Pontos Relevantes na Apuração de Haveres, CPC/2015: Precificação dos Ativos inclusive o Intangível e dos Passivos.

 

Prof. Me Wilson Alberto Zappa Hoog

 

 

Resumo: Apresentamos uma breve análise sobre a precificação de haveres pós CPC/2015, relativa aos preços dos itens do ativo, inclusive o intangível, e dos itens do passivo. E para tal será considerado como referente doutrinário, a obra de Antônio Lopes de Sá: Fundo de Comércio: Avaliação de Capital e Ativo Intangível. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2017, e os artigos 604 ao 607 do CPC/2015, além do CC/2002 e da Lei 6.404/1976. Abordaremos como ponto essencial em relação ao método de avaliação, a questão de uma dúvida razoável, como uma forma natural de restauração do equilíbrio e revisão de critério de avaliação, nos termos do art. 607 do CPC/2015.

Palavra-chave: #Fluxo de caixa descontado. #Dúvida razoável. #CPC/2015, arts. 604 ao 607. #Riscos na precificação do fluxo de caixa descontado. #Fundo de comércio. #O intangível fundo de comércio. #Apuração de haveres. #Justo valor na precificação dos haveres.

 

  1. Introdução

    Objetivando disponibilizar ao meio acadêmico e profissionalizante uma posição, em relação à precificação de haveres e os riscos nela inerentes, apresentamos sucintamente o sentido e o alcance, em relação aos arts. 604 a 607 do CPC.

  1. Desenvolvimento:

    Os dois critérios mais comuns de apuração de haveres, são o balanço de determinação e o fluxo de caixa descontado. O FCD tem a sua aplicação mais vinculada ao fechamento de capital de sociedades anônimas, ou à alienação das ações, e o balanço especial ou de determinação, tem sua aplicação mais prestigiada pelo judiciário em função do CC/2002 e do CPC/2015.

    O critério para a fixação da apuração dos haveres, em situações judiciais, será fixado pelo juiz[2], que também deverá nomear perito especializado em avaliações nos termos do inc. III do art. 604 do CPC/2015. Estes peritos deverão estar cadastrados no Tribunal, por força do § 1º do art. 156 do CPC/2015.

E sem embargos à possiblidade de os sócios pactuarem o fluxo de caixa descontado como critério para a avaliação dos haveres, este pode ser revisto pelo juiz[3], a pedido da parte, a qualquer tempo antes do início da perícia; apesar de que deve a priori, prevalecer a vontade dos sócios manifestada no contrato social ou no estatuto social, salvo vício de origem[4].

    A possibilidade de se rever tal cláusula e mudar o critério, está pautada na possibilidade da existência de uma injustiça de um critério que esteja distorcendo a realidade científica ou o erro na estimativa, de uma probabilidade e da sua não ocorrência é relevante; para isto, mudança no critério, basta uma dúvida razoável.

    Uma dúvida razoável, por si só, justifica o não pagamento dos haveres pelo critério do FCD, até que seja o ponto obscuro clarificado sob pena de gerar, quiçá, um dano irreparável, locupletação sem causa. A dúvida pode surgir por uma interpretação equivocada de uma evidência. A data da precificação dos haveres, deve ser a data da resolução e não em uma data futura (10 anos + perpetuidade[5]) como é a avaliação do fluxo de caixa descontado.

    Uma dúvida razoável pode ser o simples fato de que não existe uma prova científica da existência de um sistema de probabilidade que elimine o risco do axioma da incerteza numa predição de um fluxo de caixa descontado, ou seja, não conhecemos uma forma de “entropia do fluxo[6]” que seja definida como sendo uma forma de medir o grau de incerteza a respeito de fontes de informação e de “todas as amostras ou hipóteses possíveis”, e consequentemente, medir e prevê a incerteza de uma variável fortuita. A dúvida razoável sobre a eficácia do método do FCD está ancorada no risco da probabilidade de erro na expectativa do fluxo de caixa descontado, uma vez que a definição costumeira de probabilidade é: “número de casos favoráveis constante das hipóteses, dividido pelo número de casos igualmente possíveis”. A maior falha dessa definição está em que ela se aplica exclusivamente, aos dados ou hipóteses que foram consideradas, excluindo outros casos possíveis. Com este sobreaviso, a título de uma consideração científica, temos as seis hipóteses em relação à predição do resultado do fluxo de caixa descontado, logo, é presumível que exista quase uma (1) chance de acerto em seis hipóteses previstas, tal qual a probabilidade do jogo de dados:

  • 1ª hipótese – a de acertar a predição especulativa do FCD;
  • 2ª hipótese – a de existir uma concorrência acirrada ou profana, que mude o market-share, que reflete erro na predição do FCD;
  • 3ª hipótese – a de existir uma depressão econômica, que reflete erro na predição do FCD;
  • 4ª hipótese – a de existir uma recessão econômica, que reflete erro na predição do FCD;
  • 5ª hipótese – a de existir uma estagnação econômica, que reflete erro na predição do FCD;
  • 6 ª hipótese – a de não ocorrer nenhuma das alternativas anteriores, logo, temos erro material na predição do FCD.

    Em prestígio à verdade real do conhecimento científico, temos a probabilidade de quase erro de 5/6, ou seja, de 83,33% de possibilidade de não ocorrer a precificação de preço das quotas ou das ações, pois a possibilidade de erro não é diminuta, e é amplo o risco do erro material, e isto pode ficar claro e evidente ao juiz, como uma dúvida razoável para que prevaleçam a ampla defesa e o contraditório,   afastando-se o pacta sunt servanda que vincula a avaliação ao método do  fluxo de caixa descontado, sob pena de indução a erro e injustiça. Prioriza-se a verdade científica em prol da rebus sic stantibus.

    Após uma reflexão científica pode surgir a dúvida razoável, que é uma sucessão e coexistência de situações antagônicas. O paradoxo da dúvida afirma que é preciso ter certeza da dúvida. E atribuída ao filósofo Aquino[7] o seguinte pensamento: “Tenha certeza de suas dúvidas”. A passagem do estado de dúvida de um perito para o estado de certeza, só é possível após a análise técnico-científica da documentação contábil hábil e fiel, e a utilização de teorias contábeis hábeis e das métricas contábeis adequadas para a solução de pontos controvertidos.

    Por uma questão de raciocínio lógico contábil, justiça e equidade,  espera-se que a precificação dos haveres de sócio ou de acionista  que se desliga da sociedade anônima de capital fechado ou LTDA. de grande porte, seja pautada no “justo valor”  (§ 1° do art. 183 da Lei 6404/1976). Para fins do balanço de determinação dos haveres está se prestigiando a figura do justo valor, ou seja, “preços de mercado[8]” que tem como proposta implícita de ser um preço legítimo, imparcial e reto, pautado na equidade, dentro de um livre mercado e livre concorrência. Para as demais formas de se organizar a empresa, a inclusão do ativo intangível, fundo de comércio/aviamento autodesenvolvido, também tem respaldo no princípio da “fidelidade, clareza, a da situação real da empresa”, que verte do CC/2002, arts. 1.188[9] e 1.031[10], salvo disposição contratual em contrário.

    Para os principais itens do ativo e passivo

  1. Matéria-prima e mercadorias: preço pelo qual possam ser repostos, mediante compra no mercado, na data da apuração dos haveres;
  2. Para os títulos de créditos ou cambiais: ajustados a valor presente, logo, excluídos os encargos financeiros futuros.
  3. Para os bens produzidos e destinados à venda: o preço líquido de realização mediante venda no mercado, deduzidos os impostos e demais despesas necessárias para a venda, e a margem de lucro;
  4. Para os itens do ativo imobilizado: pelo preço de mercado; logo, por uma questão de lógica, para evitar a locupletação sem causa, devem os bens serem reavaliados.
  5. Para o principal item do ativo intangível, o atributo do estabelecimento empresarial fundo de comércio/aviamento autodesenvolvido, deve ser avaliado pelo seu preço de saída, à data da apuração dos haveres. A ausência deste item, assim como dos demais itens do ativo e passivo, configuram uma anormalidade, por uma questão de lógica contábil e “justo valor”, logo, todos os ativos e passivos devem compor os haveres, pois, sem os mesmos, não existe balanço de determinação[11] a justo valor, e a precificação dos haveres se reduzirá a uma injustiça. A obrigatoriedade da avaliação do intangível fundo comércio está pacificamente assegurada no art. 606[12] do CPC/2015 e pela jurisprudência. Qualquer premissa avaliatória do balanço de determinação, que exclua o intangível fundo de comércio autodesenvolvido, configura uma verdadeira falácia frente à teoria contábil do valor. Sobre a teoria do valor, ver a literatura do prof. Dr. Lopes[13];
  6. Para as obrigações em geral, encargos e riscos, estes serão mensurados pelo valor atualizado até a data[14] da apuração dos haveres;
  7. Para as obrigações em moeda estrangeira, pela taxa de câmbio em vigor, passivo não circulante;
  8. Para as obrigações em geral (passivo não circulante), serão ajustados ao seu valor presente à data da apuração dos haveres;
  9. E como regra geral, temos a inclusão de todos os ativos e passivos ocultos ou subjacentes, e existentes na data da apuração dos haveres.

Considerações Finais:

    O artigo pretende demonstrar no campo da verdade contábil científica, os motivos ou as principais razões para que um método de avaliação seja discutido e revistos os métodos de avaliação das quotas ou ações, ainda que constantes no contrato social ou no estatuto social. Portanto, uma dúvida razoável é motivo suficiente para que sejam revistos os critérios pelo juiz.

    Um testemunho técnico baseado no conhecimento da ciência da contabilidade, submetido ao contraditório técnico, é infalível, para que o juiz possa embasar a sua decisão, desde que sejam atendidos todos os pressupostos legais.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

_____. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2016.

SÁ, Antônio Lopes de. Teoria da Contabilidade. 3. ed. Atlas, 2002, p. 193.

[1]   Mestre em ciência jurídica, bacharel em ciências contábeis, arbitralista, mestre em direito, perito-contador, auditor, consultor empresarial, palestrante, especialista em avaliação de sociedades empresárias, escritor e pesquisador de matéria contábil, professor doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino. Informações sobre o autor e suas obras podem ser obtidas em: http://www.jurua.com.br/shop_search.asp?Onde=GERAL&Texto=zappa+hoog. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 . E-mail: wilson@zappahoog.com.br.

[2]   CPC/2015,Art. 604.  Para apuração dos haveres, o juiz: I – fixará a data da resolução da sociedade; II – definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e III – nomeará o perito. § 1o O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos. § 2o O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores. § 3o Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa.”

[3]   CPC/2015, Art. 607.  A data da resolução e o critério de apuração de haveres podem ser revistos pelo juiz, a pedido da parte, a qualquer tempo antes do início da perícia.

[4]   Vício de origem – vícios de origem são defeitos originários; entre os muitos tipos, temos: (…) Em relação ao contrato social ou estatuto social diz-se de toda forma de defeito que torna uma vontade inadequada para os fins que se propõe, sendo que este defeito pode invalidar um ato jurídico, ou parcialmente um contrato por desvirtuar a vontade ou a verdade real. Pode ser pela geração de um ônus excessivo para uma das partes ou por um desequilíbrio econômico financeiro. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2016.

[5]   Perpetuidade – [do latim perpetuitate]  tem o sentido de indicar uma série infinita, ou de duração muitíssimo longa de fluxos de caixa. A perpetuidade é um tempo infinito tendendo para o perene. O valor da perpetuidade do fluxo de caixa representa o valor residual deste fluxo, pois considera que o fluxo de caixa projetado estende-se de forma perene. O valor residual ou da perpetuidade é o valor presente do fluxo de caixa calculado a partir do ciclo de caixa projetado, 5 ou 10 anos (após o período de projeção explícita). A perpetuidade pode ser com crescimento ou sem crescimento. Quando existe uma taxa de retenção do lucro líquido para ser aplicada no desenvolvimento do próprio negócio, admite-se a perpetuidade com uma taxa de crescimento. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá. No prelo, 2017.

[6]   A entropia de um fluxo de predição de caixa, é uma função das grandezas de precificação utilizadas na definição e descrição do estado de crescimento ou de decrescimento durante o período da previsão.

[7]   São Tomás de Aquino foi um frade que nasceu em 1225 na Itália, cujas obras tiveram enorme influência  no pensamento filosófico, particularmente na ética,  metafísica e teoria política.

[8]    Preços de mercado – citação do art. 298, inc. III, que trata do reembolso que está ligado ao balanço especial; § 2º do art. 45, todos da Lei 6.404/1976.

[9]   CC/2002Art. 1.188.O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.

[10]  CC/2002Art. 1.031.Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. ”

[11] CPC/2015 – Art. 606.  “Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma. Parágrafo único.  Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades.

[12]  CPC/2015 – Art. 606.  “Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.” Grifo do autor.

[13]  SÁ, Antônio Lopes de. Teoria da Contabilidade. 3. ed. Atlas, 2002, p. 193.

[14]  CPC/2015Art. 605.  “A data da resolução da sociedade será: I – no caso de falecimento do sócio, a do óbito; II – na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; III – no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; IV – na retirada por justa causa de sociedade  por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e V – na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado.”

Publicado em 08/02/2017.