Não Pode o Perito-Contador Judicial Gerar Provas, e sim, Examinar ou Inspecionar as Coisas, os Documentos e os Livros.

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

Resumo:

     Considerando que não é atribuição do perito nomeado pelo juiz, gerar provas documentais, ou juntar documento ou cópias de livros contábeis aos autos, e sim examinar ou inspecionar coisas e documentos pelo viés da ciência e de tecnologias contábeis; apresenta-se uma breve análise sobre a prova pericial contábil, a partir das informações contidas no CPC e de acordo com nossas experiências como auxiliar de juízes.

 Palavra-chave: Prova pericial contábil. Inspeção judicial. Art. 431-A do CPC.  Art. 429 do CPC.

Desenvolvimento:

    A petição inicial[1] deve indicar, por força do inc. VI do art. 282 do CPC, as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. O art. 295 do CPC enumera as hipóteses em que uma petição será considerada inepta. Pode uma prova contábil, indicada na inicial, ser realizada em documentos que se acham em poder da parte contrária, em sintonia com o inc. III do art. 356 do CPC. Pois o juiz poderá não admitir a recusa da apresentação de documentos, por força do art. 358 do CPC. E o juiz, a princípio, também não pode admitir o depósito ou a juntada de livros contábeis em cartório, por força do art. 1.191 do CC/2002[2]. Pois esses livros não devem ser retirados do estabelecimento a que pertencem, e o seu exame por um perito deverá ocorrer sempre na presença do empresário ou do representante da sociedade empresária.

   Uma polêmica jurídica pode surgir, quando a inicial não estiver lastreada com os documentos essenciais e necessários à demonstração do direito que se pleiteia. Possibilitando com isto, que o pedido seja considerado inepto.

    A polêmica está no fato de que durante a prova pericial contábil, o perito poderá trazer aos autos esses documentos, se assim o solicitar, por força de sua alçada, que está delineada no art. 429 do CPC. Suprindo com isso a inépcia inicial, por ausência documental, da peça vestibular, e gerar prova documental no curso da perícia. Pois ao perito, salvo melhor juízo, não cabe gerar prova documental ou juntar documento ou cópias de livros contábeis aos autos, mas sim, examinar ou inspecionar coisas e documentos. Lembrando que o perito “poderá” solicitar, pois não está grafado no art. 429 do CPC, que o perito “deverá” solicitar.

Contudo, por força do art. 302 do CPC, cabe também ao réu o direito de se manifestar, precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, inclusive, presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados pelo réu, até mesmo, pode o réu; CPC, art. 301, apontar uma inépcia da inicial por falta de documento.

    O detalhamento da prova pericial é fundamental, pois cada área (contas a pagar, a receber, ativo fixo, lucro cessante e etc.) pode exigir exames específicos, impossíveis de serem previstos por leigos em contabilidade, como é caso dos juízes e dos advogados.

    De maneira mais equitativa, a participação dos litigantes, por intermédio de seus assistentes, na formação do conjunto probatório dos autos, somente ocorrerá se puderem eles acompanhar a sua produção, por ser este o espírito do CPC, art. 431-A. Pois o direito da parte de designar um profissional para acompanhar a perícia e sobre ela emitir o seu próprio laudo esvaziar-se-ia, uma vez que, não estando o seu assistente presente no momento da produção da prova (exame documental, inspeção, vistoria etc.), ao assistente técnico restaria apenas o papel de mero intérprete do laudo pericial produzido pelo perito do juízo[3].

    A norma posta no art. 431-A do CPC cria a possibilidade de um espancamento científico pela discussão no que tange à prova pericial contábil, uma vez que esta será tanto mais eficiente quanto maior for à participação dos assistentes técnicos indicados pelos litigantes na captação da prova, inspeção e no exame crítico acerca da correção do perito do juízo no uso dos procedimentos tecnológicos. Os assistentes poderão fiscalizar a realização da prova pericial contábil.

    O princípio constitucional da segurança jurídica, da ampla defesa e do contraditório está entranhado no art. 431-A do CPC, haja vista que a ciência às partes e a participação de seus assistentes, nos trabalhos periciais proporcionam aos litigantes apreciar os documentos e coisas periciadas, garantindo às partes uma eficiente e adequada defesa dos seus interesses.

    O perito do juízo, cujo honroso serviço equipara-se ao de um funcionário público, inclusive está sujeito ao impedimento e suspeição pelos mesmos motivos do juiz; deve, portanto, observar no seu trabalho de inspeção e diligência, os princípios constitucionais da legalidade[4], da impessoalidade[5], da moralidade[6] e da eficiência[7].

    Dessa forma, o impedimento ou cerceamento de uma parte ou de seu assistente técnico, as informações e documentos, podem causar prejuízo a esta, por ser um ato viciado. Logo, o ato de diligência deve ser repetido.

    Neste breve relato sobre a produção de prova pericial contábil, utiliza-se as informações contidas no CPC e as obtidas em nossas experiências como auxiliar de juízes, as quais estão descritas em sua totalidade na nossa obra: Prova Pericial Contábil – Aspectos Práticos e Fundamentais. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2009. Tomando a liberdade de sugerir, aos operadores do direito e da contabilidade (advogados e assistentes técnicos contadores) o cuidado de que seja requerido, no momento adequado, o da instrução processual, a inspeção, por parte do perito do juiz, em documentos livros e etc., que não estejam juntados aos autos, para se evitar riscos desnecessários durante o labor e conclusões do perito nomeado.

[1]    A petição inicial ou peça vestibular é a manifestação da vontade, pela qual, o autor provoca o judiciário, para se manifestar sobre a perda de um direito ou a ameaça a um direito. É de extrema relevância dentro do processo, motivo pelo qual, a lei enumera os vários requisitos que devem ser obedecidos. Tais requisitos encontram-se nos arts. 282 e 283 do CPC.

[2]    Art. 1.191. “O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência. § 1º O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão. § 2º Achando-se os livros em outra jurisdição, nela se fará o exame, perante o respectivo juiz”.

[3]    A presente consideração é o resultado parafraseado da publicação da Drª. Lorena Miranda Santos (Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B14183FCD-9DA5-4A82-B55D-7C5BF6C872EE%7D_011.pdf>).

[4]    PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – determina que todos os atos e fatos se desenvolvam, na forma e nos limites da lei. Logo é necessária a previsão em norma jurídica como condição de validade de uma atuação, e sempre é essencial que tenham efetivamente acontecido os atos e fatos a respeito do qual a lei vem tratando. Está equivocada a posição segundo o qual uma norma legal confere e legitima qualquer conduta e impede o exame pelo Poder Judiciário, pois o princípio da legalidade não pode ser compreendido como um simples implemento formal das arrumações legais. Por não se incorporar a uma mera aparência de legalidade, requer uma atenção especial para com a ratio legis e para com as circunstâncias de um caso real. Verte da CF/88 arts. 5º, II, e 37.

[5]    PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE – prega que o direito não se refere ou não se dirige a uma pessoa em particular, mas às pessoas em geral: independente de qualquer circunstância ou particularidade. Logo, determina condutas obrigatórias e impede a adoção de comportamentos de favoritismo e serve para orientar a correta interpretação das normas positivadas. Logo, temos a equanimidade ou disposição de reconhecer o direito de todas as pessoas envolvidas em uma relação com imparcialidade. Logo, afastada toda e qualquer influência ou interesse, evitando-se excesso por uma interpretação extensiva, viciada ou polissêmica, para prevalecer a equidade. Verte da CF, art. 37.

[6]    PRINCÍPIO DA MORALIDADE – verte da Constituição Federal, art. 37, também aplicado à iniciativa privada por força dos arts. 5º, XXIII, e 170, III, abrindo o caminho para combater a vergonhosa impunidade que lastreia os imorais e os amorais. Determina e privilegia o decoro, a confiança na boa-fé, na honradez e na probidade. Impõe a observância de preceitos éticos produzidos pelos fatores consuetudinários da sociedade, sendo, portanto, possível zelar pela moralidade, por meio da correta utilização dos instrumentos de investigação, como a auditoria e a perícia. Esse princípio veda condutas inaceitáveis e transgressoras da ética e do bom senso, não permitindo qualquer tipo de condescendência e impõe a adoção de um regime principiológico contabilístico por valorização da ordem econômica, livre-iniciativa e livre concorrência, pautado nos valores sociais que norteiam a atuação dos administradores das células sociais. Esse regime especial fundamenta-se essencialmente na supremacia do interesse social e na ordem econômica, sobre o interesse particular. Pois, por derradeiro, tem-se como aspecto relevante, a absoluta vinculação e subordinação do direito da propriedade CF, art. 5º, XXII, ao seu bom uso social, conforme CF, arts. 5º, inc. XXIII, e 170, inc. III.

[7]    PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA – determina que, quando mero protocolo burocrático for um estorvo à realização da justiça, o formalismo deve ceder diante da eficiência. Ou seja: é necessário superar concepções puramente burocráticas de preciosismo ou de formalismo, priorizando-se todo o exame de legitimidade, da economicidade, da razoabilidade, em benefício da eficiência. Dita a virtude de se produzir um efeito. Determina que o agente deverá perseguir padrões consideráveis de excelência para obter um resultado positivo, mediante o menor dispêndio possível de recursos; logo tem-se a obrigação de se buscar alternativas mais eficientes e menos onerosas, sempre objetivando os melhores resultados. Verte da CF, art. 37.

Publicado em 05/11/2009.