Princípios de Contabilidade. Os Postulados Primários da Contabilidade

 

 Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

 

Resumo:

         Apresentamos um breve comentário sobre o sentido e alcance da categoria: princípios da contabilidade, com ênfase nos postulados da teoria pura da contabilidade. Considera-se para tal a existência da ciência da contabilidade e da política contábil.

Palavras-chave: Contabilidade. Política contábil. Viga mestra da contabilidade. Ciência da contabilidade. Princípios de contabilidade. Teoria pura da contabilidade.

Desenvolvimento:

        Apresentamos uma breve análise sobre o sentido e alcance do conceito da categoria: “princípios da contabilidade”, à luz da teoria pura da contabilidade.

        Considera-se que a categoria “princípio”, aplicada à ciência da contabilidade, constitui a essência da própria estrutura científica da contabilidade com uma multifunção, pois serve de exemplo ao legislador, no fundamento de normas jurídicas contábeis; serve também como um manancial doutrinário para orientar o intérprete.

        Os princípios funcionam como parte estrutural do sistema contábil, na aplicação de regras para a escrituração e elaboração de relatos e demonstrativos. Isto posto, é possível concluir que os princípios, de forma ampla, auxiliam na criação das normas jurídicas contábeis, ou seja, na elaboração da política contábil, e são aplicáveis como fonte de direito contábil, além da sua função norteadora na concretização da ciência contábil. O princípio sempre antecede a criação de uma norma jurídica contábil.

      Considerando a contabilidade como ciência social, avulta a questão do regime principiológico[1] por ser de suma importância a ciência, dada sua condição primária de viga mestra para a formação do conhecimento contabilístico. Portanto, os princípios, representam a base fundamental e imutável do conhecimento contábil, pois sobre esta viga mestra assenta-se toda  a semântica[2], epistemologia[3], axiologia[4] e o desenvolvimento da contabilidade como ciência pura.

       Por constituírem o fundamento da ciência contábil, os princípios  preexistem às teorias, sendo eles os fundamentos doutrinários da  contabilidade.

      E a contabilidade como política aplicada, precisa subordinar-se às regras de procedimentos, que são rotuladas, como princípios aceitos indistintamente, como se vê na Resolução CFC 750/93, porém necessário se faz distinguir os que constituem a conceituação básica da contabilidade como ciência, daquelas que são meras regras, ou seja, uma regulamentação, para sua aplicação prática por meio do CFC. Alguns deles, quiçá, não passam de meras normas de contabilização, podem ser rotulados, mais adequadamente, como sendo características da informação contábil no Brasil.

       Daí a necessidade de distinguirmos os princípios  da ciência contábil, que têm força doutrinária, daqueles que são apenas princípios da política contábil, que servem para orientar o registro dos fatos e que podem ser mudados e adaptados às circunstâncias e ambiência em que se aplicam, seja, financeira, econômica ou social.

        À luz da contemporânea teoria pura da contabilidade, podemos entender a categoria “contabilidade” como um gênero de duas espécies:

        I – a Ciência da Contabilidade – ocupa-se dos enunciados e da própria ciência, ou seja, a teoria pura da contabilidade como disciplina autônoma. Esta se utiliza da filosofia, a qual leva a uma reflexão do seu objeto e constrói conceitos e não, à execução operacional, que é cuidada pela política contábil;

        II – a Política Contábil – ocupa-se das normas jurídicas postas.

        Em síntese, a espécie “ciência” descreve a contabilidade como ela é. Enquanto a espécie “política” prescreve como deve ser a contabilidade.

      O saudoso cientista contábil Prof. Dr. Lopes de Sá[5], criador do neopatrimonilismo[6], cataloga os seguintes princípios contábeis:

  1. Coexistência – Princípio segundo o qual o fenômeno patrimonial expresso por uma conta depende sempre da existência de outra, ou seja, existem sempre simultaneamente;
  2. Competência – Princípio segundo o qual as receitas, os custos, as perdas, os ganhos e as despesas devem ser registrados no exercício a que pertençam;
  3. Consistência – Princípio segundo o qual é possível a comparação dos dados por uniformidade das informações;
  4. Continuidade – Princípio segundo o qual a vida de uma célula social tende a continuar, pois nasce para perdurar;
  5. Correção monetária – Princípio segundo o qual se ajustam os valores patrimoniais de acordo com a perda do poder aquisitivo da moeda;
  6. Custo histórico – Princípio segundo o qual se efetuam as comparações dos investimentos, custos e despesas com as previsões tidas como ideais;
  7. Entidade – Princípio segundo o qual a pessoa de um sócio não se confunde com a pessoa jurídica, pois ambas têm autonomia patrimonial;
  8. Equidade – Princípio segundo o qual devem ser afastados os conflitos de interesse nos registros contábeis pela preservação de critérios de igualdade e moderação;
  9. Especialização – Princípio segundo o qual todas as receitas, despesas e demais fatos devem ser reconhecidos, independentemente de sua realização. Como exemplo, uma venda antecipada de uma safra agrícola. Esse princípio recebe críticas no mundo acadêmico, não gozando de consenso;
  10. Expressão monetária – Princípio segundo o qual todos os componentes patrimoniais têm uma medida e registro do seu valor monetário;
  11. Extensão – Princípio segundo o qual a extensão das contas deve atender às necessidades totais da escrituração contábil;
  12. Formalização – Princípio segundo o qual todos os fatos contábeis devem ser caracterizados na escrita contábil;
  13. Homogeneidade – Princípio segundo o qual uma conta só pode registrar os fatos de uma mesma natureza;
  14. Integração – Princípio segundo o qual os balanços devem ser consolidados ou integrados quando pertencem a um mesmo grupo econômico;
  15. Integridade – Princípio que enuncia que todos os fatos que digam respeito à mesma natureza sejam unidos em uma única conta. O princípio da homogeneidade prega a reunião de elementos iguais; a integridade obriga que todos os iguais estejam reunidos;
  16. Invariabilidade – Princípio segundo o qual as contas devem ser previamente estabelecidas, mantendo, durante o exercício social, a uniformidade dos títulos, funções e técnicas de funcionamento;
  17. Materialidade – Princípio que enuncia a conveniência ou não de incluir um dado ou informação nas peças contábeis, em razão da importância ou relevância que possa ter para os usuários;
  18. Oportunidade – Princípio que enuncia a instantaneidade dos registros, que tolera a estimativa e até a ausência imediata de documento, sem, todavia, dispensar o ajuste da estimativa e a produção documental;
  19. Periodicidade – Princípio que determina o mesmo período de duração e apuração do rédito;
  20. Prudência – Princípio que enuncia menores valores ao ativo e receita e maiores para o passivo e despesa, quando diante de uma incerteza;
  21. QualificaçãoQuantificação – Princípio que enuncia a obrigação da expressão qualitativa e quantitativa da riqueza;
  22. Terminologia contábil – Princípio que estabelece a necessidade do uso de categorias e vocábulos adequados à perfeita realização da contabilidade. A linguagem deve sempre ser a científica e não a coloquial, preservando-se o idioma nacional, a clareza e a fidelidade. Pertencem à terminologia todas as categorias dos dicionários contábeis, pois são adotados pela contabilidade;
  23. Uniformidade contábil – Princípio que determina a manutenção de critérios sempre iguais na execução do labor contábil e visa evitar distorções nos fatos patrimoniais.

        Estes princípios catalogados por Lopes são agasalhados pela nossa moderna teoria pura da contabilidade[7], isto sem embargos ao fato de que existem outros princípios contábeis, nomeadamente os específicos ao balanço como: o da instantaneidade, o da integridade, o da oportunidade, o da uniformidade ou da homogeneidade, o da sinceridade, e o da clareza.

        Cabe destacar que a substância sobre a forma não é um princípio e sim, uma teoria e, como tal, possui teoremas e princípios próprios.

       

CONSIDERAÇÕES FINAIS

         Em síntese, a espécie “ciência” descreve a contabilidade como ela é. Enquanto a espécie “política” prescreve como deve ser a contabilidade. Motivo pelo qual a contabilidade apartada da política contábil, portanto, ciência pura, é um referente para fins de estudos avançados dos princípios na formação da doutrina, e o regime de princípios ditados pelo CFC, é uma forma de prescrição de como deve ser observado o patrimônio.

        Os princípios representam a viga mestra, onde se assenta toda a doutrina e consequentemente, o conhecimento contábil puro e verdadeiro da ciência.

        Constituem princípios de contabilidade no Brasil, de forma restrita e exclusiva para os fins da política contábil, os grafados na Resolução CFC 750/93. E a observância dos princípios de contabilidade é obrigatória para os fins da política contábil brasileira, inclusive para o exercício da profissão.

        A proposta deste artigo concentra-se em:

        I – Incentivar no Brasil o estudo dos princípios da contabilidade, com a adoção de um programa de estudo das vigas mestras da contabilidade, que visem à aplicação da filosofia contabilística[8], por constituírem em um aprimoramento do conhecimento contábil[9].

        II – Estabelecer um ferramental científico de referência que seja lógico, racional e que prestigie e privilegie o conhecimento doutrinário mediante a conscientização[10] da importância de se compreender os princípios em toda a sua extensão e aplicação científica.

        III – Implementar ações concretas para combater a fraqueza da formação acadêmica, quer no âmbito de graduação quer no da pós-graduação.

     IV – Despertar o conhecimento filosófico-contábil para se criar condições de se refutar o paralogismo[11] de que os princípios de contabilidade estão condensados e restritos unicamente à Resolução CFC 750/93, pois a viga mestra não pode ser tomada a partir de uma premissa ambígua.

     V- E por derradeiro, este artigo fundamenta-se no fato de que nada serve ao conhecimento atual da contabilidade, se o mesmo não for divulgado e analisado criticamente numa perspectiva evolucionista, sendo que esta crítica faz parte da dialética e da nossa liberdade de cátedra.

[1]  REGIME PRINCIPIOLÓGICO CONTABILÍSTICO – representa todo um conjunto de preceitos normativos ou convencionais, obrigatórios e inalteráveis, que regem os registros dos fatos e dados das relações patrimoniais, pela contabilidade, enquanto ciência ou política.

[2]  SEMÂNTICA CONTÁBIL – é o estudo das mudanças sofridas pelos verbetes contábeis, no tempo e no espaço, pela evolução dos estudos e acepção do alcance dos conceitos e das palavras ou linguagem técnica.

[3]   A epistemologia é o conjunto de informações que têm por objeto o conhecimento científico, visando explicar os seus condicionamentos tecnológicos, históricos, sociais, lógicos, matemáticos ou linguísticos.

[4]   Axiologia tem o sentido de um estudo crítico do conceito de valor contábil, à luz da teoria pura da contabilidade.

[5]    SÁ, Antônio Lopes de. Dicionário de Contabilidade. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 363.

[6]  NEOPATRIMONIALISMO – corrente ou doutrina de pensamento moderno da contabilidade, que surgiu no Brasil, com forte repercussão internacional. Trata-se de um esforço intelectual para atingir a função social plena do conhecimento científico contábil. Segundo o seu criador, o saudoso Prof. Sá, adotou-se como método, ampliar a indagação aos “fatos que fazem acontecer as transformações da riqueza”, além de observar o que aconteceu e o que poderá acontecer. Fundamenta-se em axiomas e teoremas que guiam toda a doutrina neopatrimonialista. Possui metodologia própria que a distingue das demais e do próprio patrimonialismo científico de Vincenzo Masi, tomado como ponto de referência. O neopatrimonialismo tem como origem um corpo de doutrinas que se formou no mundo latino e que foram criadas por grandes cientistas contábeis, tais como: Giovanni Rossi, Fabio Besta, Vincenzo Masi, Alberto Ceccherelli (Itália), Jaime Lopes Amorim (Portugal) e Francisco D’Áuria (Brasil). Esta corrente doutrinária científica tem por objeto o estudo das riquezas das células sociais e suas prosperidades, tendo como alicerce a teoria geral do conhecimento da contabilidade. A doutrina neopatrimonialista parte do brocardo de que o capital deve satisfazer as necessidades materiais das células sociais, para que estas células sejam sempre eficazes e possam crescer continuadamente; este crescimento se denomina prosperidade. Prega que o patrimônio está sempre em mutação, ou seja, em constante transformação, e a partir desta verdade real, o neopatrimonialismo construiu os dois primeiros axiomas de suporte: o axioma da movimentação e o da transformação. Contudo, esta corrente admite que o capital não se move por si mesmo, visto que depende da ação de forças externas. Uma visão neopatrimonialista não se preocupa apenas com “o que aconteceu”, mas, sim, “por que aconteceu” o fato patrimonial, pois qualquer movimento da riqueza implica uma transformação que é sempre constante e relacionada com a sua ambiência ou com o seu entorno.

[7]   A moderna teoria pura da contabilidade pode ser estudada em sua plenitude, no livro: Teoria Pura da Contabilidade  Ciência e Filosofia. 3. ed. Rev. e Atual.– 2013. Curitiba: Juruá Editora.

[8]   FILOSOFIA CONTABILÍSTICA – a filosofia contabilística é o conhecimento que provoca e adiciona valor à carreira de um contador. Portanto, é um conjunto muito complexo de conhecimentos da ciência que gera o pensamento da contabilidade, pois envolve as riquezas, as pessoas, as teorias e a vida social em que estão inseridas. Como exemplo, tem-se as figuras das verdades: a verdade relativa, a verdade real e a verdade formal. Necessário se faz assim, conhecer a teoria pura da contabilidade, portanto, tem-se a busca de uma compreensão bastante precisa e profunda da ciência contábil. E do conhecimento obtido a partir do estudo da filosofia contábil, para se desenvolver na vida profissionalizante com uma visão crítica científica. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil. Curitiba: Editora Juruá. 7. ed. 2012

[9]  CONHECIMENTO CONTÁBIL – é uma propriedade que têm os estudiosos da contabilidade, para compreender os fenômenos patrimoniais. É um processo pelo qual se determina a relação entre causa e efeito na movimentação patrimonial. Portanto, indica a assimilação do objeto, objetivo e função da contabilidade, como uma percepção clara e completa. Consequentemente varia de intensidade, em decorrência do grau de impressão ou de atividade intelectual que se obtém com o estudo. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil. Curitiba: Editora Juruá. 7. ed. 2012

[10] CONSCIÊNCIA CONTÁBIL – é o atributo do lidador da contabilidade, desenvolvido pelo estudo científico da ciência contábil.

[11]  Um paralogismo indica uma reflexão por um raciocínio que não é válido, ou seja, falso, mas que tem aparência de verdade. O paralogismo é diferente de sofisma, pois não é produzido intencionalmente para enganar, e um sofismo é intencional. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil. Curitiba: Editora Juruá. 7. ed. 2012

Publicado em 04/10/2013.