Perícia em Contrato de Distribuição e Representação. Investimentos e Prazo Compatível para a sua Recuperação.

 Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

Resumo:

     A teoria pura da contabilidade possui uma equivalência direta com a perícia contábil. E essa teoria, com seus fundamentos científicos, busca demonstrar sua contribuição para uma justa indenização, no caso de rompimento de contrato de distribuição ou representação, oferecendo aos profissionais da perícia contábil, uma visão dos procedimentos para o diagnóstico do prazo compatível para a recuperação dos investimentos, cálculo de lucros cessantes e fundo de comércio.

 Palavras-chave: Teoria pura da contabilidade. Prazo compatível para a recuperação dos investimentos. Lucros cessantes. Fundo de comércio.

 

Desenvolvimento:

     O presente estudo tem como finalidade analisar exatamente a questão da denúncia abusiva dos contratos de distribuição e representação, observando os entendimentos da experiência, doutrina, jurisprudência, e finalmente, as regras do Código Civil para se identificar uma justa indenização e evitar o enriquecimento sem causa.

    A teoria pura da contabilidade caracteriza-se pelo labor de validar ou desconsiderar as premissas que levam à dedução, por possuir método científico próprio, e é expurgada dos dogmas dos sistemas de normatização das políticas contábeis e de interpretações polissêmicas ou ambíguas. Logo, é entendida pela sua especificidade própria, como uma genuína ciência que contribui para o labor dos peritos, no principal problema enfrentado pelos nossos tribunais no que diz respeito ao uso dos valores e técnicas usadas nos laudos, para o julgamento de litígios envolvendo indenizações nos contratos de distribuição e representação comercial, entre outros tipos de demandas.

    A questão a ser examinada é saber se, ao longo da relação, existiram investimentos pendentes de exaustão ou amortização, além da existência ou não, de lucro cessante, e de carteira de fregueses que compõem o fundo de comércio, a ser indenizado.

    O termo “contrato de concessão comercial”, dentre outros, como “contrato de distribuição”, é utilizado para designar relações jurídicas análogas em que sempre há um fabricante ou produtor, que é o concedente, e outra pessoa denominada de distribuidor, revendedor ou representante de distribuição.

    O concedente, para assegurar vendas em determinado território, por um período determinado ou não, e sob a sua fiscalização, delega ao distribuir a missão das vendas de produtos ou serviços. E este negócio jurídico pode, por uma questão de equidade e boa-fé, ser ajustado por um tempo determinado, ou indeterminado, desde que haja um prazo mínimo de duração, suficiente para o distribuidor obter o retorno esperado de seus investimentos, além de gerar o seu lucro.

    Uma das características desse tipo de negócio é a durabilidade da relação, no mínimo um prazo compatível com os investimentos, configurando-se abuso de direito a resilição unilateral do contrato de distribuição sem haver decorrido um prazo suficiente à recuperação do investimento de acordo com o CC/2002, art. 473.

    A distribuição ou representação é hoje um meio ético de adequação para os negócios, em que os fabricantes concedentes e distribuidores representantes buscam para aperfeiçoar cada vez mais as vendas, reduzir os custos e otimizar a carteira de fregueses, para viabilizar uma política comercial e estratégias de vendas e planejamento, conquistando o market-share[1]. Em uma concessão de venda, o distribuidor é um simples intermediário entre o concedente e a freguesia, E quando o fabricante rescinde unilateralmente o contrato com um prazo insuficiente de aviso prévio, faz com que o distribuidor não tenha oportunidade de recuperar seus investimentos. Tem-se uma conduta abusiva à luz do axioma da preservação das células sociais, e configura-se como um verdadeiro abuso de direito e de poder. E este abuso é reprimido pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (CC/2002), conforme segue:

Art. 715. O agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato.

(…)

Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente.  Parágrafo único. No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido.

    A questão da perícia contábil surge no caso de divergência entre o valor da indenização dos relevantes investimentos em publicidade, mão de obra, veículos, maquinaria, formação da carteira de fregueses etc., depois de determinado período contratual, devendo o perito, através de método científico[2], enfrentar a questão da indenização, se é, ou não, devida, logo, se o fabricante deve indenizar o distribuidor por perdas, danos e lucros cessantes, e em quanto. Pois, com base neste labor do perito nomeado e dos assistentes indicados pelos litigantes, o juiz ou árbitro, se for o caso, decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido.

    Encontramos normalmente um controle do concedente na empresa do distribuidor, logo, não há autonomia jurídica no distribuidor, devendo este seguir o mesmo padrão do política comercial das demais distribuidoras da rede; é uma questão de uniformização da política empresarial com o objetivo de garantir um mesmo padrão de qualidade tanto nos produtos ou serviços quanto nas vendas aos consumidores.

    Nos casos de resilição unilateral dos contratos por vontade do concedente, as principais questões contábeis são:

  1. Valorimetria do período de recuperação de veículos, máquinas, equipamentos e computadores e demais bens tangíveis e intangíveis em decorrência da necessidade de recuperação de tais investimentos nos termos Código Civil:

                                                                                   

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

 

   Os investimentos são feitos na implantação inicial do negócio e na modernização periódica do estabelecimento, inclusive na substituição de bens que se desgastam ou ficam obsoletos. A recuperação do investimento dos bens que se desgastam ou depreciam com o uso, pela ação do tempo ou outros fatores, se dá pela rubrica contábil ”depreciação, amortização e exaustão”, a qual existe exclusivamente para atender ao registro da desvalorização dos respectivos bens, criando-se, com estes registros, verdadeiros fundos de reintegração do ativo.

    Leciona Lilla[3] sobre a durabilidade do negócio, conforme segue:

Uma das características principais desse tipo de contrato é a durabilidade, configurando-se abuso de direito a denúncia de contrato de distribuição por tempo indeterminado sem haver transcorrido prazo suficiente de acordo com a natureza do negócio e investimentos do distribuidor.

 

    Lilla[4], em relação a este tipo de contrato, apresenta um estudo que tem como finalidade analisar exatamente a questão da resilição abusiva dos contratos de distribuição, observando o entendimento da doutrina, da jurisprudência, e as regras do Código Civil, onde alerta que

Muitos fabricantes abusam do direito de resilir unilateralmente o contrato, notificando, mediante denúncia, o distribuidor, concedendo prazo de aviso prévio ínfimo, ou até mesmo sem aviso prévio, o que faz da denúncia, verdadeira rescisão contratual, trazendo diversos prejuízos para o distribuidor que, de uma hora para outra, perde seu negócio e todos os seus investimentos, amargando enorme prejuízo.

    Os investimentos a serem considerados, também compreendem os de capital de giro, os de treinamento de mão de obra. Logo, para a aferição do retorno, além da recuperação do valor original dos bens do ativo permanente, temos a correção monetária deste; a sua remuneração, juros de mercado sobre o capital investido; e o lucro. Para os investimentos em capital de giro, além do retorno do principal, temos sua remuneração, juros de mercado, sobre o capital de giro investido e o lucro. Idem para os gastos com treinamento de mão de obra. O fundo de comércio autodesenvolvido também é um dos bens, que se inclui no cálculo do Payback Method[5].

  1. Valorimetria dos lucros cessantes, pela métrica contábil adequada, margem de contribuição[6] seja pelo método direto ou indireto, art. 403 do CC/2002. A utilização do EBITDA como meio de aferição do lucro cessante, é uma heresia à luz da ciência da contabilidade e equidade. É uma falácia, porque a premissa é falsa. Entre vários erros por ignorância contábil, temos o pagamento da parcela de IR e CS a título de lucros cessantes para o distribuidor. O fluxo de caixa como parâmetro para esta indenização, lucros cessantes, é um erro material, pois não se pode confundir geração e caixa com a geração de lucros. O lucro cessante é um gênero que se divide em dois tipos: o primeiro, pelo prazo razoável de duração do negócio, que comporta o período necessário ao retorno do investimento realizado, em sintonia aos termos do parágrafo único, art. 473 do CC/2002. E o segundo, pela frustração da expectativa da renovação ou da continuação dos negócios com base no princípio contábil da continuidade, sendo este o espírito da Lei 6.729, artigo 6º, § 1º. Este é um dano potencial, ad futurum, pela frustração da expectativa da renovação ou da continuação dos negócios. A mensuração será com base, no princípio contábil da continuidade dos negócios e da teoria da probabilidade.
  2. O montante relativo às perdas e danos de imagens inclusive danos morais, que não será calculado pela perícia contábil.
  3. O montante pela perda do investimento no fundo de comércio cujo principal vetor[7] é a carteira de freguês, pois o distribuidor divulgou os produtos e desenvolveu o mercado local, formando a carteira de fregueses e divulgando a marca do fabricante, contribuindo com o viripotente crescimento desta no mercado nacional. A base legal para tal indenização verte do CC/2002, art. 187 e 927. Conforme segue:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

    O cálculo desta indenização funda-se na responsabilidade pós-­contratual e no princípio da boa-fé, que confere à parte prejudicada o direito à indenização.

    Está afastada por precedente jurídico[8] qualquer pseudoalegação de que “a força da marca do fabricante é a única influência no valor do fundo de comércio”. Este precedente ainda considera como devido o pagamento de indenização a título de fundo de comércio, sem prejuízo das demais verbas. Conforme segue:

 

Não vinga a alegação da Ré no sentido de que a força da sua marca teria influência no cálculo do fundo de comércio da Autora, em razão da facilidade de vender um produto de qualidade, com boa aceitação no mercado. E tal se afirma porque o fundo de comércio é, fundamentalmente, composto pela clientela conquistada pela Autora ao longo da relação contratual. Se o produto vendesse por si só, não haveria necessidade do distribuidor, que, em última análise, serve para incrementar as vendas, aumentando o lucro do fabricante.

 

   O mesmo precedente jurídico determinou o pagamento de indenização a título de fundo de comércio, conforme segue: ”reputa-se devido o pagamento de indenização a título de fundo de comércio, sem prejuízo das demais verbas acima mencionadas.”

   É certo o fato de que a não possibilidade da continuidade dos negócios, gera um dano pela perda da oportunidade, logo, há impossibilidade da utilização econômica dos frutos da continuidade dos negócios. Assim, com a paralisação dos negócios, perdem-se patrimônio, rendas e lucros, pois é presumível e verossímil que quem deu causa à não continuidade dos negócios deve indenizar.

   Em decorrência da atividade desenvolvida pelo distribuidor, o concedente, após rescisão unilateral do contrato, continua a aproveitar-­se dos frutos dessa carteira de fregueses, cujo investimento foi do distribuidor. Logo, os benefícios proporcionados pelo distribuidor ao concedente devem ser indenizados, benefícios estes que, na vigência do contrato, eram desfrutados por ambas as partes, e, após seu término, apenas o concedente irá desfrutar.

              

Considerações finais:

    O artigo representa, no campo técnico da contabilidade, os motivos ou a razão suficiente para tornar legítimo o raciocínio das indenizações e os meios para a sua valoração.

[1]  MARKET-SHARE – quota de mercado; fatia de mercado; participação no mercado. O termo representa a união de market, que significa mercado e share, que significa divisão, participação ou quota. Sua medida quantifica a quantidade em porcentagem de um determinado mercado.

[2]  O perito deverá informar o método científico adotado. CPC/2015, art. 473.  O laudo pericial deverá conter (…) III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou. O método do raciocínio contábil é ideal para as inspeções de atos e fatos ligados aos litígios.

[3]  LILLA, Paulo E. O Abuso de Direito na Denúncia dos Contratos de Distribuição: O Entendimento dos Tribunais Brasileiros e as Disposições do Novo Código Civil. Disponível em: ‹http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9165-9164-1-PB.pdf›. Acesso em 8/12/15.

[4]  LILLA, Paulo E. O Abuso de Direito na Denúncia dos Contratos de Distribuição: O Entendimento dos Tribunais Brasileiros e as Disposições do Novo Código Civil. Disponível em: ‹http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9165-9164-1-PB.pdf›. Acesso em 8/12/15.

[5]  Payback  Method – Método de Recuperação do Investimento. O cálculo consiste em dividir o investimento total, o ativo operacional nele incluído o fundo de comércio, pelo lucro líquido anual da operação sem depreciação. O resultado desta divisão indica o retorno do investimento em número de anos.

[6]  Detalhes da aferição pela via da margem de contribuição, constam na literatura clássica contábil especializada. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Perdas, Danos e Lucros Cessantes em Perícias Judiciais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2012. “O método direto do cálculo dos lucros cessantes é aquele pelo qual são aferidas as principais classes dos resultados econômicos, deduzindo-se da receita da operação os itens que não podem compor a mensuração do resultado a indenizar. E por sua vez o método indireto, é aquele pelo qual o resultado líquido é ajustado pelos efeitos de transações de natureza fixa que não podem compor a indenização, e de quaisquer acréscimos ou decréscimos do resultado econômico que não sejam operacionais. Os peritos são encorajados a relatar os lucros cessantes usando os dois métodos. Este cuidado proporciona um teste pelo confronto do resultado entre o método direto e indireto a partir dos registros contabilísticos, de maneira que seja mais perceptível a exatidão desta aferição. À luz da teoria pura da contabilidade, em especial com o uso da epiqueia contabilística, é possível a aferição do montante dos lucros cessantes de forma direta ou indireta. Tendo como ponto de partida o resultado econômico e sempre com base no referente margem de contribuição.”

[7]  A literatura especializada aborda os “vetores” com o seguinte sentido: ”Os vetores têm força econômica diversa, pois se pronunciam de diferentes formas, uma vez que existem diferentes modos de se organizar a empresa bem como, diferentes formas de empresas e diferentes modos de se administrar, ou seja, de gerir negócios durante o exercício da empresa.” HOOG, Wilson Alberto Zappa. Fundo de Comércio – Goodwill em: Apuração de Haveres – Balanço Patrimonial – Dano Emergente – Lucro Cessante – Locação não residencial – Desapropriações – Cooperativas – Franquias – Reembolso de Ações – Acervos Técnicos. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2014.

[8]  TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SÉTIMA CÂMARA CÍVEL – Apelação Cível 0013111-09.2004.8.19.0066. Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2013.  Desembargador Relator LUCIANO SABOIA RINALDI DE CARVALHO.  “Apelação Cível. Direito Civil. Contrato verbal de distribuição de tintas, em regime de exclusividade. Rescisão imotivada e unilateral do contrato, pelo fabricante, sem concessão de aviso prévio razoável ao distribuidor. Abuso de direito que enseja o dever de indenizar a parte ofendida a título de lucros cessantes, fundo de comércio e danos morais. Dano material quantificado, com o necessário respaldo técnico, por meio de perícia econômico-financeira realizada em segundo grau de jurisdição. Dano emergente não configurado, por ausência de demonstração.

 

Publicado em 22/03/2016.