O Contraditório Técnico Contábil

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

  

Resumo:

     A pesquisa tem por fim contribuir com o que é mais precioso para o judiciário e para a arbitragem em termos de prova pericial, o contraditório técnico contábil, demonstrando–se, o exercício de contradizer para prevalecer à verdade científica, em relação ao auto de inspeção e por conseqüência, ao que se discute nos autos, tendo como base a ciência da contabilidade e os usos e costumes da convivência entre perito, concomitantemente a Hermenêutica e a Epistemologia voltados à elaboração de uma ampla defesa.

 

Palavras-chaves: Contraditório Técnico Contábil. Ampla defesa. Auto de inspeção. Princípio do contraditório, inciso LV, art. 5º da Constituição Federal.

 

Desenvolvimento:

     O contraditório técnico é o que temos de mais caro ao judiciário e a arbitragem, representa o procedimento de espancamento científico, o qual consiste em dissipar os pontos controvertidos difusos e resolver os necessários à convicção de um Árbitro ou do condutor judicial, com o rigor próprio da ciência que faz procriar a vigorosa prova, certeza jurídica contábil.

    A presença dos assistentes técnicos no ato de inspeção, ou seja, no da realização da perícia é fundamental para a garantia dos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurando as partes o direito de se manifestar sobre as provas, de contraditá-las e, em especial, de discutir e questionar os argumentos e embasamentos técnicos em que se fundamentaram a inicial, a contestação, e possivelmente as respostas do perito oficial.

    Permitir o acesso no curso da prova pericial é o procedimento adequado dos peritos nomeados pelo Juízo e pelo Árbitro em relação aos peritos assistentes indicados pelas partes, dando-lhes ampla participação no auto de inspeção contábil que é a parte dos autos onde se registra a inspeção física, vistoria e exame realizado pelo perito.

    O auto de inspeção funciona como um instrumento de controle da estrutura da prova pericial contábil, é onde se registra tudo aquilo que diz respeito aos elementos probantes, por ser o meio de verificação que visa possibilitar o contato direto do perito com a coisa a ser verificada, a fim de se apurar a verdade real com base no princípio da epiqueia contabilística. O auto de inspeção representa a parte do processo onde são avaliadas de formas circunscritas e sistemáticas as provas, identificando a veracidade das alegações e contestações, serve para se avaliar as provas como um todo de maneira sistemática. As conclusões destes autos servirão para motivar a decisão do Juiz, ou do Árbitro, ou do Tribunal Arbitral. Não se confunde a categoria auto, parte de um processo, com a categoria autos, que é toda a composição de um processo composto por vários auto.

    O admirável princípio do contraditório está previsto no inciso LV, art. 5º, de nossa Constituição e permite a igualdade de oportunidade técnica científica entre as partes para apresentar argumentações e de contradizê-las. Esse é um precioso procedimento dialético entre os técnicos indicados pelas partes, naturalmente estamos discorrendo do contraditório técnico contábil, da verdade científica, e não de defesa ou acusação que é uma atividade de advogados.

    A oportunidade ao contraditório técnico garante a imparcialidade do Juiz ou do Árbitro na valoração daquilo que foi logicamente revelado no auto de inspeção, o que está em sintonia com as garantias fundamentais do processo justo.

    Um auto de inspeção regido pelo contraditório técnico e pela ampla defesa possui característica de equidade por propiciar que o réu e o denunciante participem das verificações contábeis cumprindo-se assim a função social da prova, pois legitima a decisão e respostas do perito nomeado pelo condutor do processo. E para tal, deve ser observado um método científico como o do raciocínio contábil.

    Cabe assinalar que não é a mera observância do procedimento pelos assistentes que legitima as decisões do perito oficial, mas sim, a efetiva participação destes na evidenciação da verdade científica. Inclui na participação dos assistentes, o ato de revelar, entregar e discutir com o perito oficial, fundamentações doutrinárias, cálculo e mensurações monetárias, enfim, demonstrar as razões contábeis de seu convencimento, em relação aos pontos contábeis controvertidos. Esta efetiva participação dos assistentes, salvo melhor juízo, deve ocorrer durante o ato formal da instalação da perícia e na presença do assistente da outra parte.

    Trata-se, portanto, de uma exigência prévia, baseada no conhecimento científico do tema em discussão, para o pleno exercício da atividade do contraditório e da ampla defesa técnica, sendo utilizados para as fundamentações, fatores consuetudinários, as doutrinárias, e os conceitos pautados em pesquisas bibliográficas de doutrinas contabilísticas.

    A instrução probatória adquire características particulares, uma vez que a iniciativa probatória incumbe preponderantemente às partes. E ao perito oficial, e aos assistentes o ato de inspecioná-las e não de produzi-las, sendo que o Juiz ou o Árbitro exerce apenas a função de destinatário da prova, cabendo a eles velar pela igualdade e paridade de armas[1] das partes.

    O princípio da paridade de armas é uma garantia fundamental, por permitir as partes durante a guerra processual, a igualdade no uso de armas, ou seja, todo ato que é produzido por meio do processo. Como exemplo, a instalação da perícia, a coleta de provas, ou uma inspeção, caberá às partes o direito de se manifestar, discordando, aceitando, ou até mesmo modificando os fatos e o direito alegado pela outra parte, de acordo com a independência de juízo e conveniência, desde que isto não seja feito de má-fé ou com a intenção de retardar um feito, ou simplesmente tergiversar[2].

    O normal e lógico é que a ampla defesa e o contraditório surjam antes da demanda, com a participação de contadores na mensuração das provas e aferições econômicas, societárias, contábeis e financeiras do patrimônio envolvido na possível disputa, ou seja, a lógica das investigações contabilísticas. E nesta fase são elaborados os pareceres para embasar cientificamente a inicial (a ampla defesa) e após a citação, também temos outro parecer, para embasar cientificamente a contestação (o contraditório).

    Vital é a participação dos assistentes em demandas, pois, além dos pareceres, da escolha das provas a serem carreadas aos autos, temos a formulação de quesitos, que é uma atividade bastante complexa, uma vez que quem pergunta deve saber a resposta. Os peritos assistentes à luz do contraditório técnico e da ampla defesa têm a função de guardiões das premissas[3] científicas contábeis necessárias à conclusão da perícia contábil, pois as provas estão ligadas ao pedido judicial ou a sua negação.

   O essencial a um justo processo[4] é que as partes tenham condições de se contrariarem no âmbito técnico científico contábil, logo, não basta um advogado, é primordial a participação de um contador versado nas questões vinculadas a ciência da contabilidade. Portanto, uma inspeção pericial contábil, onde uma das partes não possa contar com o auxilio de um contador, fica ela nesta fase violada, no que é mais caro, ou seja, mais precioso à justiça, o acesso a um amplo e irrestrito contraditório, portanto, se não existe o contraditório técnico, o processo fica maculado pela inconstitucionalidade[5], pois o contraditório foi maculado e sepultado nas profundezas da ilegalidade.

    Com a evolução da ciência da contabilidade e das garantias individuais e por via de consequência do direito, a confissão deixa de ser a probatio probatissima, ou prova absoluta, passando a ter valor relativo sendo indispensável o seu confronto e cotejo com as demais provas carreadas aos autos, para se verificar se existe compatibilidade e coerência, e por essa visão, defendem o que está pacificado que pari passo com a confissão, avulta a mais robusta das provas científicas, a “viripotente” das provas que é a prova técnica, pois, se baseia em ciência e no espancamento científico pela via do contraditório, é a prova por excelência. A rainha das provas é a pericial contábil, inibir o direito ao contraditório técnico, e a esta prova é um flagrante ato de uma anticonstitucionalidade. Obstar o direito ao contraditório técnico, não sei quantas vezes isso é inconstitucional ou interminável, pois fere vários princípios da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podemos citar alguns:

  • Princípio da legalidade (art. 37 da CF);
  • Princípio da publicidade e eficiência (art. 37 da CF);
  • Princípio da moralidade (art. 37 da CF);
  • Princípio da paridade de armas (inc. LV, art. 5º da CF);
  • Princípio da igualdade – isonomia (caput do art. 5º da CF);
  • Princípio da liberdade (caput do art. 5º da CF);
  • Princípio da ampla defesa (inc. LV, art. 5º da CF);
  • Princípio do devido processo legal (inc. LIV, art. 5º da CF);
  • Princípio do contraditório (inc. LV, art.5º da CF);
  • Princípio da cidadania (inc. II, art. 1º da CF);
  • Princípio da dignidade da pessoa humana (inc. III, art. 1º da CF);
  • Princípio da defesa do consumidor (inc. XXXII, art. 5º da CF e inc. V, do art. 170);
  • Princípio do direito de petição em defesa de direitos (inc. XXXIV, art. 5º da CF).

    Não se deve admitir ou tolerar, decisões interlocutórias[6] ou sentenças que desrespeitem princípios vitais conquistados e necessários à sociedade e a segurança jurídica. Portanto, arguir nas preliminares o direito ao contraditório técnico é um bom caminho para evitar que preceitos basilares constitucionais não sejam respeitados, logo, tal preliminar e pedido específico ao contraditório deve ser estudado e requerido para se evitar uma afronta à Carta Magna. E se for o caso, provocar o Supremo Tribunal Federal para se pronunciar a respeito, pois cabe ao Supremo, em última estância, se pronunciar sobre as questões constitucionais.

    Um Estado Democrático significa, acima de tudo, uma participação aos litigantes com garantia à igualdade de oportunidades, o que é materializada pela efetiva disponibilidade da paridade de armas durante a guerra entre o demandante e o demandado. E se a todos é permitido e garantido o acesso à justiça por força do inciso LV, art. 5° da CF, nele incluído a ampla defesa, o contraditório, além dos recursos a ela inerentes, é obvio e evidente que cabe ao Estado, garantir a todos os que não possam pagar, um perito assistente com formação em contabilidade e conhecedor da métrica em litígio.

    É importante que o perito, o Juiz e os Árbitros respeitem e privilegiem a importância do “princípio do contraditório técnico”, uma vez que este traz como consequência, a equidade pela igualdade[7] dada às partes para usarem tais armas, pois possibilita a ambas a produção de provas e argumentações, em idênticas condições. Portanto, o melhor procedimento jurídico para se obter a verdade é a contraposição das teses das partes, por meio da perícia pela via do exame cruzado onde as partes formulam suas questões, que após deferidas, são submetidas ao perito e assistentes, representa a mais fulgente segurança ao contraditório em termos de objeto probatório. É importante ressaltar que das provas obtidas junto com a inicial ou com a contestação, ou até mesmo no curso da demanda, somente as que efetivamente passaram por um controle do contraditório são válidas, e podem ser consideradas na sentença.

    A perícia contábil na esfera judicial ou arbitral envolve um grupo de contadores peritos, pelo menos três: o do Juízo/Árbitro, e no mínimo dois assistentes indicados pelos litigantes. Tal possibilidade pode ensejar opiniões às vezes incongruentes, e para evitar tal fato, o Conselho Federal de Contabilidade editou normas gerais sobre a questão ética, definindo os limites gerais, e essas por serem gerais, e vinculados também a auditores e contadores, com a devida máxima vênia não oferecem proeminência deontológica especializada na perícia contábil. Motivo pelo qual, sugerimos estudo do Código Deontológico da perícia contábil[8], lembrando que a intensa polêmica que se trava nas demandas em torno de estudos e aferições de patologias e métricas contábeis, repousa basilarmente no desconhecimento das teorias contábeis, tais como, o neopatrimonialismo e a teoria pura da contabilidade, entre outras, fato que complica ainda mais o efetivo exercício do contraditório técnico contábil.

[1] O princípio da paridade de armas verte da CF, art. 5°, inc. LV, visto que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; é ele que garante a ampla defesa do acusado. O direito à contradição é inerente ao sistema do devido processo legal, onde as partes possuem plena igualdade de condições, e aquela parte que abre mão do direito de paridade de armas, poderá sofrer o ônus de sua inércia no curso do processo probatório relativo ao auto de inspeção.

[2] Tergiversar – para o ramo da perícia contábil, tem o sentido de falta de lealdade dos litigantes, que estão apresentando ou utilizando de evasivas, ou subterfúgios. É, portanto, uma apresentação, oral ou escrita, na qual a parte que tem o dever de informar, apenas ladeia os fatos sem abordá-lo diretamente. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil: da Retaguarda à Vanguarda. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2012. p. 361.

[3] A partir das premissas é possível, por meio de uma dedução, alcançar a conclusão lógica dos fatos narrados.

[4] A observância de um processo justo tem por finalidade criar condições de uma decisão justa. O direito ao processo justo envolve necessariamente o exame das provas e sua legalidade, sendo que nesse viés temos o estudo dos direitos fundamentais processuais. O direito de contradizer tecnicamente a matéria, salvaguarda em tese o jurisdicionado de surpresa quanto às alegações de fato constantes de suas arguições, com o propósito de que não sejam afastadas as falácias pelo órgão jurisdicional.

[5] Uma decisão judicial é considerada inconstitucional quando ela fere uma norma ou preceito da Constituição Federal. Inconstitucional é qualquer ato, ou efeito da sentença que fere a Constituição do país. Como por exemplo: não se pode inibir o contraditório técnico contabilístico, isso é cercear um direito constitucional. A inconstitucionalidade é um fenômeno que consistente numa valoração oposta a valores essenciais, oposição esta que implica em afrontar direitos. As questões de inconstitucionalidade devem ser solucionadas por um controle de constitucionalidade que vai afastar sentenças nulas, pois, as sentenças que violam a Constituição devem ser excluídas, afastadas ou anuladas, porque representa uma negação à Constituição da República Federativa do Brasil. Desse modo, a construção da justiça tem como alicerce a Constituição.

[6] Decisão interlocutória – é um dos atos processuais praticados pelo Juiz no processo, que decide uma questão incidente, sem dar uma solução final à lide proposta em juízo.

[7] O princípio da igualdade está intimamente ligado ao princípio da imparcialidade. Salientamos que falar em perito imparcial é quase um pleonasmo, já que situação deve ser inerente ao perito e a sua imparcialidade, pois é condição essencial a um processo justo, um perito imparcial e independente.

[8] HOOG, Wilson Alberto Zappa. Código Deontológico da Perícia Contábil. http://www.zappahoog.com.br/artigos/C%C3%B3digo%20Deontol%C3%B3gico%20da%20Per%C3%ADcia%20Cont%C3%A1bil.pdf

Publicado em 08/08/2014.