Situações Especiais em Relação ao Fundo de Comércio nas Sociedades Simples

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

 

Resumo:

       

    Apresentamos uma brevíssima análise sobre situações especiais em relação ao fundo de comércio nas sociedades simples nomeadamente nos casos de discrepância de gênero societário. Sendo que nesta resumida apreciação buscamos contribuir com a formação de um pensar contemporâneo lastreado na equidade. Nomeadamente na busca por meio de um raciocínio lógico, as explicações e interpretações dos fenômenos vinculados com as perícias e a ouvida de testemunha técnica.

 Palavras-chaves: Fundo de Comércio nas Sociedades Simples.

 

Desenvolvimento:

    O objetivo didático deste artigo é de apresentar uma opinião científica contábil em relação às sociedades simples, em relação a possibilidade da existência do fundo de comércio, nos casos de discrepância de gênero societário[1], ou seja, em decorrência de erro na concepção e registro de uma célula societária.

    Nas hipóteses de transmissão da qualidade da propriedade de tecnologia e/ou do conhecimento de ciência, sem a permanência do sócio, ou que seja possível à continuação dos negócios, mesmo com a retirada ou com a troca de um ou mais sócios de sociedade simples, tem-se a possibilidade da existência de valorização de parte dos componentes do fundo de comércio, como por exemplo: o acervo técnico, o know-how, a carteira de clientes/freguês, ponto comercial. Logo, é possível que uma sociedade simples de contadores, advogados, arquitetos ou de outros profissionais liberais, não tenha o fundo de comércio amplo e isolado, mas sim parte dele, como um “sobrefundo”, composto da carteira de clientes, acervos técnicos e contratos de prestação de serviços criados pela sinergia de vários tipos de especializações dos sócios.

    A título de exemplo: se uma sociedade de advogados (a sociedade e não o advogado) emite nota fiscal para cobrar honorários, por conseguinte, possui contrato com clientes para consultoria mensal ou acompanhamento de processos judiciais ou arbitrais, tem valor comercial, logo, presente a parcela do fundo de comércio, cujo vetor são os contratos. Este tipo de sociedade é peculiar, pois somente advogados podem integrá-la, e esses é que exercerão a advocacia.

    A sociedade de advogados oferece aos seus sócios o apoio logístico necessário ao exercício da atividade de advocatícia, contratando e remunerando os empregados, abastecendo o escritório com os móveis, computadores e programas adequados, de modo a oferecer aos advogados sócios uma infraestrutura. Mesma situação para as sociedades de médicos, contadores ou arquitetos.

    Esta exceção à regra do gênero, sociedades simples, gera um legado à criação doutrinária e a jurisprudência, como a posição do TJPR de 15/04/03, Acórdão 3.674, cuja relatora foi a Dra. Maria Jose Teixeira, conforme segue:

Apelação. Ação de apuração de haveres e execução dos valores apurados. Procedência. Dissolução parcial de sociedade civil limitada. Apuração de haveres. Mensuração do quantum devido pela sociedade ao retirante art’s que espelham o real faturamento da sociedade, á qual é prestadora de serviços de engenharia. Fundo de comércio. Inclusão. Realidade patrimonial. Levantamento físico contábil. Necessidade. Perícia que contém informações claras e fidedignas à avaliação patrimonial da sociedade requerida/apelante. Sentença integralmente mantida. Recurso desprovido.

  1. A apuração dos haveres do sócio retirante, com base no patrimônio líquido da empresa, não exclui a verificação da realidade patrimonial mediante a avaliação de seus bens, aí incluídos os elementos incorpóreos ou imateriais que constituem o fundo de comércio.
  2. O fundo de comércio estende-se também à Sociedade Civil e não apenas à Comercial porque nela se inclui o ponto ou o local do negócio, o nome e a boa-fama do estabelecimento e a clientela.

     O aviamento ou fundo de comércio, em decorrência da moderna Teoria Pura da Contabilidade, pode existir em sociedades do gênero simples, em casos específicos, o que requer perícia especializada para esta aferição, uma vez que se trata de uma exceção e não a regra geral.

    Nos dias atuais se tem uma tendência entre os advogados, que todo o universo dos negócios jurídicos passou a apoiar-se em estruturas societárias, que se tornaram na essência, como uma indústria hospedeira dos acervos técnicos de prestadores de serviços. Os sócios ou acionistas dessas sociedades são provedores de capital monetário e de conhecimentos jurídicos, em função do qual exercem as atividades, inclusive com contrato entre a sociedade e seus clientes. A prestação do serviço de natureza jurídica não é da sociedade, pois se distribui entre os sócios, que a exercem como pessoas físicas e em decorrência de suas especialidades, direito do trabalho, do consumidor, societários, tributário, entre outros. A participação maior ou menor no capital da sociedade representa formalmente um maior ou menor aporte de capital, e um poder maior ou menor nas decisões dos sócios.

   Neste tipo de arranjo societário, avulta a atividade intelectual, que nunca é empresária, não se alcança, evidentemente, um nível de impessoalidade, tais como as sociedades empresariais e de capital, e prevalece o intuitu personae. Mas, o que avulta no mercado é a célula social “sociedade de advogados”, pois é ela que exerce o objeto social. Os negócios são da sociedade, posto que os sócios são meros representantes e executores de estratégias. O administrador desta sociedade dirige o negócio e em troca disso recebe uma remuneração, pró-labore, e todos os sócios recebem, se existir, uma parcela anual correspondente ao lucro, que pode inclusive, ser proporcional ao trabalho desenvolvido e não a participação no capital social, tudo depende do que for acordado entre os sócios. Até mesmo, é possível que o sócio participe somente com serviço sem participar com capital nos termos do art. 981 do Código Civil, sendo vedada para as limitadas do tipo simples por força do art. 1.055 do CC/2002.

    A atividade intelectual de advogados, contadores, médicos e outros profissionais, não correspondem a um processo produtivo de bens tangíveis, mas em vez disso, a um esforço de criação intelectual, que sempre desfrutou de uma “valoração econômica”.

    A sociedade de advogados insere-se formalmente no gênero, societário simples, posto que a sua atividade, sendo de natureza intelectual, como preceitua o art. 15, § 3º, do Estatuto da Advocacia: “As procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte.” E que, o exercício da advocacia é privativo dos advogados que respondem por danos aos seus clientes. A sociedade de advogados é uma sociedade simples de natureza híbrida, regida pelo Código Civil e pelo Estatuto da Advocacia.

   O aviamento, ou goodwill, representa um conjunto de elementos imateriais, capaz de atrair rendas e determinados fluxo de clientela e resultados econômicos e financeiros diferenciados. Motivo pelo qual, este intangível passou a desempenhar um papel importante na avaliação das quotas destas sociedades simples.

    Um advogado, contador ou outro profissional, ao desligar-se de uma sociedade simples em que se encontrava ligado por laços de afinidade profissional, leva sem dúvida o seu fundo individual, continuando apto a atrair e a manter os clientes que atendia. Apesar de que isto é evidente, tem-se que o valor agregado dos fundos individuais dos sócios criado pela união dos advogados, contadores ou outros tipos de profissionais, poderá criar e manter um efeito residual positivo, uma espécie de “sobrefundo”, mesmo depois da saída de um dos sócios. Apesar de que, é evidente se o efeito de energia residual não for muito bem cuidado pelos sócios que permanecerem na sociedade, em breve se dispersará. Em relação ao sócio que se retira, este poderá recriar, com lastro em seu fundo individual, um novo escritório ou uma nova sociedade, atraindo a sua clientela.

    É evidente que a matéria, a qual versa sobre o fundo de comércio, lastreada em fundos individuais, comporta situações especiais, a serem consideradas por perito de alta qualificação, mas em linha geral, o advogado, contador, médico, arquiteto, entre outros profissionais, que se retiram de uma sociedade, levam também o seu fundo individual. Logo, a apuração de haveres do sócio retirante de sociedade simples, com base no patrimônio líquido pela via do balanço especial, não exclui a verificação da verdade real, em relação ao patrimônio mediante avaliação de todos os bens, aí incluídos os elementos incorpóreos. Aliás, se ressalta que, se existir segurança contábil para se afirmar que, o valor dos elementos incorpóreos continua após a saída do sócio, se deve considerar isto como um valor de um “sobrefundo”, mas tal fato, sempre dependerá de um especialista, perito. O “sobrefundo” de comércio é um bem de difícil mensuração, pois é possível que, prevaleça o vínculo pessoal entre o sócio retirante e o cliente. Sendo possível o contrário, ou seja, foi criado durante o período da sociedade um centro de excelência e competência que continua a angariar e manter os clientes mesmo após a saída do sócio. Lembrando que a aferição do aviamento para efeito de balanço especial pode ser também pelo óbito de um dos sócios.

    E por derradeiro, cada situação tem suas características particulares que necessitam serem apreciadas por um perito em contabilidade ou a ouvida de uma testemunha técnica com notário saber contábil, face à regra geral, que em sociedade simples não existe o fundo de comércio e as exceções existem, as quais são:

  1. Discrepância quando do registro;
  2. Composição de grupo societário;
  3. Camuflagem do elemento de empresa;
  4. Hipótese de transição de tecnologia e conhecimento de ciência aos demais sócios, associados e empregados;
  5. Manutenção de situações privilegiadas em função de contratos de prestações de serviços, ponto de comércio, marca, credibilidade no mercado ou de acervos técnicos que pertencem à pessoa jurídica ou qualquer forma de vantagem competitiva.

[1] Discrepância de gênero societário – diz-se de uma desarmonia na forma societária, ou da incompatibilidade entre a essência e a forma do gênero societário. As diferenças de gênero sociedade simples e sociedade empresária, no contexto de uma célula social, influi no exercício da atividade, quando uma sociedade tem o gênero simples e possui o elemento de empresa, encontra-se uma discrepância ou dissonância de gênero e vice-versa, logo, quando uma sociedade está registrada como sendo do gênero empresarial e não possui o elemento de empresa, encontra-se também a discrepância de gênero societário. Portanto, a discrepância é um erro na concepção e registro de uma célula societária.

Publicado em 03/04/2014.