de uma pesquisa independente, e de juízo de valor científico, à luz da liberdade de cátedra e com ausência de dogmas ou ideias pré-concebidas, uma vez que os princípios são axiologicamente sobrejacentes a uma estrutura conceitual, pois a construção conceitual de uma teoria e de uma legislação se utiliza dos princípios.
- Desenvolvimento:
Inicialmente, faz-se necessário para uma melhor compreensão acerca do assunto, distinguirmos conceito (sentido e alcance de um vocábulo) de princípio (proposição primária e imprescindível de um raciocínio lógico científico, é a causa primeira de um conceito).
Os princípios constitucionais assim como os que se aplicam à legislação infraconstitucional, configuram uma situação análoga entre os doutrinadores da ciência jurídica e os da ciência contábil, pois estes são interpretados e catalogados na literatura especializada e elaborada pelo escol dos doutrinadores. A título de exemplo, o princípio da isonomia assim como o da dignidade, que se aplicam à Constituição brasileira de 1988, já existiam antes desta Constituição, logo, estes não vertem da Constituição, pois são aplicadas a ela, logo, a Constituição foi criada a partir de princípios.
A violação de um princípio contábil por um profissional da contabilidade é muito mais grave que a simples violação de uma lei. Pois, a desatenção a um princípio implica em uma grave ofensa, que vai além do mandamento obrigatório, uma vez que fere todo um sistema que consubstancia o espírito da legislação contábil brasileira, já que esse instrumento principiológico, faz parte da essência da política contábil. Logo, é o cerne da própria estrutura da política contábil com uma multifunção, pois serve de referente aos operadores da contabilidade e aos legisladores, e não se confundem com os princípios contábeis universais[2], e nem com os axiomas difundidos pela teoria do neopatrimonialismo[3] ou com os princípios da teoria pura da contabilidade.
Os princípios da política contábil, são em síntese, os valores mais relevantes da ordem legal, e por definição, são os mandamentos de um sistema de informações patrimoniais aos utentes dos relatos contabilísticos, logo, o verdadeiro alicerce dele é representar a disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas jurídicas opondo-lhes ao espírito legis, e servindo de critério para a exata compreensão das impulsões patrimoniais. Realmente, a violação a um princípio representa e indica relevância, sob o ponto de vista da política contábil, com especial repercussão no código deontológico dos contadores, onde se proíbe situações que implicam em inequívocas violações, pela não observação de toda a legislação vigente, em especial aos princípios, dentre as quais podemos destacar os princípios que se aplicam à Constituição, ao CC/2002 e a Lei 6.404/1976, além de outros princípios não observados pelo legislador brasileiro, como por exemplo, o da coexistência[4]; formalização[5], homogeneidade[6], invariabilidade[7], qualificação–quantificação[8], terminologia contábil[9] e o da uniformidade contábil[10].
Estes princípios, em relação à Constituição da República Federativa do Brasil, são:
- Princípio da vedação ao lucro discricionário, CF, § 4º, art. 173;
- Princípio da função social da riqueza patrimonial (propriedade), CF, inc. III, art. 170 e do inc., XXIII do art. 5º;
- Princípio do direito à propriedade, CF, inc. XXII do art. 5º;
- Princípio dos direitos e deveres individuais e coletivos, art. 5º da CF;
Estes princípios, em relação ao CC/2002 são:
- Princípio da escrituração uniforme, 1.179 do CC/2002;
- Princípio da individuação da escrituração, art. 1.184 do CC/2002;
- Princípio da clareza, arts. 1.184 e 1.188 do CC/2002;
- Princípio da caracterização dos documentos contábeis, art. 1.184 do CC/2002;
- Princípio da forma contábil, art. 1.183 do CC/2002;
- Princípio da fidelidade do balanço, art. 1.188 do CC/2002, a autonomia patrimonial e a prudência são correlatas a fidelidade;
- Princípio da situação real da empresa, art. 1.188 do CC/2002;
- Princípio do crédito e débito, art. 1.189 do CC/2002;
- Princípio da prestação de contas, arts. 1.020, 1.350 e 1.071 do CC/2002;
- Princípio da aprovação dos sócios, arts. 1.061, 1.063, 1.066, 1.071, 1.072, 1.078 e 1.107 do CC/2002;
- Princípio da elaboração dos relatórios contábeis, art. 1.065 do CC/2002;
- Princípio da publicidade dos relatórios contábeis, art. 1.140 do CC/2002;
- Princípio da responsabilidade dos profissionais da contabilidade, arts. 1.177, 1.182 e 1.184 do CC/2002;
- Princípio da correspondência da escrituração com a documentação, que verte do art. 1.179 do CC/2002;
- Princípio da escrituração em idioma nacional, art. 1.183 do CC/2002;
- Princípio da escrituração em moeda corrente nacional, art. 1.183 do CC/2002;
- Princípio do custo de aquisição, art. 1.187 do CC/2002;
- Princípio do preço corrente, art. 1.187 do CC/2002;
- Princípio do valor de realização, se aplica ao inc. IV do art. 1.187 do CC/2002;
- Princípio da distinção entre o ativo e o passivo, que verte do art. 1.188 do CC/2002;
- Princípio do resultado econômico, art. 1.184 do CC/2002;
- Princípio da posição diária de cada uma das contas, art. 1.186 do CC/2002;
- Princípio dos balancetes diários, art. 1.186 do CC/2002;
- Princípio da criação dos fundos de amortização e depreciação, art. 1.187 do CC/2002;
- Princípio do inventário anual, arts. 1.020, 1.065, 1.102 e 1.187 do CC/2002
- Princípio do estabelecimento empresarial, arts. 1.142 ao 1.149 do CC/2002
Os princípios, em relação a Lei 6.404/1976, são:
- Princípio da escrituração mercantil, que verte dos arts. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da emissão de demonstrações financeiras, que verte do art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da clareza da situação do patrimônio, que verte do art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio do regime de caixa, inc. IV do art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da comparabilidade, que verte dos § 1º, art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da vedação de designações genéricas, § 2° do art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da destinação dos lucros, § 3° do art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da emissão de notas explicativas de esclarecimentos, § 4° do art. 176 da Lei 6.404/1976;
- Princípio do regime de competência, art. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da uniformidade, art. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da obediência a legislação e aos princípios contábeis, que verte dos arts. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da publicidade das modificações de métodos ou critérios contábeis, que se aplica ao § 1° do art. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio do registro em separado das disposições da lei tributária exclusivamente em livros ou registros auxiliares, § 2° do art. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da observação das normas da Comissão de Valores Mobiliários e da obrigatoriamente das demonstrações a serem submetidas a auditoria independente, para as CIAs de capital aberto, desde que estas normas estejam em consonância com os padrões internacionais de contabilidade, adotados nos principais mercados de valores mobiliários, § 3° do art. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da responsabilidade dos profissionais da contabilidade, § 4° do art. 177 da Lei 6.404/1976;
- Princípio do registro das contas ativas em ordem decrescente de grau de liquidez, art. 178 da Lei 6.404/1976;
- Princípio do registro das contas passivas em ordem decrescente de grau de exigibilidade, arts. 180 e 182 da Lei 6.404/1976;
- Princípio dos ajustes de avaliação patrimonial, § 3° do art. 182 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da avaliação patrimonial, arts. 183, 184 e 184-A da Lei 6.404/1976;
- Princípio da estrutura das demonstrações financeiras, arts. 186 ao 188 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da mensuração e destinação do lucro, arts. 189 ao 199 e 201 ao 205 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da limitação do uso das reservas de capital, art. 200 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da avaliação, que se aplica ao art. 183 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da avaliação patrimonial pelo método da equivalência patrimonial, art. 248 da Lei 6.404/1976;
- Princípio das demonstrações financeiras consolidadas, art. 250 da Lei 6.404/1976;
- Princípio da aprovação dos sócios, arts. 18, 115, 134, 136, 136-A, 137, 270 e 298 da Lei 6.404/1976;
- Considerações finais
E deveras importante esta catalogação de princípios e sua origem legis, quer seja para fins acadêmicos ou para fins profissionalizantes, pois este referente é útil para se afastar interpretações polissêmicas ou ambíguas.
Observamos que o legislador, quis aplicar o princípio da “clareza” tanto no CC/2002 como na Lei 6.404/1976, já o princípio da “fidelidade” aplicado ao balanço está implícito somente no Código Civil, isto não quer dizer, que para a elaboração do balanço de uma sociedade anônima, não se aplica o princípio da “fidelidade”, apenas existe uma lacuna na Lei 6.404/1976. Tal qual a situação da reavaliação, que não existe uma proibição na Lei 6.404/1976, apenas uma lacuna em relação a sua aplicação. E em decorrência da importância do princípio da fidedignidade dos registros contabilísticos, é que foi criada a teoria da essência sobre a forma. Para se conhecer detalhes desta importante teoria, sugerimos a leitura do nosso livro: Manual de Contabilidade, a partir da 4ª edição da Juruá Editora.
A adoção de um procedimento de catalogação de princípios aplicados a política contábil brasileira, é reconhecido contemporaneamente como a forma mais adequada de pesquisa dos princípios, pois permite aos contadores a adoção de regras verdadeiras, afastando-se com isto a criação de falácias e paralogismos nos relatos contabilísticos.
E por derradeiro, não podemos confundir estrutura conceitual com princípios de contabilidade. Segue a distinção entre ambos os termos:
- Conceito [do lat. conceptu] – é a representação do sentido e alcance de um vocábulo, por meio de suas características gerais, tais como: a ideia e a significação. Logo, é o resultado da apreciação de uma coisa. Em contabilidade, temos a tecnologia da “categoria contábil”, para esta atividade de conceituação, seguida das “pesquisas bibliográficas”. A identificação do sentido exato muito depende dos conhecimentos tecnológicos e científicos, das doutrinas da contabilidade.
- Princípio [do lat. principiu] – aquilo que serve de base e que fundamenta um comportamento. Ou aquilo que pode ser usado para embasar alguma coisa. Para a teoria pura da contabilidade, princípio é um preceito de ordem geral que exerce uma função importantíssima na prática e desenvolvimento de um conhecimento ou proposição, e é a partir deste conhecimento basilar primeiro, é que surgem os teoremas e as teorias. Portanto, um princípio é uma proposição imprescindível para que um raciocínio lógico seja demarcado. Um termo análogo ao princípio é: doutrina, fundamento, origem e a razão de algo.
Portanto, confundir princípios com conceitos, que são termos totalmente distintos, é algo temeroso por ser falacioso. Pois os princípios devem utilizados na formação dos conceitos e independentemente de existir legislação específica uma vez que os princípios são inerentes ao conhecimento e lógica.
REFERÊNCIAS
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil.
_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
_____. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
_____. Manual de Contabilidade. 5. ed. Curitiba: Juruá. No prelo.
[1] Mestre em ciência jurídica, bacharel em ciências contábeis, arbitralista, mestre em direito, perito-contador, auditor, consultor empresarial, palestrante, especialista em avaliação de sociedades empresárias, escritor e pesquisador de matéria contábil, professor doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino. Informações sobre o autor e suas obras podem ser obtidas em: http://www.jurua.com.br/shop_search.asp?Onde=GERAL&Texto=zappa+hoog. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 . E-mail: wilson@zappahoog.com.br.
[2] Os princípios contábeis universais são apresentados por Antônio Lopes de Sá, e estão relacionados no nosso livro: Moderno Dicionário Contábil. 9. ed. Curitiba: Juruá Editora. 2016.
[3] Detalhes ver o capítulo 1.12.3.2 do nosso livro: Manual de Contabilidade 5. ed. Curitiba: Juruá. No prelo.
[4] Princípio, segundo o qual, uma conta depende sempre da existência de outra, ou seja, existem sempre simultaneamente.
[5] Princípio, segundo o qual, todos os fatos contábeis devem ser caracterizados na escrita contábil.
[6] Princípio, segundo o qual, uma conta só pode registrar os fatos de uma mesma natureza.
[7] Princípio, segundo o qual, as contas devem ser previamente estabelecidas, mantendo durante o exercício social, a uniformidade dos títulos, funções e técnicas de funcionamento.
[8] Princípio que enuncia a obrigação da expressão qualitativa e quantitativa da riqueza.
[9] Princípio que estabelece a necessidade do uso de categorias e vocábulos, adequados à perfeita realização da contabilidade. A linguagem deve sempre ser a científica e não a coloquial, preservando-se o idioma nacional, a clareza e a fidelidade. Pertencem a terminologia todas as categorias dos dicionários contábeis, pois são adotados pela contabilidade.
[10] Princípio que determina a manutenção de critérios sempre iguais na execução do labor contábil e visa evitar distorções nos fatos patrimoniais.
Publicado em 23/11/2016.