“Valuation” do “Goodwill” pelo Fluxo de Caixa Descontado
Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]
A pergunta: é possível, tecnicamente, avaliar o goodwill-fundo de comércio pelo fluxo de caixa descontado em casos de apuração de haveres?
É deveras relevante demonstramos porque é inadequado o uso do fluxo de caixa descontado para procedimento de valuation do fundo de comércio, como segue:
- É um procedimento contra a ordem jurídica, pois a corte superior, STJ Recurso Especial 1.335.619 – SP (2011/0266256-3), já decidiu pela sua não aplicação;
- É contra a Lei, art. 606 do CPC, prevê a avaliação na data base da resolução da sociedade em relação ao sócio, e não em data futura;
- Integra o valor devido ao sócio, aqueles existentes até a data base da resolução, não participando este sócio em lucros futuros, geração de caixa, perdas futuras ou resultados criados após a resolução da sociedade, pois o sócio retirante, deixa de ser sócio e passar a ser devedor ou credor na data da sua saída, nos termos do art. 608 do CPC;
- A doutrina clássica de Lopes de Sá[1], brada que é inadequado a avaliação do intangível fundo de comércio pela métrica fluxo de caixa descontado;
- Matérias técnicas sobre o tema, como o de Ornelas[2], alertam para o não uso do fluxo de caixa descontado;
- Desde o ano de 1900, é público e notório que o aviamento-fundo de comércio é lucro, como menciona Fabio Besta[3], que está confirmado por Hoog[4], e destacado por Nallis[5] e por Calmon[6], entre muitos outros doutrinadores que compõe a escol.
- Inovar artificialmente os fatos cientificamente consagrados com o uso da torpeza, para confundir geração de superlucros com geração de caixa, com o estabelecimento empresarial, ou com a figura do ágio, representa a abominável indução ao erro por ilusionismo, já que a ordem jurídica não chancela exercício jurídico inadmissível (art. 187 do CC/2002);
- É ilógico a avaliação por fluxo de caixa descontado, quando na essência o fundo de comércio é excesso de lucros e nunca foi excesso de geração de caixa, portanto, o fluxo de caixa descontado é inadequado para precificar o fundo de comércio-goodwill em situações, tais como: rescisão de contrato de locação não residencial, apuração de haveres e indenizações, entre outras hipóteses. Utilizar critério de geração de caixa em substituição à geração de superlucros, é um epistemicídio contabilístico, pois ultrapassa os limites aceitáveis de uma ideologia científica ou a simples existência de erro não intencional, ou seja, o fluxo de caixa descontado é uma métrica inadequada para precificar o fundo de comércio-goodwill, e representa uma falácia por partir de uma premissa equivocada. A premissa equivocada, é confundir os conceitos de geração de lucro com o de geração de caixa.
A essência da prova pericial contábil, diagnóstico de um laboratório de perícia, sobre os aspectos corretos da valorimetria do intangível fundo de comércio-goodwill, à luz da Teoria Geral do Fundo de Comércio, representa a exposição tecnicamente precisa de um acontecimento, ato ou fato patrimonial. Pois temos como critérios adequados, no mínimo dois, o método holístico, e o método anglo saxão para uma avaliação cientificamente correta do goodwill-fundo de comércio.
A valorimetria do fundo de comércio possui duas facetas que representam as paridades de armas pelas diferentes posições e objetivos econômicos das partes envolvidas em uma tese e antítese jurídica. Sendo o papel dos peritos em contabilidade, independentemente de ser o nomeado pelo juízo ou serem os indicados pelas partes: analisar as evidências com o foco da ciência da contabilidade, e sobre elas dizer a essência da verdade.
Não se ignora a distinção entre apuração de haveres com o balanço de determinação, e alienação de ações com o fluxo de caixa descontado, pois a luz da ciência, são duas coisas assimétricas[7], logo, distintas na literatura:
- A venda das ações a terceiros, é fato permutativo que não altera o patrimônio líquido, apenas permuda o titular das ações; e possui segurança para quem compra, com a utilização concomitante com earn-out[8] e escrow[9], que são importantes âncoras, pois trazem uma proteção ao negócio contábil-jurídico, que possibilita correção do erro substancial de precificação do FCD que é de 83%. Estes conceitos de earn-out e escrow estão pulicados na literatura especializada em valuation[10]. A alienação de ações é um fato contábil-jurídico que possui amparo na lei da livre oferta e procura;
- E a saída de um sócio, resolução da sociedade em relação a um sócio, nos termos da “Seção V do Capítulo I do Título II do Livro II do CC/2002”, com redução do patrimônio líquido. Qualquer dúvida sobre a efetiva redução do capital e a saída de dinheiro da sociedade, pode ser solucionada pela leitura dos parágrafos 1º e 2º do art. 1.031 do CC/2002. A resolução da sociedade é um fato contábil-jurídico considerado como um direito potestativo.
[1] SÁ, Antônio Lopes de. Fundo de Comércio Avaliação de Capital e Ativo Intangível Doutrina e Prática. Curitiba: Juruá, 2007. p. 226.
[2] ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de. Artigo científico denominado: Impropriedade da Adoção do Fluxo de Caixa Descontado em Procedimento Judicial de Apuração de Haveres, publicado em <http://www.contadoresforenses.net.br/lista_trabalhos_tec/traba
lhos_tec/A%20impropriedade%20do%20fluxo%20de%20caixa%20descontado%20em%2
0apuracao%20de%20haveres.pdf>. Consulta efetuada em 25 de fevereiro de 2021 às 14 horas.
[3] “O valor do aviamento de um negócio singular ou de uma empresa no seu conjunto é essencialmente igual ao valor atual do excesso dos lucros que, na hipótese de uma administração normal, dirigida por energias físicas, de vontade e inteligências normais, comuns, possam ser esperados ou presumidos de capitais investidos efetivamente no negócio ou empresa, sobre os lucros médios que costumam produzir capitais empregados […] em outros negócios ou empresas similares ou análogos, mas em condições comuns, não privilegiadas.” HERRMANN JR., Frederico. Contabilidade superior: teoria econômica da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 181.
[4] “Aviamento ou o fundo de comércio é o atributo ou capacidade de um estabelecimento empresarial de produzir um superlucro. Dizer que o fundo de comércio é superlucro representa um pleonasmo.” HOOG, Wilson Alberto Zappa, et al. Valuation: Manual de Avaliação. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2017, p. 230.
[5] “Pode-se conceituar com alto grau de segurança que o fundo de comércio é um excesso de lucro (superlucro) alcançado através da sinergia empresarial impulsionada pela gerência sobre os elementos corpóreos e incorpóreos que influenciam diretamente na atividade empresária”. NALLIS, Aran Aparecido Frutuoso, disponível em: https://arannallis.jusbrasil.com.br/?_gl=1*tfrjb5*_ga*NzM5Mjc5ODY0LjE3MTMyNzYwNjg.*_ga_QCSXBQ8XPZ*MTcxMzI3NjA2OC4xLjAuMTcxMzI3NjM0MS42MC4wLjA, acesso em 28 de junho de 2024.
[6] “O fundo de comércio é considerado patrimônio incorpóreo, sendo composto de bens como nome comercial, ponto comercial e aviamento, entendendo-se como tal a aptidão que tem a empresa de produzir lucros.” REsp. 704.726/RS – Relª. Minª. Eliana Calmon – 2ª T – j. em 15.12.2005 – DJ 06.03.2006 – p. 329.
[7] A “assimetria” tem consequências importantes num procedimento de valoração do corpo probandi doutrinário, no que se refere a um sistema de investigações científicas.
[8] O acordo denominado de earn-out, é estabelecido entre as partes cujo pagamento é feito pelo comprador ao vendedor depois de se atingir certas metas de desempenho após a venda. Esta forma de acordo determina que parte do valor da empresa esteja lastreado em metas e pagos após a eliminação de riscos.
[9] A existência da conta escrow visa salvaguardar eventuais riscos de contingências futuras eventualmente não previstos no fluxo de caixa descontado.
[10] HOOG, Wilson Alberto Zappa; CARLIN, Everson Luiz Breda. Valuation: Manual de Avaliação. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2017, p. 184.
[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares, doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que já atingiram a marca da 17ª edição.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 28 de junho de 2024.
BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm, acesso em 28 de junho de 2024.
HERRMANN JR., Frederico. Contabilidade superior: teoria econômica da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 181.
HOOG, Wilson Alberto Zappa, et al. Valuation: Manual de Avaliação. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2017, 336 p.
NALLIS, Aran Aparecido Frutuoso, disponível em: https://arannallis.jusbrasil.com.br/?_gl=1*tfrjb5*_ga*NzM5Mjc5ODY0LjE3MTMyNzYwNjg.*_ga_QCSXBQ8XPZ*MTcxMzI3NjA2OC4xLjAuMTcxMzI3NjM0MS42MC4wLjA, acesso em 28 de junho de 2024.
ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de. Artigo científico denominado: Impropriedade da Adoção do Fluxo de Caixa Descontado em Procedimento Judicial de Apuração de Haveres, publicado em <http://www.contadoresforenses.net.br/lista_trabalhos_tec/trabalhos_tec/A%20impropriedade%20do%20fluxo%20de%20caixa%20descontado%20em%20apuracao%20de%20haveres.pdf>. Consulta efetuada em 25 de fevereiro de 2021 às 14 horas.
REsp. 704.726/RS – Relª. Minª. Eliana Calmon – 2ª T – j. em 15.12.2005 – DJ 06.03.2006.
SÁ, Antônio Lopes de. Fundo de Comércio Avaliação de Capital e Ativo Intangível Doutrina e Prática. Curitiba: Juruá, 2007.
As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.
Publicado em 03/08/2024.