A Distinção entre Provisões Passivas e Provisões para Contingências Passivas

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 Resumo:

   No âmbito da ciência contábil, a identificação de provisões passivas e provisões para contingências passivas, é importante para que os profissionais da contabilidade, da auditoria, os peritos, os administradores e os utentes dos relatórios contábeis, tenham uma informação precisa para uma correta interpretação do balanço patrimonial.

   Tendo como referente o dever dos administradores de informar a real situação patrimonial, demonstraremos as distinções e alguns exemplos, que podem impactar nos dividendos, e no preço patrimonial das quotas/ações.

Palavras-chave: Provisões passivas. Provisões para contingências passivas. Reservas de contingências. Auditoria. Compliance. Administrador de sociedade empresária.

  1. Introdução:

   Justifica-se esta abordagem pela necessidade de uma compreensão da real situação patrimonial de uma célula social, e da importância da necessidade de informações que tragam mais transparência dos negócios em função do dever de informar e de diligência dos administradores.

  Se faz necessário uma reflexão em relação à escrituração e divulgação de passivos nas notas explicativas e nos relatórios da administração, conselhos, gestores de compliance, e auditorias, por força dos princípios: da veracidade, da epiqueia contabilística, da prudência, do regime de competência, e dos artigos: 47 e 1.016 do CC/2002.

  1. Desenvolvimento:

   As provisões passivas e ativas diferenciam nitidamente das provisões para contingências; e das tradicionais e conhecidas reservas para contingências.

   Provisão passiva no sentido lato sensu, ou seja, em sentido contábil amplo, é o reconhecimento de um gasto tido como certo, em função da prática contábil consuetudinária, ou decorrente de leis, do regime de competência, e dos princípios da teoria pura da contabilidade: da fidelidade, da clareza e da epiqueia contabilística.  Como exemplos amplos de provisões sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para imposto de renda;
  2. Para contribuição social;
  3. Para a partição nos lucros de empregados, administradores, partes beneficiárias e debenturistas;
  4. Para férias e seus encargos sociais;
  5. Para gratificação natalina e seus encargos;
  6. Para indenização de representes comerciais;
  7. Para pagamento ou creditamento de lucros/dividendos.

   Provisão para contingências passivas, o seu registro contábil, está vinculada à gestão de riscos, e no sentido stricto sensu, estas provisões remetem  a situações cujo resultado final poderá ser  favorável ou desfavorável, mas possíveis de ocorrerem, à luz da razoabilidade, proporcionalidade e probabilidades, por mais remotas que sejam, ou ainda, que venha a depender  de eventos futuros incertos, como, por exemplo, uma decisão judicial, prática de ilegalidades que possam, quiçá, não serem penalizadas por circunstância como a prescrição ou a falta de diligência dos agentes fiscalizadores.

   Como exemplos amplos de provisões para contingências passivas, sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para rescisões de contratos de distribuição;
  2. Para rescisões de contratos de concessão de venda de veículos: Lei Ferrari;
  3. Por danos oriundos de concorrência desleal ou parasitária;
  4. Por violação dos direitos autorais;
  5. Para danos ou violações do direito dos consumidores;
  6. Decorrente de multas pela não observação de procedimento de segurança dos empregados;
  7. Decorrente de garantias de produtos e mercadorias;
  8. Para reparar danos ambientais;
  9. Para demandas trabalhistas[1];
  10. As tributárias decorrentes de evasão;
  11. As de logística reserva de resíduos sólidos[2];
  12. As vinculadas à acordo de Leniência, Lei Anticorrupção;
  13. As vinculadas a crimes contra a ordem econômica, tributária e as relações de consumo;
  14. As vinculadas a litígios no âmbito da justiça estatal ou no âmbito da justiça privada, ou seja, juízo arbitral.

   As provisões e contingências em função de abuso de direito ou de poder dos administradores e dos sócios/acionistas controladores, por infração à lei ou ao estatuto/contrato social, devem ser constituídas e evidenciadas no balanço patrimonial, mas  por força da teoria ultra vires[3], não constituem despesas ou perdas, e sim, um direito, um  ativo, da pessoa jurídica de receber dos gestores, os valores necessários ao retorno da situação patrimonial existente antes destes atos culposos que geraram danos, arts. 1.011 e 1.016 do CC/2002 e arts. 154, 158 da Lei 6.404/1976. A responsabilidade da pessoa jurídica está prevista de forma clara no art. 47[4] do CC/2002, o que corrobora com o fato de que, atos vinculados à desvio de finalidade, não devem ser suportados pela pessoa jurídica, e sim, pelo administrador. Já que a responsabilidade civil é o instituto jurídico que trata da forma de reparar danos causados à pessoa jurídica pelo seu gestor.  Lembramos que o registro de uma provisão para contingências, tendo como contrapartida, o registro no ativo, relativo ao direito da pessoa jurídica de ser ressarcida por atos de desvio de finalidade do gestor, não altera o patrimônio líquido, e nem o lucro ou prejuízo líquido do exercício, mas cria confiabilidade no conselho fiscal. E nos serviços de compliance e da auditoria externa[5], além de se prestigiar a correta informação aos utentes dos relatos contábeis.

   Todas as provisões passivas, assim como, todas as provisões para contingências passivas, devem ser necessariamente demonstradas nas notas explicativas, para que, estes atos e fatos, fiquem disponíveis para os utentes das demonstrações financeiras, pois afetam o resultado e o preço patrimonial das ações/quotas.

   A ideia falaciosa[6] de que: para as provisões passivas contingentes tidos como prováveis, seja efetuado o provisionamento, e que para os passivos, de possível exigibilidade, sejam apenas incluídos em nota explicativa (sem provisionar) e ainda, para os passivos ditos de exigibilidade remota, ou de apenas indícios, não se faz provisionamento e nem indicação em notas explicativas. Fere o dever de diligência da administração, art. 156 da Lei 6.404/1976 interpretado em conjunto com o arts. 186 e 187 do CC/2002. Pois toda a ação ou omissão voluntária de informações patrimoniais, que implique em dano patrimonial ou moral a terceiros, é possível de responsabilidade. Defendemos que a análise de risco, pela classificação: remota, possível ou provável da exigibilidade de passivos é um embasamento para as notas explicativas, em relação ao grau de julgamento da administração da sociedade, e jamais para justificar a sua omissão na escrituração contábil.  A boa-fé dos gestores importa numa conduta de transparência, que exprime a ideia de confiança e passa a se projetar sobre todos os fatos e atos de gestão. A informação sobre indícios ou evidências de passivos não devem ser apenas escrituradas nos relatórios contábeis, elas também devem ser de forma clara para que os usuários possam compreender toda a verdade sobre os passivos, por força da teoria da essência sobre a forma.

   O contador, o conselho fiscal, a auditoria interna e a externa, devem estar em “compliance” e cumprir as normas legais e regulamentares, bem como, prevenir, detectar e informar corretamente, qualquer desvio, contingência ou inconformidade que possa ocorrer em uma gestão.  E na hipótese do valor da obrigação não poder ser mensurado com suficiente confiabilidade, ou seja, existindo uma dúvida razoável, por força da prudência, adota-se o maior valor.

   O dever de informar, é aquele que prestigia toda a comunicação e registro de informações, que modificam ou possam a vir modificar a situação econômica e/ou a financeira de uma célula social. Até porque, sem a informação precisa, o  balanço patrimonial deixa de exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa, art. 1.188 do CC/2002. E os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, o que inclui as informações sobre todos os riscos e contingências, art. 1.020 do CC/2002.

   E no âmbito do ativo, encontra-se também provisões, como as para perdas com cambiais, com base na média dos anos anteriores; e para perdas com estoques por perecimento que é a “perda do bem em si” e deterioração que é a “degeneração por perda da finalidade do bem por estar fora das especificações técnicas, ou com data de validade expirada”.

   Exceto as provisões que a pessoa jurídica tem o direito de receber do gestor. Tanto as provisões ativas como as passivas, representam uma diminuição do resultado do exercício em que foi efetuado o seu reconhecimento, cujas consequências são:

  1. A não distribuição de lucros/dividendos em relação aos valores de lucros, que podem ser afetados no futuro em função do regime de caixa, ou seja, pelo efetivo desembolso não previsto anteriormente;
  2. A adoção de medidas cautelares, prudência, que visam a preservação das informações aos utentes;
  3. A demonstração da situação do patrimônio líquido, considerando os riscos e gastos ainda não desembolsados;
  4. Diminuição da performance dos indicadores financeiros.

   E por último, cabe destacar que existe uma diferença entre provisões para contingências (cuja origem representa o reconhecimento de despesas incisos III e IV do art. 187 da Lei 6.404/1976 ou o direito de receber dos sócios/acionistas o reembolso por atos ativos ao objeto social); e as reservas para contingências, art. 195 da Lei 6.404/1976. Pois as reservas são constituídas com base na destinação de parcela do lucro líquido do exercício; e as provisões para contingências, são constituídas quando do reconhecimento de uma despesa, ou ato de gestão temerária, por força do regime de competência, reduzindo o lucro do exercício, se este existir, que é a base para as reservas. As provisões devem ser reconhecidas independentemente da existência de lucro ou de prejuízo no exercício. Já as reservas, só podem ser registradas somente se houver lucro no exercício. E ambas, as provisões e as reservas, devem ser revertidas, no exercício social em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição, fato que também deve ser informado nas notas explicativas ao balanço patrimonial.

  1. Conclusão:

  Este artigo se propôs, sem esgotar o tema, a uma reflexão à luz das leis, da ética, dos princípios da teoria pura da contabilidade, do dever de informar e de diligência, em relação à divulgação dos riscos que compõem as provisões para contingências e sua distinção com reservas para contingências. Além de demonstrar, que muitas das provisões para contingência, não tem como contrapeso, as contas de despesas, e sim, o ativo, direito da pessoa jurídica de receber do seu administrador, o ressarcimento por eventuais danos, oriundos de atos de abuso de poder, de direito, ou por violação da lei ou do estatuto/contrato social. O art. 148 da Lei 6.404/1976, prevê a hipótese de garantia, para o exercício do cargo de administrador, o espírito da lei é a preservação da empresa, pois nos casos de violação da lei ou do estatuo social, por parte do gestor, a pessoa jurídica pode executar estas garantias. Ou tomar outras medidas jurídicas, que visem a reparação do dano. Todo contador ou auditor, que por conluio, ocultar contingências, responde solidariamente com o administrador pelos danos.

   Diante da responsabilidade dos contadores e dos auditores, ação ou omissão, os gastos com multas, entre outras penalidades por infrações à lei, quando registrados contabilmente como despesa da pessoa jurídica, cria um balanço putativo.

   Não existe dúvida de que uma manobra contábil, ou seja, os atos de dirigir o funcionamento dos registros contabilísticos, criando despesas para ocultar obrigações do gestor de reparar danos, gera responsabilidade das pessoas que contribuíram para a prática do ilícito, seja por ação ou por omissão.

   Não existe dúvida de que a ausência dos registros das provisões para contingências passivas, é uma das formas criativas de se maquiar um balanço patrimonial, para que este fique mais “bonito” diante de uma análise de indicadores econômicos e financeiros. Serve até para ocultar os atos danosos, por culpa ou por dolo, de uma gestão temerária.

   Concluindo-se que os contadores, os membros do conselho fiscal e do conselho de administração, os auditores, os administradores, e os sócios/acionistas controladores são responsáveis pela correta informação da situação patrimonial, incluindo-se os riscos que possam gerar os passivos tidos como provisão para contingências.

[1]  As contingências trabalhistas têm amparo no regime de competência, art. 177 da Lei 6.404/1976, e na CLT, Lei 13.467 de 2017, arts. 10-A e 11, que tratam da responsabilidade do sócio retirante e da prescrição dos direitos trabalhistas.

[2]   Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

[3] Por força da teoria ultra vires, a pessoa jurídica não responde além dos poderes concedidos. Os poderes são os atos regulares de gestão, sendo os sócios administradores responsáveis pelas obrigações, resultantes dos atos praticados por excesso de poderes ou contrários à lei. Esta teoria é muito difundida na literatura, gozando de prestígio internacional em decorrência de sua importância, face a necessidade de separar as responsabilidades de um administrador das de uma sociedade.

[4] CC/2002, art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

[5]  A auditoria externa deve aplicar o máximo de cuidado e zelo, na avaliação de riscos do seu labor, no planejamento e na realização dos trabalhos, e na exposição de suas conclusões, inclusive no que diz respeito a revelar os atos ou fatos, decorrentes de problemas vinculados à desvio de finalidade da gestão, que criam as provisões para passivos contingentes. Tendo a obrigação de no mínimo, apresentar um parecer, sua opinião, com ressalva, em relação a fatos que não podem ser imputados à pessoa jurídica, como previsto no art. 47 do CC/2002.

[6]  Uma ideia falaciosa, é aquela que parte de premissas equivocadas, como a falsa expectativa da administração, de que atos contrários à lei, por ela praticados, podem ser consideradas como uma penalidade ou exigibilidade de caráter remoto ou apenas possível de ocorrerem.

i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

 

Referências:

BRASIL. Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

_____. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

_____. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.

 

Publicado em 19/06/2019.

Proposta de Honorários Periciais

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

 

    O quantum dos honorários periciais deve valorar a dignidade do trabalho do perito, independentemente de ser o perito nomeado pelo julgador ou indicado pelos litigantes, sem configurar locupletamento ilícito, além de se mostrar adequado com a natureza da demanda, responsabilidade, e a extensão do labor científico, de tal forma que seja considerado no preço do serviço, os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da epiqueia contabilística. Para assegurar o afastamento do aviltamento e do avultamento dos honorários.

   O preço justo do serviço deve remunerar adequadamente o conhecimento científico, e recuperar os custos/despesas/tributos do laboratório de perícia forense-arbitral, que são consumidos com o exercício da atividade de perito, tais como: testes, inspeções e os procedimentos de ceticismo para a busca de uma asseguração razoável em relação aos elementos probatórios entranhados aos autos.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 19/06/2019.

 

Perícia Contábil Prévia

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

 

   A perícia prévia tem a finalidade de averiguar a regularidade da documentação técnica apresentada com a inicial, além das reais condições de funcionamento da pessoa jurídica e de seu estabelecimento empresarial, a fim de assegurar ao Juiz as condições preliminares básicas e as decisões que possam garantir uma aplicação adequada da lei. Este tipo de exame tem amparo nos arts. 156 e 481 do CPC/2015.

  O escopo do labor pode revelar a existência ou não da continuidade da atividade empresarial, a regularidade ou irregularidade documental, ou a existência de fraudes, ou a inépcia da inicial por falta de suporte documental contábil hábil a demonstrar o que se pretende provar em uma perícia a posterior. Portanto, a perícia contábil prévia é deveras importante para atender ao princípio da eticidade[1] e à função social do processo, além de contribuir para que o Juiz possa sanear o feito.

[1]  O princípio da eticidade que determina que os indivíduos devem agir em boa-fé nas relações de caráter civil, porque atribui valor à dignidade do ser humano. Portanto, todos devem íntegros, leais, honestos e justos. Isso significa que o Código Civil, tem “sustentação ética”.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 04/06/2019.

Caixa Dois e a Abominável Contabilidade Paralela

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 Resumo:

  Apresentamos uma breve análise sobre evidências do uso do caixa dois, via contabilidade paralela, que envolvem crimes como evasão de tributos e danos aos sócios minoritários, credores e aos empregados.

  Pretendemos com este breve estudo, demonstrar quais são as práticas mais usuais para tal delito.

 A abordagem do tema se justifica em função do risco da violação dos princípios da “probidade”, da “função social da propriedade”, “diligência” e da “fidelidade das demonstrações contábeis”. Além da real e importante necessidade de se divulgar técnicas de percepção periciais contabilísticas, que envolvem estratégias e táticas vinculadas ao planejamento de um exame pericial e/ou exame periódico de rotina nos controles internos realizados pela auditoria.

   A pesquisa está lastreada em casos reais, onde foi detectado tal patologia, no nosso laboratório de perícia forense-arbitral, cujo resultado do exame, na maioria dos exames vinculados à apuração de haveres, indenizações, responsabilidade de gestores, entre outros análogos; foi um diagnóstico positivo para a prática do caixa dois e desvio de finalidade.

Palavras-chave: contabilidade paralela. Caixa dois. Balanço maquiado.

  1. Introdução:

   Muitas são as ocorrências do delito de caixa dois. Trata-se de um juízo de fato. Motivo pelo qual, os contadores, na busca da credibilidade dos relatos contabilísticos, estão tentando alinhar a contabilidade contemporânea à compliance, o que, por si só, indica a existência de um juízo de valor por parte dos operadores da contabilidade.

   Os administradores são pessoalmente responsabilizados pelos tributos sonegados, nos casos de abuso de poder, art. 135 do CTN. Naturalmente quem acusa, deve provar a conduta abusiva do gestor. 

  1. Desenvolvimento:

  Inicialmente consideramos deveras importante, a identificação de evidências, como sendo um paradigma para uma investigação. Naturalmente sem que com isto, seja violado o direito inalienável dos gestores e sócios controladores, a ampla defesa e o contraditório.

   O caixa dois via simulação ou dissimulação de registros contábeis, ou de forma indireta por uma contabilidade paralela, é aquela movimentação financeira feita às margens das normas da política contábil vigente, geralmente com o objetivo de burlar o fisco, enganar os sócios/acionistas minoritários, ou credores de uma forma geral.

   O delito, saldo do “caixa dois”, é gerado com a omissão do registro da receita, ou com pagamentos fictícios, que podem envolver: despesas, custos, e dívidas simuladas.

   Caracterizam-se como omissão no registro de receita e caixa “dois” ou contabilidade paralela, os seguintes fatos:

I – A existência de saldo credor de caixa;

II – A falta de escrituração de pagamentos efetuados;

III – A manutenção no passivo já pagas, ou cuja exigibilidade da dívida não seja comprovada;

IV – Depósitos bancários, cuja origem não seja: financiamentos, empréstimos, aporte de capital social, integralização de capital, desconto de duplicatas, alienações de ativos permanentes, valores decorrentes de transferência de outras contas da própria pessoa jurídica e/ou de suas coligadas ou controladas, operações de factoring entre outras hipóteses análogas e lícitas. É deveras importante o fato de que os depósitos bancários ou encaixes oriundos de intermediação de negócios ou de receita de intermediação, não constituem caixa “dois” ou a receita no seu sentido tributário;

V- Manutenção de saldos em contas bancárias e/ou investimentos não registrados na contabilidade;

VI- Pagamento de salários dos empregados fantasmas, também são fontes geradoras de “caixa dois”;

VII- A falta da emissão e registro de notas fiscais pela compra, caracteriza a omissão de receita, e manutenção de registros paralelos;

VIII- A prática de “nota calçada” ou meia nota, em que a via destinada ao registro de suas vendas figura por valor inferior ao valor real da operação, configura omissão de receitas operacionais e geração de caixa dois.

   A conciliação do extrato de uma conta bancária, com os registros do Livro Razão, são base de uma não comprovação da origem dos recursos representados por cheques ou dinheiro recebidos de terceiros, depositados em contas-correntes tituladas pela pessoa jurídica, aliada à impossibilidade de identificação das correspondentes operações na escrita contábil por ela mantida, leva a presunção, por evidências,  de que tais recursos, caixa dois,  se originaram de receitas não reconhecidas na contabilidade.

   As multas ou qualquer forma de punição pela prática de caixa dois, ou seja, as não-conformidades, cujo ato gerador tem causa no caixa dois, são originárias de culpa ou dolo, omissão ou ação deliberada do gestor de uma célula social. As multas e punições não podem ser atribuídas à pessoa jurídica, pois esta não deve ser responsabilizada por atos de desvio de conduta dos gestores e/ou sócios controladores. A ausência da fidelidade nas demonstrações contábeis, implica a quebra da personalidade jurídica dos gestores e sócios/acionistas controladores, consequentemente, com o confisco de bens para o pagamento dos danos gerados pelo delito.

   Todas as possíveis causas do caixa dois, representam uma maquiagem ao balanço patrimonial e ao balanço de resultado econômico, está maquiagem cria a figura do balanço putativo (balanço que aparenta ser verdadeiro, certo, sem o ser; suposto, reputado como fidedigno). Para a descaracterização do balanço putativo, os fatos caracterizadores do caixa dois, maquiagem, como passivos fictícios, entre outros, devem ser reclassificados para contas do patrimônio líquido, lucros/prejuízos acumulados.

  1. Considerações finais:

   O caixa dois, as multas e demais ônus devidos pelo crime de sonegação, devem ser registrados no ativo exigível a longo prazo, como um direito da pessoa jurídica de receber dos administradores, por abuso de poder e desvio de conduta. Tal opinião e certeza contabilística, fundamentam-se na teoria ultra vires e nos artigos 47[1] e 1.016[2] do CC/2002.

  A desmaquiagem dos balanços, é fato relevante e incontrovertido, para solução das questões vinculados à: distribuição disfarçada de lucros/dividendos, apuração de haveres, pedido de recuperação judicial ou decretação de falência, responsabilidade de gestores e dos sócios/acionistas controladores, registro do direito da pessoa jurídica de receber dos gestores, os desvios de recursos e multas, pagamento a empregados de participações nos lucros, e pagamento de lucros/dividendos que reflitam a situação econômica real.

 

[1]   CC/2002, art. 47: “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.” (Considerando que nos limites de poderes e atos constitutivos, não se incluem a elisão fiscal e a manutenção de contabilidade paralela, as consequências destes desvios são de responsabilidade das pessoas que administram a cédula social e não a pessoa jurídica, logo, não pode ser considerada como despesas, e sim, um direito de reaver as perdas. Interpretação do autor, logo, não consta grafado no texto original da lei).

[2]   CC/2002, art. 1.016: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”. (Considerando que as perdas em decorrência da elisão fiscal e do caixa dois, para fins do direito civil, são atos culposos, deve o administrador ressarcir tais prejuízos, pois estes são de responsabilidade das pessoas que administram a cédula social e não as pessoas jurídicas, logo, não podem ser consideradas como despesas, e sim, um direito da pessoa jurídica de reaver as perdas. Pois, em caso contrário, estaríamos prestigiando a locupletação sem causa. Esta interpretação é do autor, logo, não consta no texto original da lei).

[i] Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br; Bacharel em Ciências Contábeis, Mestre em Direito, Perito Contador; Auditor, Consultor Empresarial, Palestrante, especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias, escritor de várias obras de contabilidade e direito e pesquisador de matéria contábil, professor-doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10.01.2002. Brasília, DF: Senado, 2002.

Publicado em 04/06/2019.