Perícia Contábil e seus Relevantes Aspectos Científicos na Descoberta da Verdade Real

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

Resumo:

    Apresentamos uma breve análise sobre os aspectos científicos puros da perícia contábil a luz da teoria pura da contabilidade. O qual é fortemente reconhecido no Código de Processo Civil, na medida em que o art. 145 determina, portanto não é uma mera possibilidade do art. 145 do CPC, “pois, quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o Juiz será assistido por perito”. Esta regra tem efeito erga omnes, pois os juízes deverão obrigatoriamente ser assistidos por perito quando a matéria versar sobre a ciência da contabilidade ou sobre as técnicas contabilísticas.

    Nesta resumida apreciação, buscamos contribuir com o objetivo da realização de uma perícia contábil, priorizando a nossa opinião sobre o sentido e alcance da ciência e da técnica, na prestação do serviço do perito contador.

    Para tal, serão abordados os principais aspectos do método do raciocínio contábil, bem como do uso da epiqueia contabilística e da teoria da essência sobre a forma para a formulação das razões do convencimento científico do perito judicial. Bem como das técnicas, que são consideradas por este signatário como as métricas contabilísticas.

Palavra-chave: Perícia judicial contábil. Aspectos científicos da perícia. Teoria pura da contabilidade. Perito contábil. Teoria da essência sobre a forma. Epiqueia contabilística.

 

Desenvolvimento:

    A perícia contábil judicial possui suas regulamentações no Código de Processo Civil, além de duas normas emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade em 2009, e apesar disto, esta nobre prestação de serviços, possui um caráter superior com aspectos científicos de alta precisão e complexidade.

       Com relação às técnicas, referenciadas no art. 145 do CPC, temos as métricas contabilísticas, que são as unidades de medida da utilidade de algum bem ou da sua especificação. É utilizada para calcular investimento, o seu retorno e desempenho na empresa, em comparação com o mercado ou com parâmetros tidos como ideais ou esperados. As medidas quantitativas e mensuráveis são eficientes em vários ramos da ciência contábil, pois esta cria e testa métodos. Muitos são os exemplos de métricas, como o método holístico de avaliação do fundo de comércio, a margem de contribuição para a aferição de lucros cessantes, O MAJS para calcular os juros simples em substituição os métodos que produzem o anatocismo. Entre as técnicas, temos também os procedimentos adotados para a avaliação do patrimônio, para a elaboração dos relatos e peças, como as demonstrações financeiras e balanços para a apuração de haveres.

    E com relação à ciência, temos os aspectos da teoria pura da contabilidade, que são pari passu aplicados ao nobre labor pericial. Razão pela qual somente os profissionais de notória capacidade devem ser convocados para esse múnus público.

    E considerando este elevado aspecto de cientismo da perícia científica, o perito sempre deve usar e prestigiar um método científico para os seus exames; como o método do raciocínio contábil que verte da teoria pura da contabilidade, uma vez que o uso deste método é deveras importante para os diagnósticos científicos, pois consiste em pesquisar e decompor as partes que compõem um fenômeno para se conhecer o todo, considerando que a doutrina científica contábil evidencia a verdade real, essência sobre a forma. Este é um método de investigação científica contábil ideal para uma inspeção ou exame, quer seja judicial ou extrajudicial.

    Segue o sentido das etapas deste método:

  • Pesquisar – a pesquisa compreende inclusive a fase de identificar as partes do fenômeno e a de colecioná-las de modo a ter uma conclusão geral do todo.
  • Decompor – como exemplo de uma decomposição tem-se os papéis de trabalho de auditoria, em que se parte de todo sistema patrimonial, de todas as contas de ativo e passivo, até o papel de trabalho específico e individual de uma conta.
  • Observar os fenômenos – pois a fenomenologia no sentido da teoria pura da contabilidade representa a forma de ver e entender o fenômeno onde a essência está prevalecendo sobre a forma. A observação ampla e sem paradigmas ou dogmas é o caminho para a revelação do que verdadeiramente ocorre com a riqueza aziendal em seu objeto e objetivo. É necessária para se conhecer a sua dimensão realista em relação à causa, efeito, tempo, espaço, qualidade e quantidade. Portanto, não se pode dispensar a verificação das circunstâncias que geraram o fenômeno, em relação ao mundo social e todo o seu conjunto, atos e fatos econômicos, políticos, jurídicos, ecológicos, tecnológicos e científicos, para se buscar a relação existente entre todo esse fenômeno por uma comparação de raciocínio contábil, a fim de se formar um diagnóstico verdadeiramente científico e puro.
  • Comparar os fenômenos e as doutrinas – a comparação implica a observação dos ensinamentos aplicados aos fenômenos do Brasil com o que se faz e se aplica e ensina em outros países. Também se deve comparar a doutrina nacional com a internacional. Os resultados das comparações são usados para, diante de uma lacuna, emitir uma posição, laudo ou parecer sobre fatos que requerem uma posição científica. E têm por objetivo descobrir os elementos comuns das concepções mediante a confrontação dos sistemas contábeis relacionados entre si. A comparação implica um critério para o estudo, que consiste na observação repetida dos fenômenos quando produzidos em meios diferentes e em condições distintas; assim se estabelecem, via analogia, as semelhanças e as diferenças. Este critério é muito difundido na Comunidade Europeia, notadamente para fins de doutrina com o objetivo de estudar o cotejo das diversas políticas contábeis.
  • Analisar individualmente os elementos para se ter uma visão do todo – o todo evidencia o relacionamento entre os fenômenos e os sistemas de informações. Como exemplo, cita-se o prazo médio de compras e vendas, diante dos sistemas de liquidez e o de rentabilidade, para se conhecer a capacidade de prosperidade da riqueza de uma célula social.

    A teoria pura contribui sobremaneira com o cientificismo da perícia, pois considera questões relevantes que abrangem não só a isonomia, mas possibilita que o perito esteja equidistante e independente em relação às partes, as teses e políticas contábeis, motivo pelo qual destacamos três importantes itens desta teoria pura;

   1- A epiqueia contabilística:

    Que representa toda forma de interpretação razoável ou moderada de uma lei, ou de um direito postulado em juízo ou de um preceito da política contábil. Logo, temos a equanimidade ou disposição de reconhecer o direito de todas as pessoas envolvidas em uma relação com imparcialidade. Assim, afastada toda e qualquer influência ou interesse, evita-se o excesso por uma interpretação extensiva viciada ou polissêmica, para prevalecer a equidade.

 2- A Teoria da essência sobre a forma:

     Essa teoria é uma máxima, onde se admite como verdadeiro, a supremacia da essência da ciência sobre a forma da política contábil. E o seu teorema, é a proposição onde se admite a prova pela demonstração da verdade real.

Para o teorema da substância sobre a forma, a guisa, de exemplo, temos o “sujeito”, que é o patrimônio, a “hipótese”, que é a supremacia da igualdade entre bens, direitos e obrigações, dada pela seguinte equação: patrimônio líquido = bens + direitos – obrigações, que também pode ser escrita: Ativo (bens e direitos, aplicação de recursos) = Passivo (obrigações e patrimônio líquido, origem de recursos); e a tese, que é a teoria da substância sobre a forma, onde a verdade real, fidelidade, eficiência e eficácia dos atos, fatos e valores, se sobrepõe à forma jurídica. Pois, se existir um Ativo ou um Passivo oculto em decorrência de norma jurídica, tem-se a distorção do valor do Patrimônio Líquido com a consequente perda da finalidade da contabilidade, cumulada com o erro de valorimetria, que é a informação precisa e correta.

    Sendo que nessa teoria, possui além do teorema os seus princípios, que asseguram o caráter científico ao exame e labor pericial, bem como a demonstração da segurança contabilística das conclusões sobre o exame dos atos ou fatos patrimoniais.

 3- Princípios universais da contabilidade:

        Os princípios da teoria pura da contabilidade, não se confundem com os princípios da teoria da essência sobre a forma. Pois, a teoria da essência sobre a forma, junto com a teoria das probabilidades compõe o conjunto que forma a teoria pura da contabilidade.

    A teoria pura da contabilidade privilegia os princípios da ciência contábil, notoriamente divulgados pelo saudoso cientista Dr. Antonio Lopes de Sá, os quais seguem de forma resumida:

  1. Coexistência – Princípio segundo o qual o fenômeno patrimonial expresso por uma conta depende sempre da existência de outra, ou seja, existem sempre simultaneamente;
  2. Competência – Princípio segundo o qual as receitas, os custos e as despesas devem ser registrados no exercício a que pertençam;
  3. Consistência – Princípio segundo o qual é possível a comparação dos dados por uniformidade das informações;
  4. Continuidade – Princípio segundo o qual a vida de uma célula social tende a continuar, pois nasce para perdurar;
  5. Correção monetária – Princípio segundo o qual se ajustam os valores patrimoniais de acordo com a perda do poder aquisitivo da moeda;
  6. Custo histórico – Princípio segundo o qual se efetuam as comparações dos investimentos, custos e despesas com as previsões tidas como ideais;
  7. Entidade – Princípio segundo o qual a pessoa de um sócio não se confunde com a pessoa jurídica, pois ambas têm autonomia patrimonial;
  8. Equidade – Princípio segundo o qual devem ser afastados os conflitos de interesse nos registros contábeis pela preservação de critérios de igualdade e moderação;
  9. Especialização – Princípio segundo o qual todas as receitas, despesas, custos e demais fatos devem ser reconhecidos em rubricas individuais, independentemente de sua realização e de serem típicos ou atípicos a empresa. Como exemplo, uma venda antecipada de uma safra agrícola. Esse princípio recebe críticas no mundo acadêmico, não gozando de consenso;
  10. Expressão monetária – Princípio segundo o qual todos os componentes patrimoniais têm uma medida e registro do seu valor monetário;
  11. Extensão – Princípio segundo o qual a extensão das contas deve atender às necessidades totais da escrituração contábil;
  12. Formalização – Princípio segundo o qual todos os fatos contábeis devem ser caracterizados na escrita contábil;
  13. Homogeneidade – Princípio segundo o qual uma conta só pode registrar os fatos de uma mesma natureza;
  14. Integração – Princípio segundo o qual os balanços devem ser consolidados ou integrados quando pertencem a um mesmo grupo econômico;
  15. Integridade – Princípio que enuncia que todos os fatos que digam respeito à mesma natureza sejam unidos em uma única conta. O princípio da homogeneidade prega a reunião de elementos iguais; a integridade obriga que todos os iguais estejam reunidos;
  16. Invariabilidade – Princípio segundo o qual as contas devem ser previamente estabelecidas, mantendo, durante o exercício social, a uniformidade dos títulos, funções e técnicas de funcionamento;
  17. Materialidade – Princípio que enuncia a conveniência ou não de incluir um dado ou informação nas peças contábeis, em razão da importância ou relevância que possa ter para os usuários;
  18. Oportunidade – Princípio que enuncia a instantaneidade dos registros, que tolera a estimativa e até a ausência imediata de documento, sem, todavia, dispensar o ajuste da estimativa e a produção documental;
  19. Periodicidade – Princípio que determina o mesmo período de duração e apuração do rédito;
  20. Prudência – Princípio que enuncia menores valores ao ativo e receita e maiores para o passivo e despesa, quando diante de uma incerteza;
  21. QualificaçãoQuantificação – Princípio que enuncia a obrigação da expressão qualitativa e quantitativa da riqueza;
  22. Terminologia contábil – Princípio que estabelece a necessidade do uso de categorias e vocábulos adequados à perfeita realização da contabilidade. A linguagem deve sempre ser a científica e não a coloquial, preservando-se o idioma nacional, a clareza e a fidelidade. Pertencem à terminologia todas as categorias dos dicionários contábeis, pois são adotados pela contabilidade;
  23. Uniformidade contábil – Princípio que determina a manutenção de critérios sempre iguais na execução do labor contábil e visa evitar distorções nos fatos patrimoniais

     Cabe esclarecer que debaixo do véu da modernidade e internacionalização da contabilidade no Brasil, podem surgir aspectos criativos pela flexibilidade das normas, que não se sintonizam aos valores brasileiros da ética, da justiça e dos interesses coletivos deste povo. Além de patologias contábeis nunca antes manifestadas no Brasil.

     E peritos de alta qualificação devem ser convocados para esclarecer ao judiciário os aspectos da ciência e das técnicas contábeis.

     Assim, conclui-se com base nesta pesquisa que verte da moderna doutrina contabilística: Teoria Pura da Contabilidade – Editora Juruá, 2010, que estes aspectos científicos, são de suma importância na efetividade da justiça brasileira e estão ligados à semântica e a hermenêutica.  Certamente os professores e peritos de contabilidade tem muito a contribuir com o descobrimento da verdade real contida nas demandas judiciais, pois a teoria pura da contabilidade vem somar-se ao leque dos procedimentos que buscam afastar as interpretações contábeis putativas.

 

    Este artigo  tem como referência a obra do autor: Teoria Pura da Contabilidade. Curitiba: Editora Juruá,  2010,

Publicado em 16/11/2010.