Produção de Provas Contábeis na Arbitragem
Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog
Resumo:
Em decorrência da importância das provas contábeis na arbitragem, este artigo tem como objetivo criar uma reflexão sobre a apresentação delas nas demandas que se pede um julgamento feito por expertos em contabilidade. Estas provas são tidas como uma condição sine qua non, para se revelar a verdade real contida nas alegações ou nas contestações.
Palavras-chave: Arbitragem. Prova contábil.
Desenvolvimento:
A arbitragem é um modo pacífico de resolução dos conflitos, que se contrapõe à jurisdição estatal. Sendo que o juízo arbitral é a entidade encarregada do litígio que se contrapõe ao juízo do Estado. E cabe às partes demandantes requererem a juntada, além de produzirem as provas sobre os atos e fatos contábeis alegados, e não, ao árbitro ou à entidade arbitral. Apesar desta regra geral, o árbitro poderá, na ausência de elementos suficientes nos autos à sua convicção, por força do art. 22 da Lei de Arbitragem 9.307/1996, determinar a realização de perícias ou solicitar outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício, isto durante o procedimento arbitral e ainda, quando uma das partes pretende fazer prova contábil com elementos que estão em poder da outra parte. E isto significa apenas que o árbitro poderá, em prestígio à ampla defesa e ao contraditório, determinar a exibição dos documentos contábeis e a sua inspeção por peritos em contabilidade que deverão responder a quesitos. Cabe salientar que, tratando-se de prova que exija conhecimentos técnicos contábeis, poderá o árbitro, desde que tenha formação superior em contabilidade, alegar ter conhecimento pessoal sobre a matéria e deixar de nomear perito para que proceda à inspeção e responda ao quesito sobre os documentos carreados ou entranhados nos autos. O árbitro pode avaliar as provas conforme julgar conveniente (art. 22, caput). O árbitro é o destinatário da prova, somente a ele cumpre decidir sobre a necessidade ou não, de sua realização.
Por força do § 3° do art. 22 da Lei de Arbitragem, a revelia da parte em relação à exibição de documentos ao exame pericial não impedirá que seja proferida a sentença arbitral. Esta determinação de prova pelo árbitro existe na arbitragem porque o árbitro deve sempre, respeitar, no procedimento arbitral, os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento nos termos do § 2° do art. 21 da Lei Brasileira de Arbitragem.
A função dos árbitros é substancialmente a mesma dos juízes, ou seja, a de decidir litígios. A arbitragem é semelhante ao processo estatal, sujeita às normas e princípios. Apesar disso, visualiza-se a ausência da coercitividade, uma vez que há a necessidade do Judiciário para certas medidas, como a condução de testemunhas, busca e apreensão de bens, quebra de sigilo etc. A arbitragem está desprovida dos componentes coertio e executio[1], que integram o Poder Judiciário, pois este poder é uma função e monopólio do Estado. Apesar disso, cabe ao árbitro decretar a medida que entenda necessária, mas, para efetivá-la, necessita do Poder Judiciário.
Em termos contemporâneos, a arbitragem no direito empresarial representa um grande nicho para os contadores, em decorrência da necessidade da especialização dos árbitros.
A filosofia da prova contábil está vinculada ao conhecimento contabilístico e verte da lógica, portanto, vai além de informar os usuários sobre os relatos contábeis, pois busca orientá-los. E possui correspondência direta e imprescindível da teoria pura da contabilidade.
A teoria pura da contabilidade cria condições para se investigar o patrimônio e as suas movimentações e relações entre causas e efeitos.
Uma demanda arbitral imprime uma disposição geral relativa às provas, que pode ser por todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa. E com em relação aos bens patrimoniais disponíveis, incumbe ao autor a prova quanto aos atos ou fatos contábeis que estão constituindo o seu pedido, sendo possível ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Estas provas contábeis podem ser:
1-) um parecer para embasar a inicial ou a contestação;
2-) o depoimento de uma testemunha técnica com notório conhecimento da ciência da contabilidade;
3-) uma sustentação oral de um assistente contábil, antes da realização da perícia contábil;
4-) ou uma perícia contábil para que um perito e assistentes se pronunciem sobre atos ou fatos contábeis alegados. Cabe lembrar que na arbitragem, é possível que os assistentes juntem os seus pareceres antes de o perito examinar as questões, ficando a cargo do perito do árbitro, a solução apenas das questões controvertidas entre os assistentes.
Diante destas alternativas é possível concluir que a produção de provas contábeis no procedimento arbitral se dá de maneira bem mais ampla, ativa e mais flexível do que a da justiça estatal.
Os arbitralistas Hoog e Alonso[2] defendem que
A prova é uma atividade jurisdicional, pois envolve o devido processo legal e exige a imparcialidade do árbitro na sua valorização assim como no deferimento de medidas probatórias. Admite-se como prova todos os meios lícitos e moralmente aceitos, podendo ser uma confissão; um documento; uma testemunha que presenciou os fatos ou testemunha técnica; uma presunção e a pericial.
Em relação ao art. 22 da Lei de Arbitragem, os mesmos autores[3] se pronunciam no sentido de que
O espírito do art. 22 prestigia o fato de que, se os árbitros se convenceram da desnecessidade da produção da prova pericial contábil, e julgarem serem necessárias “outras provas, mediante requerimentos das partes ou de ofício” para formar o seu convencimento e resolver a lide, podem requisitar a ouvida de expert-witness[4], ou seja: a figura de uma testemunha técnica, que, com o seu depoimento técnico, em audiência, pode esclarecer os aspectos técnicos controvertidos. O expert-witness pode até não conhecer as argumentações do pedido e contestação levadas à arbitragem, mas tem que ter conhecimento específico e especializado das questões tecnológicas relacionadas com a arbitragem e submeter a um interrogatório, via espancamento científico, estas questões tecnológicas.
Como regra geral a produção das provas deve ocorrer durante as alegações iniciais, e neste sentido temos CAHALI[5] que se posiciona da seguinte maneira: “devem as partes desde logo produzir a prova documental”, como, aliás, é uma regra na maioria das câmaras de arbitragem. A título de exemplo, temos isto pacificado no inc. 1 do art. 10° do Regulamento da ARBITAC.
Sendo que o descumprimento desta produção de provas pode ter consequências: se for aplicada por analogia a regra do art. 359 do CPC pelo árbitro ou pelo Tribunal Arbitral na sentença, ou seja, no mínimo, poderá ser reconhecida uma preclusão ao direito de produção da prova documental. Isto sem embargos ao fato de que não se nega a possibilidade de o árbitro determinar a produção de provas ex officio (art. 22 da Lei 9.307/96).
A propósito, temos uma conexão doutrinária com este fato na lição de FOUCHARD, GAILLARD e GOLDMAN[6] como segue:
The arbitral tribunal will only be obliged to accept the belated submission of documents or evidence where the party submitting them has a valid excuse for its delay. In the absence of a legitimate reason, the tribunal can take a firm position and simply reject the memorials or evidence submitted late . The requirements of due process are in fact satisfied if the initial deadline was sufficient to enable the party inquestion to present its arguments and evidence.
Apresentamos para esta citação uma versão traduzida e parafraseada como segue:
O tribunal arbitral só é obrigado a aceitar a apresentação tardia de documentos ou provas quando da sua apresentação exista um desculpa válida para seu atraso. Na ausência de uma razão legítima, o tribunal pode tomar uma posição firme e simplesmente rejeitar os memoriais ou provas apresentadas tardiamente. Os requisitos do devido processo legal são de fato satisfeitos se o prazo inicial foi suficiente para possibilitar à parte em questão, apresentar seus argumentos e evidências.
[1] Conforme os ensinamentos de SAREDO, Giuseppe. Instituzioni di procedura civile. 3. ed. Firenze: Giuseppe Pellas, 1887. v. l, p. 198: coertio é entendido como o direito de fazer-se respeitar, reprimir a ofensa à lei mediante o exercício de sua função; e executio, entendida como o direito de exigir obrigatória e coativamente, em nome do poder soberano, obediência à própria ordem e decisão.
[2] HOOG, Wilson Alberto Zappa. ALONSO, José Rojo. Arbitragem – uma Atividade para Contadores – comentários à Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2012. p. 78.
[3] Idem. p. 79.
[4] O expert-witness é um especialista com notório conhecimento sobre o assunto e independência em relação às partes e ao árbitro. Sua finalidade é a de assistir as partes e o árbitro na compreensão das questões que envolvem conhecimentos de ciência e tecnologia.
[5] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: RT, 2012. p. 211.
[6] FOUCHARD, Gaillar e Goldman. International Commercial Arbitration. Fn. 17, para. 1270. Apud A. J. Van Den Berg. Arbitration Advocacy in Changing Times. Kluwer Law International, 2011, p. 190.
Publicado em 09/04/2013.