O Perito Diante de Doutrinas Convergentes ou Divergentes. O Perito Diante de Doutrinas Convergentes ou Divergentes. Art. 473, § 1° do CPC/2015.

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

     O estudo da análise das doutrinas, pelos intérpretes peritos nomeados e os assistentes indicados, nos proporciona a oportunidade de apresentar uma reflexão sobre a distinção entre doutrinas divergentes e convergentes. Porquanto, o perito deve apresentar em seu laudo a sua fundamentação, inclusive a vinculada à utilização de doutrinas indicando como alcançou suas conclusões, explicando a questão de doutrinas divergentes e convergentes, arguidas nos autos do processo, por determinação legal do CPC/2015: “Art. 473. O laudo pericial deverá conter (…) § 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.”

    Apesar da regra geral de que as doutrinas são decisivas para a solução de lacunas e silêncios eloquentes ou de conceitos de termos jurídicos contábeis indefinidos na legislação, podem surgir literaturas divergentes, e até mesmo as que levam a um epistemicídio, motivo pelo qual, propomos uma reflexão sobre os referentes conceituais que segue:

Doutrinas convergentes – são aquelas que apresentam relação com outra, portanto, apresentam aspectos correlativos, onde as ideias são próximas ou  parecidas, logo, similares mas não iguais. Portanto, existem doutrinas convergentes e divergentes, as quais devem ser enfrentados pelos peritos, para contribuir positivamente na compreensão dos fatos e fundamentação do diagnóstico. As doutrinas convergentes são uma forma válida de expressão da ciência contábil consuetudinária. Na ambiência das perícias contábeis, as doutrinas com aparência de convergentes, “uma situação de fato aceita pelos cientistas” onde os intérpretes se manifestam como sendo algo verdadeiro, tornam o fenômeno real como uma manifestação de ciência, e criam uma fundamentação subjetiva, afastando o negativismo, mesmo com a constante evolução da ciência.

Doutrinas divergentes – há divergências quando as ideias se afastam para rumos diferentes, e representam ideias contrapostas, o que é diferente de “erros”, que são as opiniões com pontos ideológicos contradizentes entre si, como também, é diferente de  opiniões falaciosas que partem  de premissas equivocadas,  e do abominável paralogismo, que é o raciocínio falso que se estabelece involuntariamente, e dos repugnantes sofismas que criam artificialmente a ilusão da verdade. São divergentes os ensinamentos e descrições explicativas de um fenômeno estabelecendo parâmetros distantes. O problema da divergência doutrinária deve ser enfrentado pelos peritos, pois a atividade científica pericial é ligada à atividade doutrinária, ou seja, unida pelos ensinamentos dos professores que tem liberdade de convicção e notáveis conhecimentos, e apresentam paradigmas e paradoxos.  As divergências contribuem para a evolução científica do tema. Um ponto divergente doutrinário apresentado em demandas, só será solucionado, se estiver apoiado na ordenação de um raciocínio lógico-contábil[1] dos peritos, portanto, o perito quando intérprete das doutrinas, desempenha o papel de crítico para desempatar o fator divergente. Não afastamos a hipótese de uma nova doutrina, que seja divergente, quiçá, venha quebrar paradigmas por uma versão melhorada do tema, daí a importância do controle da prova pericial por parte dos assistentes indicados. Solucionar questões doutrinárias não é tarefa fácil, por isto é que os Juízes e litigantes são assistidos por peritos necessariamente especializados no tema. Diante do inquestionável e contemporâneo entendimento sobre a necessidade de se enfrentar as questões doutrinárias divergentes, pela via da metanoia contabilística[2] e da semasiologia contabilística[3],  devem os peritos, sem tergiversar, lançar mão de uma técnica argumentativa, juízo de ponderações[4] diante de antinomias doutrinárias[5], que atenda, realmente, às necessidades do caso em concreto. Segue exemplos básicos de doutrina convergente, divergente e erro, em relação ao tema fundo de comércio, exemplos estes criados para fins didáticos.

Exemplo de doutrinas convergentes em relação ao fundo de comércio.
Doutrina “A” O fundo de comércio surge a partir do superlucro em relação ao capital investido.
Doutrina “B” O fundo de comércio é criado quando existe excesso de lucro em relação ao ativo operacional.

 

Exemplo de doutrinas divergentes em relação ao fundo de comércio.
Doutrina “A” O superlucro é precificado com um taxa de 6% ano.
Doutrina “B” O superlucro é precificado com um taxa de juros variável compatível a da do CDI.
Exemplo de doutrinas não divergentes, e sim de erro, seja intencional ou não.
Doutrina “A” O fundo de comércio pode ser precificado pelo método holístico (doutrina válida).
Doutrina “B” O fundo de comércio deve ser precificado pela métrica do fluxo de caixa descontado (hipótese de erro, quiçá de: sofisma, falácia, ou paralogismo, pois depende do contesto do caso em concreto e da argumentação a seu favor).

    Estes conceitos tidos como referentes: doutrinas convergentes e divergentes aqui grafados, são uma reprodução, logo, uma citação, da nossa literatura, Laboratório de Perícia Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil – Teoria e Fundamentos. 2. ed.  Curitiba: Juruá Editora, 2023, que no momento desta reflexão estava no prelo.

    Uma divergência doutrinária pode ter uma magnitude de grande controvérsia e interesse heurístico,[6] em função da relevância da matéria, do valor econômico ou social da demanda, vinculado aos aspectos da ampla defesa e do contraditório, aonde a requerimento de um ou ambos dos litigantes, que alegam cerceamento da ampla defesa e pleiteam o reexame do conjunto doutrinário  fático-probatório dos autos, ser deferida pelo julgador, que a questão doutrinária divergente, seja submetida a um júri técnico[7], em simetria ao art. 369 do CPC/2015, onde os assistentes técnicos das partes fazem uma sustentação oral, antes do veredito do júri técnico. Uma demanda de grande repercussão na sociedade e representatividade dos postulantes admite também a figura do amicus curiae, bancado por órgãos, pessoas naturais, instituições ou associações, como previsto no art. 138 do CPC/2015. A fala do amicus curiae, concomitantemente, com as sustentações orais dos peritos assistentes, pode trazer informações importantes para a solução das questões doutrinárias divergentes, evitando-se com esta prerrogativa de ampla defesa, decisões contrárias à ciência.

    E por derradeiro, as análises das doutrinas com juízo de liberdade científica, contribuem sobremaneira para a eliminação de conflitos doutrinários. Preenchendo os requisitos básicos do §1º do art. 473 do CPC/2015. Notadamente no que diz respeito à fundamentação das questões enfrentadas pelos peritos, já que as fundamentações representam um conjunto coerente de ideias basilares, que dão subsídio as respostas, pondo fim às questões controvertidas. Lembrando que nem sempre o que é apresentado nos autos de um processo e defendido como doutrina, é literalmente uma doutrina. Sugerimos, como uma complementação a esta reflexão, antes de emitir uma opinião, se algo é ou não uma doutrina, ver o sentido e alcance da categoria “doutrina”, em nosso livro: HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020.

 

[1]  O método do raciocínio lógico-contábil é um procedimento científico de análise e investigação contabilística, é derivado da Teoria Pura da Contabilidade e amplamente utilizado nas fundamentações periciais.

[2]  Metanoia contabilística – significa a ação, desbloqueio das ideias pré-concebidas, logo, a troca de preconceitos por evidências científicas, onde se obtém a renovação e aperfeiçoamento do conhecimento, afastando-se erros de cognição.

[3]  Semasiologia – significa técnica para criação e esclarecimento dos conceitos na explicação dos fenômenos patrimoniais.

[4]  Juízo de ponderações – as bases filosóficas que subsidiam um critério para solucionar os casos de conflitos de normas, doutrinas, postulados, convenções, métodos, métricas ou princípios contábeis, diz-se, juízo de ponderações, que é uma situação diversa de uma opinião pessoal. A doutrina de um modo em geral deve ser a solução de casos conflitantes, mediante ponderações técnico-científicas que considerando os princípios: da epiqueia contabilística, da razoabilidade, da proporcionalidade e o da probabilidade. Pois, quando houver divergências ou antinomia entre princípios, postulados, convenções, métricas, métodos, normas ou critérios técnicos, um deles tem que ser flexibilizado diante do outro e isto não significa declarar inválido o princípio ou a regra afastada, nem que o princípio ou regra afastada tenha que ser uma exceção. O que ocorre na ponderação, é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios ou regras precede ao outro. São as antinomias técnicas solucionadas pela via de uma ponderação. Os princípios e regras têm diferentes pesos, logo, o que prevalece é o de maior peso, “peso e sua proporcionalidade”, logo, os parâmetros com que se avalia uma situação. Um juízo de ponderação leva em conta diversas variáveis (regras, princípios, técnicas, legislações, postulados, convenções, métricas, entre outras), assim como, a complexidade do tema, e a relevância da cronologia dos fatos, o perfil dos litigantes e do padrão de conduta.  Todo o juízo de ponderação deve ser construído a partir da própria concretização de um entendimento extraído de uma literatura conjuntamente com um determinado ato ou fato, à luz de um princípio, de um  postulado, de uma métrica ou de outra regra, ocasionando uma prevalência do objeto do estudo, por este motivo, a prática da ponderação não gera a desqualificação e não nega a validade de um princípio ou regra, mas, tão somente, em virtude do peso menor apresentado ao caso em concreto, terá a sua aplicação afastada. Desta forma, o labor pericial contábil não pode ser entendido, à luz da Teoria Pura da Contabilidade, como a mera aplicação de norma, de princípio ou de qualquer regra, ao caso concreto, sem que este seja submetido a um juízo de ponderação em relação à situação fática. É necessário que uma análise científica contábil contribua para o alcance de um resultado probante de forma equânime. Um bom exemplo da aplicação do juízo de ponderações, são as situações de arbitramento, de presunção, de recuperabilidade, da aplicação da essência sobre a forma, além do uso de critérios de valorimetria. E entre estes critérios temos: a média, a mediana, a moda, e a amostra superlativa, na escolha do lucro normalizado, para fins da precificação do fundo de comércio pela via do método holístico que possui quatro regras distintas, e não existe hierarquia para solucionar antinomias, logo, o perito, pode, por meio de um juízo de ponderações escolher qualquer um dos princípios ou regras, desde que seja logicamente o mais adequado ao caso em concreto. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário de Contabilidade. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2021.)

[5] Por antinomias doutrinárias entende-se os inúmeros posicionamentos doutrinários. A antinomia representa fenômeno comum de divergência real entre doutrinadores. O estudo das antinomias doutrinárias, divergências, relaciona-se à questão da consistência de um fenômeno científico, eis que uma teoria “doutrina de um mesmo autor” não pode apresentar simultaneamente leis científicas que sejam excludentes entre si, pois, uma coisa não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, como ser lucro e prejuízo.

[6]  Interesse heurístico – para a teoria pura da contabilidade, no ramo da perícia, representa aquilo que tem utilidade em uma descoberta científica. É a ideia ou a linha reguladora de uma análise ou teste, efetuado no laboratório de perícia forense, logo, é a diretriz de una pesquisa investigatória, ou seja, o processo criado com o objetivo de encontrar soluções para uma dúvida. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020.)

[7]  Júri técnico – o júri técnico  pode ser utilizado em procedimentos da Justiça Estatal ou de Arbitragem, mediação e conciliação, é formado por profissionais da escol de determinada área do conhecimento científico, escolhidos com base em acervo técnico dos indicados pelos litigantes, que necessariamente não são os de renome do mercado, e sempre em número ímpar, é um conjunto de técnicos tidos como ícones de conhecimento, técnico–científico, escolhido por sorteio, que servem como Juízes de fato em um julgamento técnico-científico e terão como missão a escolha da alternativa, tese técnica mais adequada e que se aplica no caso em concreto, normalmente devem ser utilizados em demandas que envolvem questões complexas onde as partes pretendem, além de um testemunho técnico, a submissão do fato a um corpo de jurados técnicos. Durante a escolha do corpo do júri, podem as partes impugnar indicações por razões fundamentadas de suspeição ou imparcialidade. Os jurados têm total competência sobre a matéria de fato, enquanto os Árbitros têm competência, sobre a matéria de direito. Trata-se de uma comissão ou órgão de apoio, que possui as seguintes características:

  1. Número ímpar de seus membros;
  2. A competência para definirem o cronograma de julgamento, a ouvida da sustentação oral das teses e das argumentações técnico-científicas de contra tese;
  3. A independência de convicção e liberdade de escolha;
  4. Liberdade de juízo científico, a escolha se dará pela maioria dos votos, em caso de empate prevalecerá o voto do jurado presidente;
  5. A plenitude da defesa e o contraditório;
  6. A soberania dos veredictos;
  7. E a exclusividade quanto à competência para julgar fatos e procedimentos técnico-científicos.
  8. O dever de assegurar as partes, a paridade de tratamento, em relação ao exercício de direitos vinculados aos meios de defesa-técnica e aos deveres, competindo aos jurados zelar pelo efetivo contraditório técnico. Afastando quando cabível, o abuso da tecnicidade, que é a valorização excessiva dos recursos tecnológicos ou de uma sustentação oral durante a atuação dos técnicos, para a descoberta da verdade.

 O instituto do júri técnico, quiçá inédito para a maioria das pessoas, busca privilegiar em um contexto histórico contemporâneo da Lei de Arbitragem, os debates técnicos e científicos em torno do papel da ciência privilegiando os esforços contra e a favor de argumentos “técnico-científicos” ou doutrinas divergentes. Solucionando divergências técnicas no âmbito da ciência pela via da cooperação técnico-científica do júri que promove esforços conjuntos na identificação da melhor solução técnico-científica.

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares,  doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que  já atingiram a marca da 17ª edições.

REFERÊNCIAS

Brasil. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ >. Acesso em: 24 set. 2022.

HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020. 691 p.

______. Laboratório de Perícia Contábil Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil – Teoria e Fundamentos. Curitiba: Juruá, 2023, no prelo.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 05/01/2023.