Valor Justo e o Preço de Saída no Balanço de Determinação

 

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

   Nesta reflexão estamos demonstrando distinção básica entre o “valor justo” e o “preço de saída” em um balanço de determinação, quando se tem na mira a valorimetria dos estoques. E consequentemente o erro, falsa percepção da realidade, na adoção do patrimônio líquido a valor justo, como critério de valorimetria de haveres e/ou deveres.

   Adotar o patrimônio líquido do balanço ordinário, Lei 6.404/1976, com o famigerado ativo e o passivo a “valor justo”, como critério válido para apuração de haveres e/ou deveres é mais que um erro fatal, pois vai avante e, em direção ao paralogismo[1]; o que gera prejuízo ao sócio retirante e ganho sem causa lícita para os sócios que ficam.

   A falta de rigor conceitual tira o valor científico da labor de um perito, pois o conhecimento científico é o que prioriza o entendimento integral dos fenômenos de valorimetria do patrimônio.

   Alertamos, para se evitar o epistemicídio contabilístico  e os julgadores a erro material, onde urge o fato de que não se pode confundir ativo e passivo a “justo valor”, tal qual consta no balanço ordinário; com o ativo e passivo a “preço de saída” que deve constar no balanço de determinação em simetria a lei, ou seja, pela supremacia da justiça vinculada a verdade real, não podemos confundir, e nem mesmo comparar, preço de entrada com preço de saída; a princípio estes conceitos parecem muito simples, mas engana-se quem os subestimam. Muitas vezes um  perito em contabilidade, por uma questão de ausência de conhecimento e limitação cognitiva por ideias preconcebidas que resulta em enxergar o RIR e a Lei 6.404/1976 como regras absolutas para a apuração de haveres e/ou deveres,  apresenta o hipotético “justo valor” com uma voracidade igual ou superior ao injusto valor, onde ambos, preço de entrada, justo valor e preço de saída chocam-se na busca pela máxima  aplicação da ampla defesa[2] e do contraditório técnico científico contabilístico.

  Como exemplo da questão do estoque, comparamos as legislações:

Lei 6.404/1976, art. 183, §1º –“Valor justo” CPC, art. 606 – “Preço de saída”
“ O preço pelo qual possam ser repostos, mediante compra no mercado” logo valor de compra do estoque. “Avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída,” Logo, o preço de venda do estoque.

 

  Um perito não pode inovar artificialmente o critério de valorimetria do estoque estabelecido no art. 606 do CPC, já que isto, quiçá, seja um crime de Fraude processual, previsto no art. 347 do Código Penal.

  A fundamentação adequada do critério de valorimetria é fundamental para se permitir o controle quanto a idoneidade do critério valorimétrico empregado em um grau de segurança aceitável a luz do ceticismo.

   Se os estoques e os custos estão a valor justo, deve se somado ao estoque a diferença entre valor justo e o preço de venda para atender a legislação específica do balanço de determinação, ou simplesmente o resultado da quantidade física existente na data base, multiplicado pelo último preço de venda.

   A valorimetria dos estoques a preço de saída pode ser determinada por aferição indireta,  em sintonia a seguinte forma matemática:

Preço de saída = (((receita líquida /custo )-1)*estoque)+estoque.

   A doutrina nacional e a internacional mostram nitidamente a distinção entre preço de entrada e preço de saída.

   Avaliação de estoques a valores de saída não é novidade como segue a pronúncia de Nélo[3]:

Os valores de saída estão ligados ao mercado onde a organização vende seus bens e serviços e se baseiam na avaliação de ativos de modo que estes ativos venham refletir os benefícios futuros. benefícios futuros. Para Kam “a contabilidade a valores de saída tem sido associada principalmente aos nomes de Raymond Chambers e Robert Sterling, e um defensor antigo desse conceito foi Keneth MacNeal, cuja proposta não foi levada a sério na época em que ele a apresentou.

 

   Como referenciado por HENDRIKSEN[4], os estoques devem ser avaliados a preço de saída. “Os valores de saída baseiam-se no valor monetário ou qualquer outra forma de pagamento que será recebido pela venda ou troca do bem. Aplica-se este critério quando há evidência confiáveis quanto aos valores de saídas (realização)”.

   Os valores, ou seja, os preços de saída representam, segundo Martins[5]: “aqueles obtidos no mercado de venda”.

   Grego[6] sabiamente mostra a distinção como segue:

Precio de compra: valor de costo de lis bienes, servicios o derechos adquiridos. Si hubiese descuentos o bonificaciones, se le resta y se suman todos los gastos vinculados con la adquisición.

Precio de venta: aquel se percibe por la venta de un bien o servicio. Puede tener fluctuaciones al considerar la oferta y la demanda del bien. En condiciones de intensa demanda y oferta estable, el precio del bien tenderá a subir, mientras que em el supuesto de oferta abundante y demanda estable, el precio tenderá a la baja.

 

   Em resumo o preço de saída, é o preço na data de mensuração que seria recebido para vender um ativo como os estoques.

  Temos o fato não menos importante, de que também não se pode inovar artificialmente o critério de valorimetria do imobilizado, confundindo ou substituindo o  ativo permanente imobilizado a “preço de saída”, com ativo permanente imobilizado a preço de reposição[7], como a aquisição de novos bens. Pois, preço de saída do imobilizado é preço de venda praticado pelo mercado dos bens usados e depreciados no estado em que se encontram na data da apuração de haveres e/ou deveres.

   E por derradeiro, avulta e sobeja a necessidade da avaliação correta dos estoques, respeitando o justo pelo justo[8];  o que significa que uma pronúncia do perito, em seu diagnóstico deve observar a legislação adequada.

  Esses “erros” cognitivos por ideias preconcebidas, caracteriza-se um crime, a luz do teor do Código Penal, art. 347, sendo para o perito nomeado pelo juiz/arbitro, a atribuição de indução a erro possui um caráter mais grave, eis que nessa relação juiz e perito, emerge a confiança do magistrado sobre o profissional nomeado. E para o assistente técnico indicado vale a indução ao erro quando imprime uma opinião falsa sobre fatos de que tenha conhecimento ou que deveria ter. Enfim, fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como perito, em processo judicial,  ou em juízo arbitral; configura falsa perícia art. 342 do Código Penal. Portanto são duas as  tipicidades, art. 342 e 347 ambos do código penal brasileiro, isto sem embargos ao crime de Fraude processual, previsto no art. 347 do código penal.

  A reflexão se justifica pela necessidade de que os balanços patrimoniais de determinação aplicados para a valorimetria dos haveres e/ou deveres, reflitam com fidelidade científica contábil a realidade econômico-financeira patrimonial, e consequentemente que no patrimônio líquido apareça o preço de saída das ações ou quotas sociais. Para tal foi apresentado as bases legais para a distinção mínima e  básica entre o “valor justo” e  o “preço de saída”.

 

[1] PARALOGISMO – indica um raciocínio involuntário que não é válido e não é intencionalmente produzido para enganar, pois resulta de ignorância. Caso seja voluntário o raciocínio falso, temos um sofisma. Um paralogismo indica uma reflexão por um raciocínio que não é válido, ou seja, equivocado, mas que tem aparência de verdade. O paralogismo é diferente de sofisma. Pois o paralogismo não é produzido intencionalmente para enganar, e o sofisma é intencional, afastando-se de um ato ilícito por se aproximar a um ato doloso.

[2] A ampla defesa, assim como o contraditório, para efeitos da atuação do perito assistente, é um princípio constitucional básico no processo judicial/arbitral que garante o direito de utilizar todos os meios legais e técnicos/científicos para defender os interesses lícitos. Isto não  inclui o direito de mentir ou de distorcer a verdade ou ficar em silêncio durante evidências e fatos contrários aos interesse profanos de um cliente, como meio de defesa. Pois tal conduta se enquadra no tipo penal de indução do julgador ao erro.

[3] NÉLO, Ana Maria.   Avaliação de Estoques a Valores de Entrada e de Saída,   VI Congresso Brasileiro de Custos – São Paulo, SP, Brasil, 29 de junho a 2 de julho de 1999. file:///C:/Users/zappa/Downloads/cbc,+VICongresso_artigo_0092%20(3).pdf   Consulta efetuada em 07/08/24.

[4]HENDRIKSEN, Eldon S. Accoumting theory. Homewood,III.:Irwin,1974, aput NEIVA, Raimundo Alelaf. Valor de Mercado da Empresa. São Paulo: Atlas, 1992. p. 29-30.

[5] MARTINS, Eliseu. Contribuição à Avaliação do Ativo Intangível:Tese de Doutorado, FEA-USP 1972.

[6] GREGO, Orlando. Diccionario Contable.  4ª ed. FLORIDA: Valleta Ediciones, Buenos Aires – Rep Argentina. 2007. 560p.

[7] O preço de reposição é a quantia monetária necessário para substituir um ativo usado, por um novo, considerando o preço atual de mercado do novo.

[8] A expressão “o justo pelo justo” está sendo utilizada para enfatizar a importância do julgador de agir com justiça, equidade e integridade, mas mais variadas  circunstâncias, garantindo que as sentenças sejam corretas e justas para todos os envolvidos.

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas dez teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiu o recorde da marca da 17ª edição.

 

REFERÊNCIAS

 ______.Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

______.Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

______. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

HENDRIKSEN, Eldon S. Accoumting theory. Homewood,III.:Irwin,1974, aput NEIVA, Raimundo Alelaf. Valor de Mercado da Empresa. São Paulo: Atlas, 1992. p. 29-30

MARTINS, Eliseu. Contribuição à Avaliação do Ativo Intangível:Tese de Doutorado, FEA-USP 1972.

NÉLO, Ana Maria.   Avaliação de Estoques a Valores de Entrada e de Saída,   VI Congresso Brasileiro de Custos – São Paulo, SP, Brasil, 29 de junho a 2 de julho de 1999. file:///C:/Users/zappa/Downloads/cbc,+VICongresso_artigo_0092%20(3).pdf   Consulta efetuada em 07/08/24.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 08/09/2024.