Confusão Patrimonial, Perícia, e a Quebra da Personalidade Jurídica

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

    O estudo das situações de confusão patrimonial, na ambiência de um laboratório de perícia forense-arbitral, nos proporciona a oportunidade de apresentar uma reflexão em relação ao conceito que segue:

    Uma confusão patrimonial, em primeira vista, é um ato persecutório, ou seja, que persegue incansavelmente o fenômeno da quebra da personalidade jurídica entre duas ou mais pessoas, motivada por abuso de poder, combinação ilícita de bens, ou desvio de finalidade. Lembrando que a quebra da personalidade é para fins e responsabilidade nos termos do inciso VII do art. 490 do CPC/2015.

    Não se pode embaralhar o conceito de confusão patrimonial, com evasão fiscal, com elisão fiscal, esgotamento patrimonial ou perda de bens, e/ou com as questões vinculadas às. garantias de pagamento de indenizações ligadas ao direito do trabalho, ao direito tributário, ou às questões vinculadas ao crime. O efeito desta diferenciação é deveras importante, pois patrimônio representa o conjunto de bens, direitos e obrigações de uma pessoa, logo, o que é de uma pessoa jurídica, não se mistura com o que é de um sócio, pessoa física, assim como, os bens de uma sociedade coligada, não se misturam com os bens de uma sociedade controladora, ainda que forme um grupo econômico, grupo familiar[1] ou um grupo de subordinação[2].

   Não podemos negar que: confusão patrimonial é um conceito indeterminado[3] pela legislação em vigor.

  Uma confusão patrimonial representa a mistura efetiva de bens, direitos e obrigações na sua essência, e não na forma, pois a confusão de aparência, é aquela motivada pela boa-fé, que leva a erros de percepção, como, por exemplo, acreditar que os bens que estão em um estabelecimento empresarial são propriedade do dono do estabelecimento, quando ele possuía na essência apenas a posse e não o domínio.

  Como exemplo de uma possível magnitude de uma confusão patrimonial: nas sociedades limitadas, por força da regra geral do art. 1.007 do CC/2002, os sócios devem participar das perdas, assim como, dos lucros, portanto, se existir prejuízo em um exercício social e este afetar o capital social, que é garantia de credores, sem que os sócios tragam capital, pela via de distribuição dos prejuízos/perdas para absorver a diminuição real  do capital social, significa confusão patrimonial, pois os sócios estão misturando patrimônio pessoal, na medida em que não transferem seus bens pessoais à sociedade, ou seja, os sócios se apropriaram indiretamente do capital social. Outro exemplo da magnitude da confusão patrimonial, temos os empréstimos efetuados pelos sócios, que comprometem o capital de giro a curto prazo da sociedade, esta confusão patrimonial foi motivada pelo desvio de finalidade.  É preciso entender e mapear os contornos de um ato e/ou de um fato patrimonial seja ele permutativo ou modificativo, para compreender o fenômeno da confusão patrimonial.

   Exemplo de uma “não confusão patrimonial”, de magnitude relevante, são os aspectos vinculados aos atos dolosos que levam ao esbulho[4] patrimonial.

  Como exemplo de uma confusão patrimonial aparente, temos o caso de uma transportadora na aquisição da posse de um bem caminhão via leasing, que registra como um ativo imobilizado, enquanto a financeira, também contabiliza o mesmo caminhão como um ativo imobilizado. Surgindo a confusão patrimonial aparente, pois a transportadora tem apenas a posse e o direito de adquirir o domínio após pagar 100% da dívida.

   Uma confusão de personalidade jurídica leva a uma pseudoconfusão patrimonial, que é fictícia por consequência lógica.

   Uma confusão patrimonial real pode ser nociva aos credores, por parte de apropriações indevidas das suas garantias, motivo pelo qual, a desconsideração da personalidade jurídica é um verdadeiro remédio jurídico imposto pela Justiça, para se restabelecer as garantais dos credores, quando uma pessoa se utiliza de bens de terceiros. Isto posto, diante da mistura de bens, é possível concluir que os efeitos da confusão patrimonial real, implicam em prejuízos, seja para credores por falta de garantias, ou para o próprio titular do bem que foi utilizado por terceiros em prejuízo de sua atividade produtora, hipótese em que um terceiro se apropriada de bens alheios. Lembrando que o proprietário de um bem tem o dever de diligência e de probidade para assegurar o domínio e percepção das rendas de um bem.

  Quem acusa alguém de confusão patrimonial, tem o dever de provar. E a existência de confusão patrimonial, não se dá por meros indícios, pois depende de perícia contábil que leva a análise do corpo probante para identificar evidências de onde foram aplicados os bens e quem se beneficiou da renda. Surge com a contribuição dos peritos, uma aplicação de procedimentos de ceticismo na busca de uma asseguração no mínimo razoável da existência ou não de confusão patrimonial. O uso de indícios genéricos e imprecisos de confusão patrimonial de uma pessoa jurídica, viola o princípio da dignidade da pessoa jurídica que esculpiu o art. 170 da Constituição da República Federativa do Brasil, possibilitando, quiçá, indenizações por danos morais.

   A simples existência de: um grupo econômico, grupo de subordinação e coordenação, sociedades de propósitos específicos, grupo familiar ou da formação de consórcio de empresas, não significa confusão patrimonial ou desvio de finalidade, pois cada uma das pessoas possui a sua autonomia patrimonial e responsabilidades. A confusão patrimonial não ocorre somente em bens do ativo não circulante, pode ocorrer com o saldo do caixa dos estoques, e até mesmo, com distribuição disfarçada de lucros já que quem recebe lucros maquiados se apropria de bens de outros, e a apropriação de bens alheio, inclusive, configura confusão patrimonial, porém se recebidos de boa-fé, não configura evasão fiscal ou crime, para refletir, vamos pensar em uma Cia de capital aberto onde os acionistas recebem de boa-fé dividendos fictícios, criados por uma contabilidade criativa e maquiada.

   A confusão patrimonial real pode ser responsável por um desequilíbrio econômico-financeiro de um negócio. A desconsideração da personalidade jurídica como remédio, para casos de confusão patrimonial, para se restabelecer garantias, possui contraindicações, como, por exemplo: um fornecedor, que sabia da existência de confusão patrimonial forneceu bens ou serviços, ou um sócio que adquire quotas sociais, sabendo ou devendo saber que se tratava de uma sociedade descapitalizada e insolvente, mas que compõe um grupo econômico ou grupo de subordinação.

   A remessa de bens, matéria-prima, para industrialização, e sua venda como componente de peças e partes a outra pessoa de um mesmo grupo econômico, por si só, não configura confusão patrimonial, ainda que todas as pessoas jurídicas deste grupo, estejam funcionando em um mesmo endereço e seus sócios sejam pessoa interligadas ou coligadas.

   É imperioso dizer que fornecedores candidatos a credores, devem elaborar uma análise do conjunto das demonstrações financeiras de seus fregueses, e que podem exigir garantias reais de hipoteca e até mesmo avais, não se limitando a alegações de confusões patrimonial.

   A Teoria da Confusão Patrimonial necessita de uma reflexão multiprofissional: contadores, administradores, economistas e advogados que pensem a confusão patrimonial em seus múltiplas aspectos (conceitos, características, exteriorização, meios operantes, provas, entre outros) apontado as consequências de cada ponto de vista destas profissionais, não perdendo da mira, que todas as formas lícitas de se criar uma célula social, não podem ser consideradas como indícios de confusão patrimonial.

    E por derradeiro, as análises da aplicação das hipóteses de confusão patrimonial, como a que está contida na nossa doutrina, para um caso real, com juízo de liberdade científica de um perito, contador intérprete, ou de um julgador, contribuem sobremaneira para a eliminação de conflitos doutrinários, solução de pontos controvertidos, e aclaramento de conceitos, princípios e lacunas da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Preenchendo os requisitos básicos para a existência de uma justiça. Já que o Laboratório de Perícia Contábil Forense-arbitral, Zappa Hoog & Petrenco é tido como uma referente nacional em termos de perícia contábil.

     O sentido e alcance deste conceito, confusão patrimonial, consta de nossa literatura: HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023, no prelo.

 

[1]   Grupo econômico familiar – representa um conjunto de sociedades empresárias que pertencem à mesma família, caracterizada pelo parentesco entre os respectivos sócios das sociedades que se unem para uma atuação conjunta subordinada ou coordenada. Estas células sociais empresariais que formam um grupo econômico familiar possuem cada uma a sua personalidade jurídica e patrimonial própria, afinal, grupo familiar não significa confusão patrimonial, significa apenas que todos os membros estão buscando gerar resultados econômicos, financeiros e sociais em benéfico do grupo preservando a sua função social.

[2]   Grupos de subordinação ou de coordenação econômica – são os grupos que formam consórcios de sociedades que possuem numerosas vantagens em termos de organização ou de administração de recursos financeiro-econômicos. As pessoas que compõem um grupo de subordinação e/ou de coordenação, em tese perdem, ou seja, cedem parte de sua autonomia patrimonial, ao aderirem a uma gestão coletiva de estratégia, mas isto não significa confusão patrimonial, e sim, uma forma de gestão lícita.

[3]    Conceitos indefinitos na legislação – os conceitos indefinidos na lei representam aquilo emanado do legislador e dotado de caráter amplo, genérico e impreciso. Portanto, toda norma que apresenta vocabulários sem conceituados está remetendo ao doutrinador o labor de conceituado, para suprir lacunas, e possíveis erros de cognição ou atos de discricionariedade motivados por um juízo de valor, logo, sem regras, nem limites, onde há liberdade de escolha de opção que considere válida. Os conceitos indefinidos existentes na legislação são aqueles vagos e incertos, ou seja, não são munidos de um sentido hermenêutico (interpretação ou compreensão) preciso e objetivo, portanto, há uma indeterminação legislativa que é a representação do sentido e alcance de um vocábulo, por meio de suas características gerais, tais como: a ideia e a significação, que não existem grafados na lei. Como exemplos temos: “confusão patrimonial”, “interesse público”, “fundo de comércio”, “balanço de determinação”, “boa-fé”, “justa indenização”, “função social” entre dezenas de outros termos. É deveras importante que os peritos em contabilidade, sempre fundamentem em seus laudos, pareceres e notas de esclarecimento, entre outros relatórios, os conceitos com base em literatura consagradas, para se evitar a criação de interpretações polissêmicas, ambíguas, ou falaciosas, que podem levar um julgador ou qualquer utente, a erro material, cujas consequências são as mais variadas possíveis, desde dano material a dano moral.

[4]   Esbulho é o ato de usurpação, retirada de um bem de uma pessoa, transferindo a posse para outra. Como, por exemplo, uma invasão de um imóvel onde o proprietário perde a posse.

 

REFERÊNCIAS

HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023, no prelo.

______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares,  doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que  já atingiram a marca da 17ª edições.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 03/02/2023.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Jurídica Aplicado à Capacidade de Pagamento dos Haveres

        Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

   O estudo da análise dos casos reais de apuração de haveres ou deveres, pelos intérpretes peritos nomeados e os assistentes indicados, nos proporciona a oportunidade de apresentar uma reflexão, em relação ao princípio da dignidade da pessoa jurídica aplicado à capacidade de pagamento dos haveres em caso de resolução da sociedade em relação a um ex-sócio, como segue:

Princípio da dignidade da pessoa jurídica – este princípio esculpiu o art. 170 da Constituição da República Federativa do Brasil. Eis que,  a   ordem econômica no Brasil, por vontade dos constituintes, está fundada na livre iniciativa e concorrência, função social, entre outros, e tem por fim assegurar a todos, inclusive as pessoas jurídicas, uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. E a existência digna de uma pessoa jurídica, implica na preservação da atividade, salvaguardando a sua situação econômico e financeira, função social, manutenção de empregos, capacidade de produção, assim como, a de comercialização, e a geração e distribuição de rendas. E a existência digna da pessoa jurídica indica que em casos de resolução da sociedade, em relação a um dos sócios, o pagamento de haveres não pode suspender ou inibir o direito à existência digna, logo, os justos pagamentos de haveres deve observar  e submeter-se à real capacidade de pagamento dos haveres do sócio retirante, sem que seja comprometida a continuidade normal das atividades, isto  significa, que o número de prestações e o valor das prestações devem se enquadrar no limite tolerável, razoável e proporcional à geração de caixa, sem descapitalizar excessivamente a pessoa jurídica, sem a imposição do estado de falência ou de recuperação judicial, sem venda de ativos imprescindíveis à atividade, sem  aumento de endividamento que comprometa o capital circulante líquido ou que  gere despesas financeiras além do razoavelmente  tolerável.

   E por derradeiro, as análises da aplicação de uma doutrina para um caso real, com juízo de liberdade científica do intérprete, contribuem sobremaneira para a eliminação dos conflitos doutrinários e aclaramento de conceitos e princípios; preenchendo os requisitos básicos do §1ª do art. 473 do CPC/2015.

    O sentido e alcance deste conceito, princípio da dignidade da pessoa jurídica, consta de nossa literatura: HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023 no prelo.

 

REFERÊNCIAS

Brasil. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ >. Acesso em: 24 set. 2022.

HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2023, no prelo.

 

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares,  doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que  já atingiram a marca da 17ª edições.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 24/01/2023

O Perito Diante de Doutrinas Convergentes ou Divergentes. O Perito Diante de Doutrinas Convergentes ou Divergentes. Art. 473, § 1° do CPC/2015.

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

     O estudo da análise das doutrinas, pelos intérpretes peritos nomeados e os assistentes indicados, nos proporciona a oportunidade de apresentar uma reflexão sobre a distinção entre doutrinas divergentes e convergentes. Porquanto, o perito deve apresentar em seu laudo a sua fundamentação, inclusive a vinculada à utilização de doutrinas indicando como alcançou suas conclusões, explicando a questão de doutrinas divergentes e convergentes, arguidas nos autos do processo, por determinação legal do CPC/2015: “Art. 473. O laudo pericial deverá conter (…) § 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.”

    Apesar da regra geral de que as doutrinas são decisivas para a solução de lacunas e silêncios eloquentes ou de conceitos de termos jurídicos contábeis indefinidos na legislação, podem surgir literaturas divergentes, e até mesmo as que levam a um epistemicídio, motivo pelo qual, propomos uma reflexão sobre os referentes conceituais que segue:

Doutrinas convergentes – são aquelas que apresentam relação com outra, portanto, apresentam aspectos correlativos, onde as ideias são próximas ou  parecidas, logo, similares mas não iguais. Portanto, existem doutrinas convergentes e divergentes, as quais devem ser enfrentados pelos peritos, para contribuir positivamente na compreensão dos fatos e fundamentação do diagnóstico. As doutrinas convergentes são uma forma válida de expressão da ciência contábil consuetudinária. Na ambiência das perícias contábeis, as doutrinas com aparência de convergentes, “uma situação de fato aceita pelos cientistas” onde os intérpretes se manifestam como sendo algo verdadeiro, tornam o fenômeno real como uma manifestação de ciência, e criam uma fundamentação subjetiva, afastando o negativismo, mesmo com a constante evolução da ciência.

Doutrinas divergentes – há divergências quando as ideias se afastam para rumos diferentes, e representam ideias contrapostas, o que é diferente de “erros”, que são as opiniões com pontos ideológicos contradizentes entre si, como também, é diferente de  opiniões falaciosas que partem  de premissas equivocadas,  e do abominável paralogismo, que é o raciocínio falso que se estabelece involuntariamente, e dos repugnantes sofismas que criam artificialmente a ilusão da verdade. São divergentes os ensinamentos e descrições explicativas de um fenômeno estabelecendo parâmetros distantes. O problema da divergência doutrinária deve ser enfrentado pelos peritos, pois a atividade científica pericial é ligada à atividade doutrinária, ou seja, unida pelos ensinamentos dos professores que tem liberdade de convicção e notáveis conhecimentos, e apresentam paradigmas e paradoxos.  As divergências contribuem para a evolução científica do tema. Um ponto divergente doutrinário apresentado em demandas, só será solucionado, se estiver apoiado na ordenação de um raciocínio lógico-contábil[1] dos peritos, portanto, o perito quando intérprete das doutrinas, desempenha o papel de crítico para desempatar o fator divergente. Não afastamos a hipótese de uma nova doutrina, que seja divergente, quiçá, venha quebrar paradigmas por uma versão melhorada do tema, daí a importância do controle da prova pericial por parte dos assistentes indicados. Solucionar questões doutrinárias não é tarefa fácil, por isto é que os Juízes e litigantes são assistidos por peritos necessariamente especializados no tema. Diante do inquestionável e contemporâneo entendimento sobre a necessidade de se enfrentar as questões doutrinárias divergentes, pela via da metanoia contabilística[2] e da semasiologia contabilística[3],  devem os peritos, sem tergiversar, lançar mão de uma técnica argumentativa, juízo de ponderações[4] diante de antinomias doutrinárias[5], que atenda, realmente, às necessidades do caso em concreto. Segue exemplos básicos de doutrina convergente, divergente e erro, em relação ao tema fundo de comércio, exemplos estes criados para fins didáticos.

Exemplo de doutrinas convergentes em relação ao fundo de comércio.
Doutrina “A” O fundo de comércio surge a partir do superlucro em relação ao capital investido.
Doutrina “B” O fundo de comércio é criado quando existe excesso de lucro em relação ao ativo operacional.

 

Exemplo de doutrinas divergentes em relação ao fundo de comércio.
Doutrina “A” O superlucro é precificado com um taxa de 6% ano.
Doutrina “B” O superlucro é precificado com um taxa de juros variável compatível a da do CDI.
Exemplo de doutrinas não divergentes, e sim de erro, seja intencional ou não.
Doutrina “A” O fundo de comércio pode ser precificado pelo método holístico (doutrina válida).
Doutrina “B” O fundo de comércio deve ser precificado pela métrica do fluxo de caixa descontado (hipótese de erro, quiçá de: sofisma, falácia, ou paralogismo, pois depende do contesto do caso em concreto e da argumentação a seu favor).

    Estes conceitos tidos como referentes: doutrinas convergentes e divergentes aqui grafados, são uma reprodução, logo, uma citação, da nossa literatura, Laboratório de Perícia Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil – Teoria e Fundamentos. 2. ed.  Curitiba: Juruá Editora, 2023, que no momento desta reflexão estava no prelo.

    Uma divergência doutrinária pode ter uma magnitude de grande controvérsia e interesse heurístico,[6] em função da relevância da matéria, do valor econômico ou social da demanda, vinculado aos aspectos da ampla defesa e do contraditório, aonde a requerimento de um ou ambos dos litigantes, que alegam cerceamento da ampla defesa e pleiteam o reexame do conjunto doutrinário  fático-probatório dos autos, ser deferida pelo julgador, que a questão doutrinária divergente, seja submetida a um júri técnico[7], em simetria ao art. 369 do CPC/2015, onde os assistentes técnicos das partes fazem uma sustentação oral, antes do veredito do júri técnico. Uma demanda de grande repercussão na sociedade e representatividade dos postulantes admite também a figura do amicus curiae, bancado por órgãos, pessoas naturais, instituições ou associações, como previsto no art. 138 do CPC/2015. A fala do amicus curiae, concomitantemente, com as sustentações orais dos peritos assistentes, pode trazer informações importantes para a solução das questões doutrinárias divergentes, evitando-se com esta prerrogativa de ampla defesa, decisões contrárias à ciência.

    E por derradeiro, as análises das doutrinas com juízo de liberdade científica, contribuem sobremaneira para a eliminação de conflitos doutrinários. Preenchendo os requisitos básicos do §1º do art. 473 do CPC/2015. Notadamente no que diz respeito à fundamentação das questões enfrentadas pelos peritos, já que as fundamentações representam um conjunto coerente de ideias basilares, que dão subsídio as respostas, pondo fim às questões controvertidas. Lembrando que nem sempre o que é apresentado nos autos de um processo e defendido como doutrina, é literalmente uma doutrina. Sugerimos, como uma complementação a esta reflexão, antes de emitir uma opinião, se algo é ou não uma doutrina, ver o sentido e alcance da categoria “doutrina”, em nosso livro: HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020.

 

[1]  O método do raciocínio lógico-contábil é um procedimento científico de análise e investigação contabilística, é derivado da Teoria Pura da Contabilidade e amplamente utilizado nas fundamentações periciais.

[2]  Metanoia contabilística – significa a ação, desbloqueio das ideias pré-concebidas, logo, a troca de preconceitos por evidências científicas, onde se obtém a renovação e aperfeiçoamento do conhecimento, afastando-se erros de cognição.

[3]  Semasiologia – significa técnica para criação e esclarecimento dos conceitos na explicação dos fenômenos patrimoniais.

[4]  Juízo de ponderações – as bases filosóficas que subsidiam um critério para solucionar os casos de conflitos de normas, doutrinas, postulados, convenções, métodos, métricas ou princípios contábeis, diz-se, juízo de ponderações, que é uma situação diversa de uma opinião pessoal. A doutrina de um modo em geral deve ser a solução de casos conflitantes, mediante ponderações técnico-científicas que considerando os princípios: da epiqueia contabilística, da razoabilidade, da proporcionalidade e o da probabilidade. Pois, quando houver divergências ou antinomia entre princípios, postulados, convenções, métricas, métodos, normas ou critérios técnicos, um deles tem que ser flexibilizado diante do outro e isto não significa declarar inválido o princípio ou a regra afastada, nem que o princípio ou regra afastada tenha que ser uma exceção. O que ocorre na ponderação, é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios ou regras precede ao outro. São as antinomias técnicas solucionadas pela via de uma ponderação. Os princípios e regras têm diferentes pesos, logo, o que prevalece é o de maior peso, “peso e sua proporcionalidade”, logo, os parâmetros com que se avalia uma situação. Um juízo de ponderação leva em conta diversas variáveis (regras, princípios, técnicas, legislações, postulados, convenções, métricas, entre outras), assim como, a complexidade do tema, e a relevância da cronologia dos fatos, o perfil dos litigantes e do padrão de conduta.  Todo o juízo de ponderação deve ser construído a partir da própria concretização de um entendimento extraído de uma literatura conjuntamente com um determinado ato ou fato, à luz de um princípio, de um  postulado, de uma métrica ou de outra regra, ocasionando uma prevalência do objeto do estudo, por este motivo, a prática da ponderação não gera a desqualificação e não nega a validade de um princípio ou regra, mas, tão somente, em virtude do peso menor apresentado ao caso em concreto, terá a sua aplicação afastada. Desta forma, o labor pericial contábil não pode ser entendido, à luz da Teoria Pura da Contabilidade, como a mera aplicação de norma, de princípio ou de qualquer regra, ao caso concreto, sem que este seja submetido a um juízo de ponderação em relação à situação fática. É necessário que uma análise científica contábil contribua para o alcance de um resultado probante de forma equânime. Um bom exemplo da aplicação do juízo de ponderações, são as situações de arbitramento, de presunção, de recuperabilidade, da aplicação da essência sobre a forma, além do uso de critérios de valorimetria. E entre estes critérios temos: a média, a mediana, a moda, e a amostra superlativa, na escolha do lucro normalizado, para fins da precificação do fundo de comércio pela via do método holístico que possui quatro regras distintas, e não existe hierarquia para solucionar antinomias, logo, o perito, pode, por meio de um juízo de ponderações escolher qualquer um dos princípios ou regras, desde que seja logicamente o mais adequado ao caso em concreto. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário de Contabilidade. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2021.)

[5] Por antinomias doutrinárias entende-se os inúmeros posicionamentos doutrinários. A antinomia representa fenômeno comum de divergência real entre doutrinadores. O estudo das antinomias doutrinárias, divergências, relaciona-se à questão da consistência de um fenômeno científico, eis que uma teoria “doutrina de um mesmo autor” não pode apresentar simultaneamente leis científicas que sejam excludentes entre si, pois, uma coisa não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, como ser lucro e prejuízo.

[6]  Interesse heurístico – para a teoria pura da contabilidade, no ramo da perícia, representa aquilo que tem utilidade em uma descoberta científica. É a ideia ou a linha reguladora de uma análise ou teste, efetuado no laboratório de perícia forense, logo, é a diretriz de una pesquisa investigatória, ou seja, o processo criado com o objetivo de encontrar soluções para uma dúvida. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020.)

[7]  Júri técnico – o júri técnico  pode ser utilizado em procedimentos da Justiça Estatal ou de Arbitragem, mediação e conciliação, é formado por profissionais da escol de determinada área do conhecimento científico, escolhidos com base em acervo técnico dos indicados pelos litigantes, que necessariamente não são os de renome do mercado, e sempre em número ímpar, é um conjunto de técnicos tidos como ícones de conhecimento, técnico–científico, escolhido por sorteio, que servem como Juízes de fato em um julgamento técnico-científico e terão como missão a escolha da alternativa, tese técnica mais adequada e que se aplica no caso em concreto, normalmente devem ser utilizados em demandas que envolvem questões complexas onde as partes pretendem, além de um testemunho técnico, a submissão do fato a um corpo de jurados técnicos. Durante a escolha do corpo do júri, podem as partes impugnar indicações por razões fundamentadas de suspeição ou imparcialidade. Os jurados têm total competência sobre a matéria de fato, enquanto os Árbitros têm competência, sobre a matéria de direito. Trata-se de uma comissão ou órgão de apoio, que possui as seguintes características:

  1. Número ímpar de seus membros;
  2. A competência para definirem o cronograma de julgamento, a ouvida da sustentação oral das teses e das argumentações técnico-científicas de contra tese;
  3. A independência de convicção e liberdade de escolha;
  4. Liberdade de juízo científico, a escolha se dará pela maioria dos votos, em caso de empate prevalecerá o voto do jurado presidente;
  5. A plenitude da defesa e o contraditório;
  6. A soberania dos veredictos;
  7. E a exclusividade quanto à competência para julgar fatos e procedimentos técnico-científicos.
  8. O dever de assegurar as partes, a paridade de tratamento, em relação ao exercício de direitos vinculados aos meios de defesa-técnica e aos deveres, competindo aos jurados zelar pelo efetivo contraditório técnico. Afastando quando cabível, o abuso da tecnicidade, que é a valorização excessiva dos recursos tecnológicos ou de uma sustentação oral durante a atuação dos técnicos, para a descoberta da verdade.

 O instituto do júri técnico, quiçá inédito para a maioria das pessoas, busca privilegiar em um contexto histórico contemporâneo da Lei de Arbitragem, os debates técnicos e científicos em torno do papel da ciência privilegiando os esforços contra e a favor de argumentos “técnico-científicos” ou doutrinas divergentes. Solucionando divergências técnicas no âmbito da ciência pela via da cooperação técnico-científica do júri que promove esforços conjuntos na identificação da melhor solução técnico-científica.

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de Perícia-forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, autor da Teoria Pura da Contabilidade e suas teorias auxiliares,  doutrinador, epistemólogo, com 49 livros publicados, sendo que existe livro que  já atingiram a marca da 17ª edições.

REFERÊNCIAS

Brasil. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ >. Acesso em: 24 set. 2022.

HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. – Contém os Conceitos das IFRS. Revista, Atualizada e Ampliada. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2020. 691 p.

______. Laboratório de Perícia Contábil Forense-Arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil – Teoria e Fundamentos. Curitiba: Juruá, 2023, no prelo.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 05/01/2023.