Discovery [Descoberta] como um Meio de Prova que se Admite na Arbitragem

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

Resumo:

    Apresentamos uma breve análise, vantagens, desvantagens e o uso e costume, em relação ao meio de prova denominado de Discovery nas demandas que transitam na arbitragem. O moderno instituto da Discovery, como meio de prova vem tomando relevância no âmbito da arbitragem, uma vez que este prestigia a verdade real na medida em que as partes passam a ter um livre e irrestrito acesso aos meios legais para provar a verdade dos fatos em que se funda a ampla defesa e o contraditório e influi eficazmente na convicção dos Árbitros.

Palavras-chave: Prova na arbitragem. Discovery [descoberta]. Arbitragem.

 

Desenvolvimento:

    A filosofia arbitralista busca por meio de um raciocínio lógico demonstrar as explicações e interpretações da composição do moderno mecanismo de prova denominado discovery.

    O Árbitro tem o amplo e irrestrito papel na condução e decisão em relação às provas, além do poder de julgar e dirigir o processo. Portanto, pode dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica e adotar em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

    Porém, acreditamos que, quiçá, o ponto mais delicado esteja na avaliação da prova, por envolver os princípios da unidade e persuasão racional, sendo que o princípio da unidade diz que, embora produzida através de diversos meios, a prova deve ser analisada como um todo, e o princípio da persuasão racional relaciona-se com a liberdade de convicção do Árbitro, mas obriga-o a fundamentar a sua decisão. Naturalmente, não pode um Árbitro cercear o direito de se fazer uma prova, ou de as partes exercerem a liberdade de pedir e de contestar.

    Os meios de provas que se admitem na arbitragem, são muitos, mas neste artigo abordaremos apenas a discovery [descoberta], conforme segue:

    Defendemos que o instituto, discovery, representa um meio de prova produzido por ordem do Tribunal, a pedido de uma parte ou por determinação do Árbitro, quando os fatos e documentos não são oferecidos voluntariamente.

    GORGA[1] faz menção ao discovery quando trata de:

Num exame do sistema judicial americano de Discovery. Esse sistema permite investigação minuciosa e produção de provas sobre atos, operações, conflitos e fraudes societárias, a partir da averiguação dos fatos, pautada em busca ampla de documentos relevantes para a controvérsia e de testemunhos extrajudiciais.

    Defendemos em nossa doutrina[2] que a figura da discovery vem ampliar as possibilidades probatórias das partes, protegendo e garantindo uma ampla e irrestrita inspeção e verificação dos atos.

     Discovery caracteriza-se pela possibilidade de qualquer uma das partes livremente analisar exaustivamente a documentação da parte contrária. Permitindo-a recolher informações de todo e qualquer documento para se demonstrar a verdade real.

    O procedimento da descoberta visa exatamente identificar a situação documental mais forte que deverá embasar um pedido ou a contestação. É o sistema que de certa forma não está restrito ao costume da civil law, pois busca em uma prova a descoberta da verdade material, mediante uma prestigiada, ampla e irrestrita descoberta, o direito à prova.

    Num regime de civil law, como o sistema normativo do direito processual brasileiro, gera um espanto a figura da discovery, sendo, aliás, muito difícil de se aceitar pacificamente a sua aplicação na tramitação processual arbitral, por ser considerado por alguns, como uma invasão da privacidade. Motivo pelo qual, a sua utilização só acontecerá se as partes e o Árbitro forem simpáticas as regras de common law[3], e adeptos a uma Justiça justa sem embaraços, apesar de que este tipo de prova tem um custo significativo e pode gerar uma morosidade ao processo arbitral, que pode ser considerado incompatível ao tempo previsto para o processo arbitral.

    Lealdade e ética nas relações comerciais, sociais, e nas soluções de controvérsias são atributos da solidariedade e do dever de colaborar com a descoberta da verdade. Estes valores justificam o procedimento da descoberta que lastreia o respeito aos interesses alheios.

    Portanto, o conteúdo probatório dos documentos colhidos no procedimento da descoberta pode demonstrar que a outra parte dispunha das provas, objeto da arbitragem, assim sendo, proibir os procedimentos da descoberta é um flagrante, violação aos preceitos e valores brasileiros da solidariedade art. 3º, inc. I da CF. Ressalta-se, ainda, que aos litigantes, em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inc. LV da Constituição Federal).

    Consoante às regras da ética e lealdade aplicáveis a arbitragem, ninguém se exime do dever de colaborar com Árbitro para o descobrimento da verdade, portanto, são deveres das partes e das testemunhas e todos aqueles que, de qualquer forma, participam do processo, expor os fatos conforme a verdade, agindo com lealdade e boa-fé. Esta regra de conduta é o mínimo que se pode esperar das partes.

    Vê-se à luz da ética e da solidariedade, que a abertura para o instituto da descoberta, pode gerar efeitos favoráveis ao Árbitro e a parte interessada na apuração da verdade real. Afinal, o sigilo, nesse caso de se fazer prova e demonstrar a verdade real, seria antijurídico pela sua finalidade.

    A ética e a moral têm um laço indivisível com a boa-fé e a confiança no exercício das relações comerciais e jurídicas, na qual habita o dever ético inalienável de cooperação com a outra parte.

    Nesse sentido é que a descoberta vem em benefício da verdade e do julgamento, o que por si só justifica a sua admissão no processo arbitral, deste modo, mesmo que relevante e prestigiado seja o sigilo, certos documentos, obtidos pela via da descoberta, podem ser admitidos no processo de arbitragem, uma vez que o choque dos princípios fundamentais militam em favor dos interesses de Justiça e do Árbitro, e não em defesa da própria impudicícia da parte recalcitrante, ou seja, não é em defesa da própria honra de um teimoso.

    A despeito de que, para os interesses de Justiça, aqui citados, destacamos que para a categoria “Justiça” temos a seguinte posição: é um ideal, uma utopia, que quiçá, para se compreender, seja necessário o auxílio da metafísica[4].

    Platão, na República, no capítulo dedicado ao problema ético, nos transmite a palavra de seu mestre Sócrates, quando afirma que há apenas três coisas valiosas no mundo: “A Justiça, a Verdade e a Beleza. E nenhuma delas poderá ser definida a contento.”

    Pois, a Justiça, será que significa dar a cada um o seu merecido? E como se mede esse merecimento? O que recebe, crê que foi pouco e o que dá, pode achar que é muito. Até porque a Justiça se faz entre iguais, e os homens não são iguais entre si. Como se vê, há mais de dois milênios o homem procura a resposta para o que é Justiça.

    Sabe-se que Justiça é diferente da legislação positiva em normas, e que as normas, possuem lacunas e se espera que na “Justiça”, não exista lacuna e muito menos silêncio eloquente. Admite-se ainda para a figura da Justiça, os aspectos que a caracterizam: é cega, para poder  ser isenta e imparcial, labuta com uma balança, para poder  ter discernimento para avaliar as provas apresentadas e a verdade formal criada pela dialética; e utiliza-se de uma espada, para exercer o poder de coerção de sua decisão quando diz o direito e as obrigações das pessoas.

    O moderno instituto da discovery como meio de prova, quiçá, seja considerado por poucos, como um paradoxo.

    Paradoxo tem o sentido de que é ou parece contrário ao comum, por ser uma prova que aparentemente vai de colisão ao sistema do civil law, ou aos pressupostos que no Brasil se impuseram como incontestáveis aos meios de provas, pelo menos na aparência, e apesar disto, ser aparentemente contrária, é, no entanto, à luz da lógica e da filosofia, um meio de prova legítimo, verdadeiro e absolutamente necessário.

    E por este viés, conclui-se que se trata de um paradoxo semântico no sistema de provas, pois o sigilo de dados confidenciais, de modo não explícito, confunde os conceitos e suas referências, como por exemplo, o fato de que o direito ao sigilo impede a verificação ampla de informações que está em poder da outra parte, logo, a proteção pela via do sigilo, é legislação hábil para restringir o direito a ampla e irrestrita análise para se escolher e apontar livremente os meios para a produção de provas, logo, quem atua de forma ilícita, fica protegido pela sua própria torpeza diante do sigilo de seus documentos e o direito a sua privacidade. Claro que isto é uma falácia, pois ninguém pode ser cerceado no seu direito de fazer prova e demonstrar a verdade real. Uma vez que a plenitude da ampla defesa e o seu oposto o contraditório, com todos os meios a elas inerentes, onde incluímos a equidade, são inseparáveis e fundamentais para se buscar um procedimento arbitral justo e apto a dizer o direito e as obrigações das pessoas.

    A prova pelo meio da descoberta, titulada como um paradoxo, preenche a lacuna atualmente existente nos meios de provas, pois busca conferir uma maior liberdade às partes na demonstração da verdade real, e promove uma mudança de paradigmas e de cultura na sociedade em prol da equidade aplicada na arbitragem.

[1]  GORGA, Érica. Sistema Judicial de Discovery permite publicidade da investigação e aperfeiçoa governança. Revista Capital Aberto. Ago.2013.

[2]    HOOG, Wilson Alberto Zappa. Produção de Provas na Arbitragem. Curitiba: Juruá. 2014. p. 46/49.

[3]  Common law – [do inglês: direito comum] representa a voz do Juiz que diz o direito dos litigantes. Desenvolveu-se por meio das decisões dos Juízes e não mediante normas criadas pelo legislativo, constitui, portanto, um sistema jurídico diferente do civil law que enfatiza os atos legislativos. Nos sistemas de common law o direito é criado ou aperfeiçoado pelos Juízes e indica uma influência extralei para casos em especial, onde é necessário flexibilizar a aplicação da lei, ou seja, a demanda é analisada principalmente de acordo com outros casos semelhantes, a jurisprudência e a doutrina, e quando não existe um precedente na jurisprudência, o julgador cria. Esta possibilidade decorre da semântica e da evolução natural do direito aplicada ao mundo contemporâneo.

[4] Metafísica – [meta significa além, e physis significa física] e tendo como referente as contribuições do filósofo Aristóteles (século IV a.C.), é a filosofia primeira, ciência das causas primeiras, dos primeiros princípios e da finalidade de tudo o que existe. E o seu objeto de estudo vai além da natureza do mundo físico, pois, em sua forma clássica, trata dos problemas centrais da filosofia, uma vez que são tentativas de se descrever os fundamentos, as condições, as leis naturais, a estrutura básica e primeira das coisas e do ser humano, bem como, o sentido e a finalidade da realidade como um todo. A metafísica, talvez, algum dia, possa explicar a essência e a razão fundacional do mais desejado e prestigiado serviço, a Justiça, respondendo a questão, o que é Justiça?

Publicado em 27/05/2015.