Uma Reflexão Sobre a Adequação do Patrimônio Líquido Através da Justa Apuração de Haveres
Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog
O patrimônio líquido deve ser ajustado pela inclusão de ativos e passivos ocultos[1], ativos contigenciais[2], e exclusão de ativos[3] e passivo fictício[4], passivo contingente [5]. A omissão de registro de passivos contingentes não é um ato temerário[6], e nem um erro de cognição, e sim, uma gestão fraudulenta, pois maquia o balanço patrimonial. O reconhecimento do intangível fundo de comércio no ativo não circulante, precificado pelo método holístico, tem como contrapartida o patrimônio líquido.
Os Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital[7] (AFAC), não influenciam no patrimônio líquido a ser partilhado, mas se o sócio retirante foi o que aportou capital a este título, deve ser reembolsado. A literatura contábil[8] é muita clara, na solução deste fato.
Na hipótese de passivo a descoberto (patrimônio líquido negativo ou a descoberto[9]), cuja origem seja prejuízos operacionais ou perdas, o sócio retirante, que se desliga, salvo estipulação em contrário, e explícita no contrato social, deve participar neste prejuízo e perda, por força do art. 1.007 do CC/2002. A regra é: o sócio que se desliga, deixa de ser sócio e passa a ser credor da sociedade ou devedor, e se for devedor e credor, estes valores se compensam entre si. Na hipótese do sócio retirante ser devedor da sociedade, surge o pedido contraposto, que existe para compensar o valor dos haveres, com a indenizações por atos prejudiciais à sociedade, ilicitudes que poderão ser compensadas com os haveres, nos termos do art. 602[10] do CPC/2015; o que dispensa a reconvenção.
As ilicitudes também compõem ajuste nos haveres. Entende-se por ilicitudes de um dos sócios, todos os atos que geram o dever de indenizar por perdas, danos e lucros cessantes, tais como: responsabilidade pelas deliberações infringentes do contrato social ou da lei; evasão fiscal; o fato de um sócio não realizar às contribuições estabelecidas no contrato social, art. 1.004 do CC/2002; a prática de negócios estranhos aos seus fins sociais que resultem em prejuízo; os atos de desvio de poder; fraudes contra os credores da sociedade; o recebimento ou pagamento de lucros ilícitos[11] ou de lucros fictícios[12]; pagamento de propinas a funcionários públicos; desvio de função; abuso da personalidade jurídica[13]; abuso de direito; conflito de interesses[14]; concorrência parasitária ou desleal; desvios de recursos; ou qualquer falta de diligência[15] ou probidade, inclusive corrupção ativa e passiva e todas as formas de fraudes. Inclui-se no sentido de ilicitudes, também as hipóteses dos arts. 186[16] e 187[17], ambos do CC/2002. É deveras importante realçar, que se o sócio retirante não praticou ilicitudes, mas o que fica praticou. Deve ser registrado no balanço de determinação, estes efeitos, débito no ativo circulante referente a estes valores a receber do sócio que fica, e crédito no patrimônio líquido; esta posição tem respaldo na teoria ultra vires.
Na hipótese da compensação dos haveres, com a indenização, restar crédito a favor da sociedade; os sócios enquadrados na prática ilícita prevista neste contra pedido, respondem direta, pessoal e ilimitadamente com seus bens particulares. Como regra geral, a compensação de ilicitudes, com os haveres, depende de prova pericial contábil, para a comprovação, tanto do valor dos haveres, como do valor das ilicitudes que se pretendem a compensação.
Os bens e direitos ativos devem ser avaliados a preço de saída, o passivo deve ser precificado de igual forma, por força do art. 606 do CPC/2105.
Os juros sobre o capital próprio, sejam eles os da fase pré-operacional, por forca do inciso II do parágrafo único do art. 1.187 do CC/2002 ou os vinculados ao direito tributário, vide art. 608 do CPC/2015, onde incluem os lucros, remuneração de administradores e/ou conselheiros, mais o pró-labore, os quais também compõem a precificação dos haveres.
[1] PASSIVOS OCULTOS – representa as dívidas existentes, porém não escrituradas. (HOOG, Wilson, A. Z. Balanço Especial ou de Determinação para Apuração de Haveres. Nos termos do art. 606 do CPC/2015, do art. 45 da Lei 6.404/1976 e do art. 1.031 da Lei 10.406/2002. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2021.).
[2] ATIVOS CONTIGENCIAIS – é parte do ativo que reúne as contas que espelham riscos que podem ou não suceder, por serem incertos ou apenas com probabilidade de ocorrerem, tais como: as demandas judiciais ou arbitrais.
[3] ATIVOS FICTÍCIOS – são os ativos irreais que evidenciam contas que já foram recebidas ou bens que perderam a sua utilidade por deterioração ou obsolescência. (HOOG, Wilson, A. Z. Balanço Especial ou de Determinação para Apuração de Haveres. Nos termos do art. 606 do CPC/2015, do art. 45 da Lei 6.404/1976 e do art. 1.031 da Lei 10.406/2002. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2021.)
[4] ATIVOS CONTIGENCIAIS – parte do ativo que reúne as contas que espelham riscos que podem ou não suceder, por serem incertos ou apenas com probabilidade de ocorrerem, tais como, as demandas judiciais ou arbitrais. (HOOG, Wilson, A. Z. Balanço Especial ou de Determinação para Apuração de Haveres. Nos termos do art. 606 do CPC/2015, do art. 45 da Lei 6.404/1976 e do art. 1.031 da Lei 10.406/2002. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2021.)
[5] PASSIVOS CONTIGENCIAIS – é parte do passivo que reúne as contas que espelham riscos que podem ou não suceder, por serem incertos ou apenas com probabilidade de ocorrerem, tais como: as demandas trabalhistas, previdenciárias, fiscais e comerciais.
[6] ATO TEMERÁRIO – representa toda ação ou omissão, cuja finalidade seja a de obter ou a de causar um fim diverso da boa-fé e ética. Como, por exemplo, os desvios de condutas, abusos de poder ou de direito. Toda forma de ausência de cautela é um ato temerário. Toda a produção de um documento ou informação falsa, caracteriza uma gestão fraudulenta, logo, coisa diversa de um ato temerário.
[7] ADIANTAMENTOS PARA AUMENTO DE CAPITAL – são recursos obtidos diretamente dos sócios ou acionistas, para futura subscrição e integralização do capital social. Devem ser mantidos contabilizados fora do patrimônio líquido, Exigíveis a Longo Prazo, até o momento da subscrição, pois podem ser exigidos, enquanto o aumento do capital social não se formalizar. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020.)
[8] Literatura contábil – HOOG, Wilson A. Z. Manual de Contabilidade. – Teorias, Teoremas, Princípios, Planos de Contas, Escrituração, Conciliações, Demonstrações Financeiras e Análise dos Elementos das Demonstrações – Com destaque para as Particularidades do RIR/2018 e das Sociedades Limitadas e das Anônimas. 6. ed., 2021 – “Nem a Lei 6.404/1976 e nem o Código Civil preveem de forma explícita esta figura, “Adiantamento para futuro aumento de capital”. Estas supressões nem sempre representam um silêncio eloquente, por configurar-se como uma lacuna legal, até porque não é possível ao legislador prever todas as hipóteses, muitas situações reais, como este caso, AFAC, ficam ao encargo dos professores doutrinadores. Apesar de que a SRF via pareceres orientativos, desde 1981, como é o caso do PN CST 23/81, estabelece que tais valores não devem figurar no patrimônio líquido e sim, ser considerados como uma exigibilidade. Ocorre que, se é um futuro aumento, por lógica, não é capital subscrito e nem integralizado, logo não está compreendido entre as possibilidades legais constantes do patrimônio líquido; não é capital e nem reserva de capital. A essência não é de capital, e sim, uma mera intenção de ser. O capital social é uma garantia aos credores, e o adiantamento enquanto não formalizado no contrato social ou estatuto, não possui esta garantia. Ainda que exista uma forte intenção neste sentido, inclusive com permissão dada por reunião ou assembleia dos proprietários, e até um contrato que referencie este pacto, entre os sócios/acionistas e a entidade, não se deve registrar tal fato no patrimônio líquido e sim, no passivo não circulante, cuja transferência, para o patrimônio líquido, será efetuada, quando da efetiva manifestação da vontade, substanciada no contrato social ou no estatuto, com a devida emissão, aprovação e publicidade deste registro. Pois, uma coisa é a intenção, e outra, é o negócio jurídico realizado. Cabe lembrar que os aumentos de capital devem seguir a preferência dos sócios ou acionistas, além do percentual de participação de cada um, salvo exceções que constem de acordo de sócios/acionistas. ”
[9] PATRIMÔNIO LÍQUIDO A DESCOBERTO – o patrimônio líquido a descoberto representa uma não conformidade contábil, pois indica que o total das dívidas supera o total dos bens, ativos, o que torna a situação líquida a descoberto. Logo, existe a insolvência por insuficiência de cobertura patrimonial. Pode ser simplesmente a falta de valor que possa dar lastro e garantia aos credores. O patrimônio líquido compreende os recursos próprios da entidade, e seu valor é a diferença entre o valor do ativo e o valor do passivo (ativo menos o passivo). Portanto, o valor do patrimônio líquido pode ser positivo, nulo ou negativo. No caso em que o valor do patrimônio líquido é negativo, é também denominado de “passivo a descoberto”. Esse fenômeno pode ser observado pela equação fundamental do patrimônio que é a expressão do valor contábil da riqueza obtido pela equação: (Patrimônio Líquido = Ativo – Passivo). Na hipótese de o passivo ser maior que o ativo, temos o patrimônio líquido a descoberto, situação de insolvência. Pode também ser denominado de “passivo a descoberto”, circunstância onde as exigibilidades estão a descoberto, situação em que o patrimônio líquido figura no ativo. Esse fenômeno também é denominado de superveniência passiva, que é o resultado da equação patrimonial onde o capital de terceiro revela um maior valor sobre os bens, pontuando, nessa forma, a supremacia do exigível sobre o inexigível. É a superioridade das obrigações sobre os bens, ativo a descoberto, estado de insolvência.
[10] CPC/2015 – Art. 602. A sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar.
[11] LUCROS ILÍCITOS – são os de valores não contabilizados regularmente, que figuram na escrituração paralela da sociedade, decorrentes de negócios jurídicos irregulares e não documentados, fiscal e societariamente, portanto, não considerados e nem mencionados no balanço de resultado econômico.
[12] LUCROS FICTÍCIOS – representa a quantia que se distribuía aos sócios. À título de lucro, mas com prejuízo do capital social, por serem um fato ilusório, logo, lucros não existentes, e frutos da maquiagem de balanço. Os lucros fictícios podem ter origem em várias situações de maquiagem, entre elas: deferimento de despesas ou transferência e despesas de um exercício para outro; redução de custos ou despesas, pela transferência destes itens para contas do ativo; fraude na avaliação de estoques; simulações de ganho de capital ou de receitas; reconhecimento de créditos prescritos, como se verdadeiros fossem; não contabilização de depredação ou amortização de bens intangíveis.
[13] O abuso da personalidade jurídica é caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial entre os bens da sociedade e os dos sócios, uma vez que o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário, a sociedade não responde, em regra pelas obrigações e dívidas dos sócios.
[14] Um conflito de interesse é a situação gerada pelo confronto entre interesses, que possa comprometer ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho de uma função ou a ética do sócio.
[15] Por diligência, entende-se todo o cuidado que um homem ativo e probo, costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
[16] CC/2002, Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[17] CC/2002, Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
_____. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
HOOG, Wilson, A. Z. Balanço Especial ou de Determinação para Apuração de Haveres. Nos termos do art. 606 do CPC/2015, do art. 45 da Lei 6.404/1976 e do art. 1.031 da Lei 10.406/2002. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2021. 326 p.
_____. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020. 691 p.
_____. Manual de Contabilidade – Teorias, Teoremas, Princípios, Planos de Contas, Escrituração, Conciliações, Demonstrações Financeiras e Análise dos Elementos das Demonstrações – Com destaque para as Particularidades do RIR/2018 e das Sociedades Limitadas e das Anônimas. 6. ed., 2021, 688 p.
As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.
Publicado em 09/06/2021