Factoring e a Perícia Contábil
Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog
Resumo:
O artigo apresenta de forma sucinta as operações de factoring e suas implicações, que resultam em auto de inspeção pericial; perícia contábil para se apurar eventuais descaracterizações da operação de factoring, ou qualquer forma de irregularidade, que necessite de uma verificação contábil, quando se busca a certificação de regularidade da operação e seus registros contabilísticos.
E com este referente, tratamos dos cuidados que o perito contador deve ter em relação às interpretações das operações de factoring, em especial o sentido e alcance deste tipo de negócio jurídico.
Palavras-chave: Factoring. Perícia contábil. Fomento mercantil. Ilícito administrativo.
Desenvolvimento:
Como a origem das operações de fomento mercantil tem-se:
Etimologicamente, factoring, verbete de origem latina, sobrevém do verbo facere. O exercício dessa atividade remonta ao Império Romano, quando o factor (hoje, agente de fomento mercantil) encarregava-se de colher informações acerca do padrão creditício dos comerciantes de sua região para transmiti-las a outros comerciantes, além de receber e armazenar mercadorias e fazer cobranças, tudo mediante remuneração[1].
A atividade de factoring coloca à disposição do mercado, serviços não creditícios, como a compra de cambiais[2], incluindo a administração financeira. Assim, o fomento mercantil provê os recursos necessários ao giro dos negócios dos seus clientes. Sendo que essa operação de factoring não se caracteriza como operação de crédito, pois o alienante não busca um crédito, mas uma antecipação de recebimento de um crédito que já compõe o seu ativo.
Conceituamos a operação de factoring como a operação comercial pela qual uma azienda produtora de bens ou serviços transfere seus créditos a receber, resultante de vendas a terceiros, a uma empresa (atividade) de fomentos mercantis, que assume as despesas de cobrança e os riscos de inadimplência.
Observe-se que o conceito econômico-jurídico do fomento mercantil não gera confusão entre as atividades relativas ao factoring e aquelas praticadas pelas instituições financeiras.
Defendemos que nas operações típicas de fomento não existe tributação relativa ao ISS[3] e ao IOF[4], pois não são operações de créditos e sim, compra de títulos (cambiais). E em relação ao imposto sobre serviços, destacamos a solução de consulta[5] feita no Distrito Federal em 2009. Porém, para efeito dos serviços de administração financeira, este deve ser oferecido à tributação do ISS. Incidem sobre as atividades de fomento mercantil os seguintes tributos e contribuições: IR, CSSL, PIS, Cofins, CPMF e IOF. Em nossa opinião, discute-se a legitimidade da cobrança do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras, Câmbio e Seguro, e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários), pois nas factorings inexiste a captação de recursos ou qualquer outra forma de intermediação de recursos.
As factorings, pela sua essência, não realizam operação de crédito, sendo isso proibido, pois é característica das instituições financeiras, logo, os negócios efetivados nas empresas de fomento mercantil não se incluem entre as operações relativas a títulos e valores mobiliários por não serem operações de crédito. A tributação das operações resultantes de venda de direitos creditórios poderá ser considerada inconstitucional[6], pois o imposto instituído deverá incidir exclusivamente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (CF, art. 153, inc. V), não estando, dessa maneira, abrangidas as operações mercantis de compra e venda à vista de direitos creditórios tidos como cambiais.
A ação de ilícito administrativo tem como base o art. 44 da
Lei 4.595/1964, e o do ilícito criminal, o art. 16 da Lei 7.492/86 e Resolução 2.144/95 do Conselho Monetário Nacional, onde os crimes de ilícitos, simulação de sistema financeiro, são:
a) intermediar recursos de terceiros;
b) fazer empréstimos com garantias;
c) descontar[7] cheques pré-datados ou cambiais;
d) efetuar crédito direto ao consumidor;
e) administrar consórcios;
f) realizar operações de créditos imobiliários;
g) captar de recursos no mercado;
h) oferecer e operar mútuos ativos ou passivos, em conta-corrente de empréstimos com ou sem emissão de cheques.
A cedente, pessoa que vende o título à factoring, se responsabiliza civil e criminalmente pela veracidade, legitimidade e legalidade do crédito cedido, respondendo pelos vícios redibitórios.
A operação de compra e venda de papéis de crédito comercial é idônea e tem sustentação técnica, arts. 191 usque 220 do revogado Código Comercial, conjugado com o art. 1.126 do CC/1916, além de uma farta documentação contábil que é regida pelas resoluções do Conselho Federal de Contabilidade.
As operações de factoring implicam a venda do título, onde o comprador assume todos os riscos de inadimplência. O contrário de desconto de duplicatas, onde o vendedor continua com os riscos da inadimplência, ilícito administrativo e criminal, e o comprador com as garantias de devolução do título, o que caracteriza um desconto de duplicata, operação exclusiva de instituição financeira autorizada pelo Bacen.
É possível encontrar entendimento diverso, em que o comprador não assume todos os riscos, como a solvência, desde que pactuado, por força do art. 296 do CC/2002. A nossa opinião quanto a esse entendimento diverso é que se trata de uma mera especulação, pois, se fosse possível, estaria se desvirtuando o instituto da factoring.
As perícias versam normalmente sobre a simulação ou sobre a dissimulação[8] de operações de factoring e indenização por danos. Além da prática de ilícitos administrativo e criminal, os peritos judiciais e os peritos assistentes, necessariamente têm que manter em foco:
I – Que as obrigações por atos ilícitos eram reguladas pelo CC/1916, arts. 1.518 a 1.532, atualmente temos os arts. 186 a 188 e 927 ao 954 do CC/2002, sendo a sua leitura recomendada e estudo obrigatório para o planejamento de parecer técnico usado para embasar a inicial ou a contestação, e também, quando da consultoria contábil junto aos advogados das partes, no momento da apresentação dos quesitos;
II – Que o cedente do título se responsabiliza civil e criminalmente pela veracidade, legitimidade e legalidade do crédito cedido, respondendo pelos vícios redibitórios;
III – Que, entre as atividades típicas das sociedades de factoring, temos a prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria e consultoria creditícia, intermediação de gestão de crédito, seleção de riscos, de acompanhamento de contas a receber e a pagar, administração financeira, todas dentro do campo da incidência do imposto sobre serviços, e aquisição de títulos de créditos oriundo de venda mercantil ou de prestação de serviço que está fora do campo de incidência do ISS;
IV – Que as operações de fomento mercantil realizadas com as cambiais deverão conter o endosso em preto;
V – O contrato de fomento mercantil tem como partes o cedente – endossante; a sacadora, uma pessoa jurídica; a cessionária – endossatária; a sociedade de fomento mercantil. E também, que a devedora sacada deverá ser notificada da cessão havida;
VI – As receitas operacionais das sociedades de fomento podem ter a seguinte composição:
- comissão de prestação de serviço;
- deságio na aquisição de cambiais;
- consultoria, assessoria financeira.
VII – A factoring é uma atividade lícita, que funciona como uma alternativa para alavancar a marcha de crescimento da economia brasileira;
VII – Aspectos do registro contábil na empresa de fomento mercantil:
- A formalização do ato tem como suporte o contrato de fomento, “Cessão de Crédito”.
Lançamentos Contábeis:
- Quando da compra do título:
Débito: Cambiais a receber, pelo valor do título, exemplo R$ 10.000,00.
Crédito: Banco-Conta movimento, pelo valor líquido liberado, exemplo R$ 9.000,00.
Crédito: Receitas de títulos de crédito a realizar (redutora do ativo circulante), pelo valor integral do deságio, exemplo R$ 1.000,00.
Nos demais aspectos, devem ser obedecidas as normas gerais de escrituração contábil das resoluções do Conselho Federal de Contabilidade.
E da legislação fiscal, quando da baixa por não recebimento.
E da legislação comercial e civil para a execução das cambiais, no caso de inadimplência, ação de execução, ou insolvência do sacado, pedido de falência.
- Quando do vencimento das cambiais, ou reconhecimento das receitas proporcionais:
Débito: Receitas de títulos de crédito (ativo circulante).
Crédito: Receitas de deságio de cambiais (resultado).
- Quando do recebimento das cambiais:
Débito: Banco ou Caixa.
Crédito: Cambiais a receber (ativo circulante, disponibilidades).
Daí conclui-se que os empresários dispõem de diversas ferramentas para alavancar e agilizar o fluxo de caixa, como: venda, financiamento de capital de giro, descontos de duplicatas, venda de cambiais/factoring, mútuos etc. Dessa forma, não se pode olvidar a legitimidade do sistema. O que deve prevalecer de forma cristalina e nítida é a marca robusta da divisão entre as instituições de crédito autorizadas pelo Banco Central, as empresas de factoring e os malfadados atos ilícitos e agiotagem e estelionato.
Lucca[9] apresenta uma visão deveras interessante sobre as factorings no Brasil. No seguinte sentido:
Notável, igualmente, a forma com que enfrentou as mais delicadas questões, mostrando, de forma argutada, que algumas operações eufemisticamente denominadas de factoring são algo muito diverso do que seu nome se propõe a designar, como se observa pelo seguinte trecho: “Infelizmente, pseudoempresas de factoring, cobrando juros extorsivos e exigindo garantias abusivas para a compra dos títulos, além de sujeitar-se à lavagem de dinheiro, têm contribuído para que o instituto do factoring doméstico seja deturpado no Brasil e, assim, muitas vezes vinculado às ações criminosas neste país”.
Objetivo da Perícia:
Os serviços ou compra de crédito são ou não, atípicos à função de empresa de factoring, ou esta cometeu ilícito por exercício ilegal da atividade, privativa da instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central.
Os peritos devem ter como alvo o fato de que as instituições financeiras exercem as funções de captação, empréstimos, câmbio, cobrança, desconto de duplicatas, e são controladas pelo Banco Central, e as empresas de factoring, por força da prestação de serviço ou de contrato de fomento mercantil, atendem seus clientes com recursos próprios, adquirindo os créditos mercantis.
Via de regra, os bancos captam recursos e os emprestam, cuja operação é regida pelo direito financeiro bancário, o que os advogados chamam de operação pro solvendo; já as empresas de factoring compram os direitos creditícios assumindo-os ativa e passivamente, exceto o direito de regresso por vício de origem. A operação é regida pelo direito mercantil. É o que os operadores do direito chamam de pro soluto.
O presente artigo representa uma cópia in verbis do nosso livro Prova Pericial Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2012, tomo 17.5 -Ação de Ilícito Administrativo e Ilícito Criminal (Factoring simulando Sistema Financeiro).
E por fim, a factoring é uma atividade comercial mista atípica (serviços + compra de créditos mercantis). É legal, autorregulamentada, desde que observadas as normas ético-operacionais balizadas pelo direito legislado vigente no País e consiste, basicamente, na cessão de uma carteira de duplicatas (ou parte dela), mediante a cobrança de deságio e comissão pelos serviços prestados por parte da faturizadora (empresa comercial adquirente dos títulos), que assumirá os riscos, exceto quando houver vícios de origem, tais como: prorrogações de vencimentos, títulos falsos, devoluções etc.
[1] SILVA, Luiz Antônio Guerra da; GONÇALVES, Valério Pedroso. Operações de factoring e a incidência de IOF: a tributação do IOF sobre as operações de factoring. Revista Jurídica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: set. 2006.
[2] CAMBIAIS – é referente à letra de câmbio e a outros títulos endossáveis de efeitos jurídicos semelhantes, como: a nota promissória, duplicata, debênture, warrant e o cheque pré-datado. O cheque que não foi pré-datado (com data futura para saque), não é título de crédito, e sim, ordem de pagamento à vista.
[3] Na operação mercantil de compra de uma cambial, com pagamento à vista, não existe prestação de serviço e sim, aquisição de um ativo.
[4] O IOF é imposto de competência privativa da União Federal, nos termos do disposto no art. 153, inc. V, da CF. A Lei 5.143/66, que instituiu o IOF dispõe, em seu art. 1°, a incidência sobre as operações de créditos e seguro, realizadas por instituições financeiras e seguradoras. Sendo que a controvérsia está na Lei 9.532/97, alterando a norma vigente sobre a matéria: “Art. 58. A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer as atividades relacionadas na alínea “d” do inc. III do § 1º do art. 15 da Lei 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários – IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras”.
[5] Solução de Consulta SEF 78/2009 – ISSQN – OPERAÇÃO DE FACTORING – CORRETA BASE DE CÁLCULO “Solução de Consulta 78/2009 – Distrito Federal – Brasília – Nas operações de faturização (factoring) não se inclui na base de cálculo do ISS o valor referente ao diferencial entre o valor de compra do título e o valor recebido do devedor”.
[6] Assim se posicionou o Dr. Juiz Lourival Gonçalves de Oliveira nos autos do Mandado de Segurança 1998.38.007896-9/MG; “A operação de factoring não se caracteriza operação de crédito, no sentido e fim desejados pela Constituição Federal e CTN, porque o alienante não busca, necessariamente, um crédito, mas uma antecipação de recebimento de um crédito que já é seu”. Por isso, infundada, também à luz do Código Tributário Nacional, a tributação do IOF sobre as aquisições de direitos creditórios.
[7] Descontar o cheque, atividade bancária, não significa comprar o cheque, pois quem compra, empresa de factoring, assume o risco do não recebimento e quem desconta não assume o risco do não recebimento.
[8] A dissimulação não se confunde a simulação, pois são dois atos distintos entre si. Neste sentido, escreve Diniz (DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil Anotado. In: FIUZA, Ricardo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 169): “Dissimulação e simulação: Não há que confundir a simulação com a dissimulação. A simulação provoca falsa crença num estado não real; quer enganar sobre a existência de uma situação não verdadeira, tornando nulo o negócio. A dissimulação oculta ao conhecimento de outrem uma situação existente, pretendendo, portanto, incutir no espírito de alguém a inexistência de uma situação real”.
[9] Dr. Newton de Lucca – Desembargador Federal do TRF da 3ª Vara, quando da apresentação da obra: Factoring no Brasil e na Argentina – Análise Histórica, Estrutural e Funcional Estudo de Direito Comparado, Convenção de Otawwa Unidroit. Autor: Rogério Alessandre de Oliveira Castro, Juruá, 2009.
Publicado em 37/07/2013.