A Essência Sobre e Forma Aplicada na Ciência da Contabilidade

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

Resumo:

    Este tema tem um forte apelo no momento de implantação das IFRSs para as sociedades anônimas e as sociedades de grande porte. Motivo pelo qual, apresento uma breve análise sobre o teorema da essência sobre a forma, em decorrência da importância desta, na ciência da contabilidade. Enfatizando que não se trata de um princípio ou método, e sim, de um teorema explicado pela teoria pura da contabilidade. Que sempre foi essencial para afastar a figura dos indesejáveis balanços putativos.

   Neste sucinto artigo, busca-se contribuir com uma força doutrinária contemporânea, que além de prestigiar a epiqueia contabilística, é deveras importante para a criação de uma contabilidade fidedigna, afastando-se com isto a figura das interpretações polissêmicas e as ambíguas em relação às informações e relatórios contábeis.

Palavra-chave: Teorema da Essência sobre a forma. Teoria da essência sobre a forma. Princípios da essência sobre a forma.

Desenvolvimento:

    A teoria contábil é um conhecimento, meramente racional. Pode ser uma opinião sistematizada com a possibilidade de um viés de utopia. Contudo, a teoria contábil consagrou-se como sendo um conjunto de conhecimentos não pueril, que apresenta uma sistematização e credibilidade, e que se propõe a explicar, elucidar ou interpretar um fenômeno ou acontecimento que se oferecem à atividade da práxis da ciência. Cria um ponto de vista estritamente formal, em que não se encontram proposições contraditórias, nem nos axiomas, nem nos teoremas que deles se deduzem. A teoria deve alcançar o domínio filosófico e consiste em considerar esses fenômenos ou acontecimentos, não como a soma de elementos isolados para uma análise, mas, como parte de um conjunto que constitui unidades autônomas de uma célula social. Manifesta um vínculo da práxis contabilística, além de possuir leis próprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o regem. Pode ser simplesmente um conjunto de princípios da ciência da contabilidade, positivados pela doutrina, ou seja: opiniões sistematizadas por conjuntos de informações que têm por objeto o conhecimento científico, visando explicar os seus condicionamentos, sejam eles tecnológicos, históricos, linguísticos ou sociais.

     E o teorema da substância sobre a forma é uma proposição dialética da moderna teoria pura da contabilidade que, para ser admitida ou se tornar evidente, teve uma aprovação científica, que compreendeu três elementos:

  1. O sujeito, que é fato estudado (patrimônio);
  2. A hipótese, que é o que se conhece como verdadeiro (supremacia da equidade),
  3. E a tese, que é o que se pretende concluir ou demonstrar (A verdade real se sobrepõe a verdade formal, uma vez que, se existir um Ativo ou um Passivo oculto em decorrência da forma de norma jurídica, tem-se a distorção do valor do Patrimônio Líquido).

     Pois, se existir um Ativo ou um Passivo oculto em decorrência da forma ditada pela política contábil, tem-se a distorção do valor do Patrimônio Líquido com a consequente perda da finalidade da contabilidade, cumulada com o erro de valoração, uma vez que a equidade prega a informação precisa e correta. Como exemplo de Ativos ocultos, tem-se: o não registro do fundo de comércio internamente desenvolvido, a ausência de reavaliações de bens e direitos. Como exemplo de Passivos ocultos, tem-se: a não escrituração de provisões trabalhistas, ambientais e sociais.

     A essência sobre a forma hospeda a verdade real como uma supremacia de interesses científicos sobre a verdade formal. Este teorema tem como valores: o princípio da fidelidade; o princípio da dialeticidade; o princípio da eticidade; o princípio da socialidade; o princípio da operabilidade; o princípio da veracidade e o princípio da epiqueia contabilística.

Princípios científicos do teorema da substância sobre a forma

  • Princípio da fidelidade – Para a contabilidade, no abrigo da teoria da substância sobre a forma, a fidelidade é um princípio que tem por finalidade demonstrar a situação real das atividades peculiares de uma célula social. E representa um predicado na escrituração contábil. É uma característica essencial do balanço patrimonial, por força de norma positivada pela política contábil (art. 1.188 do CC/2002). Representa uma das regras fundamentais do Balanço Patrimonial, que deve assumir sempre a mesma posição de constância, ou seja: firmeza nas afeições e aferições, nas informações de ordem social ambiental, econômica e financeira; observância rigorosa da verdade; exatidão na valorimetria. Opõe-se aos ilícitos e delitos, que geram o balanço putativo. A ausência da fidelidade na prestação de contas implica a quebra da personalidade jurídica e, consequentemente, a quebra da autonomia patrimonial, impondo aos administradores a responsabilidade ilimitada pelas dívidas e atividades da sociedade. E ao contador ou técnico em contabilidade, a não observação da fidelidade implica a caracterização de crime contra a ordem econômica, tributária e as relações de consumo. Em um balanço auditado sem a observância da fidelidade, o auditor comete conluio junto com o responsável técnico pela escrita, o que poderá caracterizar duplo delito qualificado. Este princípio prestigia a individuação, a clareza, e caracterização da escrita e das informações contabilísticas.
  • Princípio da dialeticidade – No abrigo da teoria da substância sobre a forma, a dialeticidade é um princípio que tem por finalidade a arte da discussão tecnológica e científica, com o sentido de força de argumentação, no desenvolvimento de processos gerados por oposições, tese e antítese, que se colocam diante da equidade, isonomia e substância sobre a forma; em que se gera uma síntese, que procura evidenciar a natureza verdadeira e única de uma investigação contabilística que são identificadas e se definem segundo o processo racional que procede pela união incessante de contrários como a peça inicial e a de contestação em uma ação judicial. É esta síntese, o processo de descrição exata e real dos atos e fatos contábeis analisados.
  • Princípio da eticidade – No abrigo da teoria da substância sobre a forma, a eticidade é um princípio que tem por finalidade valorizar os profissionais da contabilidade na sociedade, o que se dá mediante a concretização da dignidade dos contadores. O labor contabilístico tem como pilares de sustentação os princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade. Isso prestigia e valoriza a importância da ética nas relações entre os profissionais, o que simboliza a superioridade da dignidade humana sobre todas as demais coisas. A valorização do contador se dá na medida em que a confiança e a lealdade passam a ser imperativos das relações profissionais, pelo fato de que um operador da contabilidade tem maior força ética na busca da solução mais equitativa para os casos concretos que lhe são submetidos, mediante uma análise de valor científico de uma questão.
  • Princípio da socialidade – O princípio da socialidade para a contabilidade, no abrigo da teoria da substância sobre a forma, é um princípio que tem por finalidade valorizar uma tendência para a vida em uma sociedade democrática, e guarda uma familiar relação com a eticidade, pois, assim como as regras dotadas de conteúdo social são fundamentalmente éticas, estas têm afinidade com a vida dos profissionais de contabilidade em uma sociedade neoética pautada na verdade real sobre a verdade formal. A socialidade busca, pela via do equilíbrio entre os interesses, o registro e a certificação fundamental da verdade real, o que representa um avanço significativo e necessário na integração entre profissionais, em harmonia com a ética e com o direito contábil.
  • Princípio da operabilidade – O princípio da operabilidade para a contabilidade, no abrigo do teorema da substância sobre a forma, é um princípio que tem por objetivo a facilitação da aplicação de tecnologias, ao disciplinar a possibilidade de se recorrer a elementos exteriores doutrinários, ligados ao direito contábil, para as respostas plenas das dúvidas com juízo de independência científica. Para se atingir uma melhor prestação de serviços, o fato se dá, precipuamente, por meio de um espancamento científico entre os profissionais da contabilidade. Este princípio visa imprimir eficácia e efetividade ao labor contabilístico.
  • Princípio da veracidade – No abrigo da teoria da substância sobre a forma, a veracidade é um princípio onde nada fictício pode haver em um relato contabilístico, devendo este refletir elementos verdadeiros. Afastam-se todas as ilusões.
  • Epiquéia contabilística – representa toda forma de interpretação razoável ou moderada de uma lei, ou de um direito postulado em juízo ou de um preceito da política contábil. Logo temos a equanimidade ou disposição de reconhecer o direito de todas as pessoas envolvidas em uma relação com imparcialidade. Logo, afastada toda e qualquer influência ou interesse, evitando-se excesso por uma interpretação extensiva, viciada ou polissêmica, para prevalecer à equidade.

    A verdade real deve surgir como uma supremacia ancorada nos valores da ciência da contabilidade. Aliás, as práticas contábeis idôneas, baseadas na clareza e fidedignidade, pregam a prioridade da essência de uma coisa sobre a sua forma, a qual determina que os negócios jurídicos e demais ocorrências devam ser contabilizados e apresentados de acordo com seu significado real e essencial e não somente, registrado pela forma legal.

    A essência sobre a forma tem uma de suas âncoras presa na teoria ultra vires. Pois os gastos em decorrência do abuso de poder não devem ser classificados como de responsabilidade da pessoa jurídica e sim como a do seu administrador. Outra âncora está posta no valor de utilidade de uma coisa e seu uso eficaz, para o correto registro contábil. Outra âncora está no axioma da preservação das células sociais, que é uma premissa científica contábil, atribuível ao sistema de invulnerabilidade, que evidencia ou admite como universalmente verdadeiras as ações lícitas de agentes internos e externos das células sociais, que visa garantir a integridade e a perenidade dos empreendimentos de manutenção, geração ou distribuição de riquezas tangíveis ou intangíveis, por meio da produção e ou de circulação de bens ou de serviços. Como exemplo prático: um sábio consultor contábil, provavelmente para fins de preservação financeira de uma célula social, recomenda a supremacia da “qualidade da liquidez” sobre a tradicional quantidade.

    A qualidade da liquidez da empresa em termos contemporâneos, é determinada pela velocidade do giro, rapidez em número de dias, e não pela quantidade da garantia; R$ 2,00 de circulante para cada 1,00 de dívida a curto prazo. Pois, com uma liquidez de R$ 2,00 para cada R$ 1,00 com giro lento, pode-se provocar a insolvência. E com uma liquidez de R$ 1,00 para cada R$ 2,00 com giro rápido na realização financeira, pode ser obtida a prosperidade de uma célula social.

    Outra âncora está apoiada na hermenêutica e na intenção sobre o ato ou fato contábil, ou seja, a intencionalidade medida pelo  conjunto dos motivos do administrador de uma célula social, ao exercer a empresa, em oposição à forma realizada, pois o que deve prevalecer é a relação de economicidade do fenômeno na riqueza aziendal.

    Naturalmente não se busca a dispensa da forma, mas, sim, colocá-la hierarquicamente em uma menor relevância em relação à supremacia viripotente da essência, nas hipóteses em que dúvidas possam se constituir, por lacunas ou por deficiências de normas jurídicas contábeis. E em especial, quando da existência de um ato ou fato contábil que dependa de uma interpretação, para sua correta classificação, em que pode ocorrer interpretação polissêmica ou ambígua ou uma simples incerteza de identificação por obscuridade.

    Este teorema que resultou em uma teoria, tem por objetivo revelar a substância patrimonial como sendo o epicentro de uma célula social, ou seja, a sua parte essencial, pois a essência da natureza da riqueza é que lhe definem as qualidades de gerar lucro pelo exercício do objeto social. A forma simplesmente não ultrapassa os limites de uma normativa pautada em características definidas externamente. A essência sobre a forma não é princípio e nem método e sim, uma teoria que versa sobre os fenômenos patrimoniais. Assim sendo, primeiramente, o que se pretende nesta teoria, não é que a forma torne-se irrelevante, descartável ou desprezível. Porém, quando a forma legal ou documental de determinado ato ou fato indique uma discrepância, ou não esteja demonstrando com fidelidade e clareza a situação real ou as atividades peculiaridades de uma célula social, a essência econômica financeira social ou ambiental deverá, sempre, prevalecer no registro contábil, e não, a sua forma.

    Entenda-se deveras importante, demonstrar que no mundo profissionalizante, a essência sobre a forma, é vital quando se procura, em uma investigação contabilística, distinguir e certificar se ocorreu o fenômeno do lucro cessante, que deve ser indenizado ou o fenômeno da anulação do lucro, que não deve ser indenizado. Logo contribui para se distinguir uma necessária indenização para se recompor um patrimônio afetado, de uma espoliação e miragem de lucro cessante. Pois uma coisa é o tempo pactuado para o exercício de uma atividade negocial e os riscos sistêmicos de uma empresa; e outra é a ausência do prosseguimento da atividade, prévia e contratualmente estabelecida ou a perda da geração e continuidade da prosperidade, por uma administração temerária ou imprópria da célula social. Por conseguinte, para este diagnóstico, deve ser estabelecida uma verificação entre causa, efeito e o nexo causal a luz da essência sobre a forma.

    E por derradeiro, a teoria da essência sobre a forma encontra-se totalmente apartada do subjetivo, dos regimes de alternativas e opções, das evasões fiscais e dos balanços maquiados; muito pelo contrário, afasta-se disto por ter vínculo direto com a contemporânea teoria pura da contabilidade, pari passu com o princípio da moralidade, da impessoalidade, da probidade, e da informação.

    Aqui fica registrado que existe uma forte diferença entre a informação como manobra política de grupos que buscam acomodar interesses difusos profanos e nebulosos; e a ciência como valor social de conhecimento de natureza universal da realidade objetiva que é deveras preciosa e digna de respeito.

    Este artigo tem como único referente bibliográfico, o nosso livro: Teoria Pura da Contabilidade Ciência e Filosofia. Curitiba: Juruá editora, 2010, por ter uma reprodução parafraseada do livro.

Publicado em 09/09/2010.