As Possibilidades de Provas, o Perito e a Perícia Contábil

Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog

 

Resumo:

     A pesquisa tem por fim contribuir com os esclarecimentos vinculados as possibilidades de produção de provas em litígio, bem como, a participação do perito nesta ambiência, com destaque a perícia contábil, tendo como base o espírito da ampla defesa e do contraditório com os meios e recursos a ela inerentes; e os usos e costumes concomitantemente a experiência deste signatário que está pautado em sua doutrina especializada na produção de provas.

    E com este ideal o artigo busca demonstrar as possibilidades de provas, os meios idôneos e capazes de comprovar um ato ou fato, o rito processual, as atribuições das partes e do perito na produção de provas técnicas, além de demonstrar a vital importância e necessidade de se contratar um perito assistente para que em sintonia com o advogado, providencie os documentos probantes, para uma perfeita instrução documental do pedido ou da contestação, com o máximo rigor e precisão, pois deles depende o resultado da demanda.

Palavras-chaves: Produção de provas. Ampla defesa e o contraditório. O papel do perito na produção de provas.

 

Desenvolvimento:

     As possibilidades de provas são amplas, uma vez que são todos os meios idôneos e capazes de comprovar um ato ou fato, tais como: o mecanismo da discovery[1], a confissão, fitas sonoras, video tapes, livros contábeis fiscais e societários, fotografias, disco rígido, e-mails, cartas, oitiva de testemunhas, gravação, testemunhas, acareações, documentos, exame em pessoas ou coisas, busca ou apreensão de coisas, atestados, busca de informação de Autoridades Públicas Municipais, Estaduais e Federais, tais como: agências regulatórias, registros públicos, acareações[2], as provas indiciárias, ou seja, todas as formas de indícios[3], as provas tidas como evidências, solicitações de quebra de sigilos[4], com o auxílio do Poder Judicial, etc.. Portanto, todos estes elementos são admitidos para o exame pelo julgador, com a finalidade de reconstituição ou de definição da verdade real, sobre as alegações referenciadas no processo. Esta ampla liberdade probatória no processo arbitral ou judicial é elemento essencial na busca da verdade real.

   Feito este resumo das provas como um meio introdutório, passamos a tratar especificamente da prova pericial contábil, que devidamente requerida, é um direito, e sempre é necessária, para se ter a efetiva aplicação ao litígio do art. 5°, inc. LV, da Constituição Federal, o qual assegura às partes litigantes o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. E o seu indeferimento pode gerar o retardamento do feito, uma vez que eventual indeferimento, ainda que parcial, como por exemplo, de quesitos, daria ensejo à interposição de agravo retido e, posteriormente, possível anulação de sentença. Pois, a prática vem demonstrando que se considera imprescindível a perícia e que, salvo exceções, são pertinentes os quesitos de ambas as partes, pois o Juiz não está vinculado exclusivamente a resposta de um quesito.

    As provas são produzidas nos autos para que o perito em contabilidade faça o exame, art. 420 do CPC, logo, os documentos probantes são produzidos pelos litigantes para o convencimento do perito, em relação à peça vestibular e a contestação. Não é atribuição do perito carrear aos autos os documentos probantes, e sim, analisá-los.

Lembramos que a regra do CPC, art. 429[5], é de que pode o perito, e não, de que deve o perito solicitar documentos, logo, não é uma obrigação, e sim, uma faculdade ou permissão a ser livremente utilizada para situações dirigidas[6] pelo Juiz, ou necessárias ao convencimento[7] científico do perito.

    A regra sobre a função do perito é clara e conhecida dos juristas, art. 145 do CPC. Cabe ao perito, que é tido como um dos auxiliares do Juiz, art. 139 CPC, o labor sobre assuntos de ciência e tecnologia, e não, para suprir eventuais inépcias da inicial ou contestação, “falta de documentos que deem suporte as teses jurídicas defendidas”.

    Não é papel do perito produzir provas, isto cabe aos litigantes, por força do art. 297 e 396 do CPC. A nobre e imprescindível função do perito é a de examinar os documentos probantes e sobre eles emitir o seu laudo, respondendo aos quesitos do Juiz e das partes, que versem sobre matéria contábil, especificamente sobre ciência e tecnologia contabilística. Exerce o seu labor considerando a epiqueia contabilística e a independência de juízo científico. Deve pautar as suas conclusões, além dos documentos analisados, na teoria pura da contabilidade, utilizando para tal o método do raciocínio contábil e a doutrina.

    O entranhamento dos documentos antes do início da perícia é deveras importante, pois as partes têm o direito de se manifestarem sobre tais documentos, aceitando-os ou impugnando-os, sendo isto de forma tácita ou expressa, e quiçá, carreando aos autos outros documentos tidos como contraprova, como previsto no art. 397 do CPC. Isto verte do prestígio à livre defesa e ao contraditório, além do fato de que as partes têm que ter ciência da existência e uso nos autos destes documentos. Lembramos que em decorrência da juntada de documentos aos autos, o Juiz deve ouvir a outra parte a respeito no prazo de cinco dias, por força do art. 398 do CPC. E quando o perito quebra este rito processual, pedindo documentos, que, por uma lógica, deveriam estar, mas não estão instruindo a inicial ou a contestação, requerendo isto diretamente as partes para usar no exame como uma prova sem que isto tenha passado pelo crivo do contraditório, e ciência das partes e do Juiz, usando estes documentos como se fosse uma prova produzida pelas partes, a ser examinada pelo perito, cria a possibilidade de uma lamentável pecha. Apesar da existência de tal pecha, o Juiz poderá considerar válido o ato, mesmo realizado de modo diverso do rito processual aqui descrito, se alcançar a finalidade relativa à demonstração da essência das verdades contidas na peça inicial ou na contestação, por força do art. 244 do CPC.

    Cabe destacar que qualquer violação do devido processo legal, como impedir a produção da prova pericial contábil, conduz a uma ilicitude.

    Todos têm a obrigação de colaborar com o descobrimento da verdade (art. 339 do CPC) seja o autor ou o réu, inclusive terceiros, por força do art. 341 do CPC. Porém, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, ou revelar informações ou documentos protegidos pelo sigilo profissional por força do art. 347 do CPC. Mas cabe aos litigantes, arts. 282, 297 e 396 do CPC, respeitando-se a atribuição do ônus da prova, providenciar que estes documentos probantes sejam juntados aos autos, com a inicial, ou com a contestação, ou em outro momento processual oportuno, art. 397 do CPC.

    Destacamos que o momento oportuno para produção de prova pela parte autora é o da apresentação da inicial, e da ré na contestação, salvo se tratar de documento novo (art. 396 do CPC). E por derradeiro “compete à parte instruir a petição inicial, ou a resposta, com os documentos destinados a provar-lhe as alegações, e não ao perito do Juiz”. Os documentos contábeis e provas indispensáveis à propositura da ação são aqueles aptos a demonstrar a verdade e o cumprimento das condições da ação, e sem os quais o mérito não pode ser analisado, porque não aferíveis os pressupostos processuais probantes do pedido ou da contestação.

    E na impossibilidade de se entranhar aos autos tais documentos, devem os interessados na produção da prova, litigantes, e não o perito, providenciar as medidas judiciais cabíveis, como um pedido de exibição de documentos, emissão de ofícios, quebra de sigilo, entre outros meios legais disponíveis. Para fins da exibição de documentos em que se pretende o exame pelo perito, os comandos constam nos arts. 355 ao 363 do CPC. E sem embargos a relevante determinação legal do momento processual próprio para a produção de prova documental contábil, é possível que um Juiz admita a juntada de documentos em qualquer fase do processo, desde que antes da instalação da perícia contábil, e ainda com a ouvida a parte contrária, oportunizando a apresentar a contraprova. Por este motivo, devem os peritos, quando da proposta de seus honorários, informar que a análise documental ficará restrita aos documentos e informações entranhadas aos autos, uma vez que não cabe ao perito produzir as provas, e sim, examinar as provas produzidas pelos litigantes durante a instrução da ação, nos termos do art. 396 do CPC.

    Lembramos que a determinação da exibição de livros e documentos à perícia é ato do Juiz, e não do perito. Por força do CC/2002 art. 1.191[8], o Juiz pode fazer isto a requerimento da parte interessada ou de ofício, respeitando-se o devido processo legal, e em especial o que é mais caro a justiça, o contraditório. Entendemos que toda a determinação do Juiz para a exibição de livros e documentos à perícia, deve ser fundamentada por força da Constituição Federal, artigo 93, inc. IX. A determinação da exibição de livros e documentos à perícia, por ato do Juiz ou do Árbitro, é deveras importante, pois as partes têm o direito de se manifestarem sobre tais livros e documentos, aceitando-os ou impugnando-os, sendo isto de forma tácita ou expressa, e quiçá, carreando aos autos outros documentos tidos como contraprova, para ambos serem examinados pelo perito. E se existir recusa a exibição dos documentos e livros determinado pelo Juiz ou Árbitro, poderá prevalecer a regra do CC/2002, art. 1.192[9], relativa à confissão resultante da recusa, onde o julgador poderá ter como verdadeiro o alegado pela parte contrária, que pretendia provar pelos livros e documentos.

    E, assim como, também pode o Juiz, quando julgar necessário, inspecionar coisas, arts. 440 a 442 do CPC, explicamos que o perito, por força da Lei, art. 429 do CPC, pode eventualmente solicitar documentos e informações que entenda necessários ao seu convencimento, (pode, não é obrigado) tomando o cuidado para que isto, na ânsia de demonstrar a importante verdade real, não venha a suprir falta de vontade de agir da parte, ou documento inepto probante do pedido ou da contestação, ou seja, o direito ao uso das prerrogativas do art. 429, por parte do perito, não pode ampliar a quantidade de documentos que compõem a chamada “instrução probatória do pedido ou da contestação”. Exemplos destas solicitações do perito são: as memórias de cálculos, fórmulas matemáticas utilizadas nos cálculos, plano de contas com a função e a técnica de funcionamento das contas, demonstrações ou notas explicativas que clareiem atos ou fatos alegados ou escriturados nos documentos juntados aos autos, além de ouvir pessoas sobre os fatos ou documentos examinados. E pode também o ilustre perito, se julgar necessário ao melhor entendimento das respostas ofertadas, juntar ao seu laudo apensos como fotografias, desenhos, e outros, como gráficos e planilhas.

    Consideramos um ato profano tentar transformar o perito em um investigante, buscador, organizador, produtor, ou, em um juntador de documentos aos autos, pois, isto é atípico à sua função, podendo, no entanto, o perito assistente prestar tal auxílio ao seu cliente, desde que, no momento processual adequado, durante o pedido ou durante a contestação, ou seja, antes da instalação da perícia. O perito nomeado auxilia o Juiz para os assuntos específicos da ciência da contabilidade, logo, analisa as provas com um juízo de independência científica, e não labuta em favor de uma ou de ambas as partes na produção de provas.

    Pelo exposto, é possível concluir, pela vital importância e necessidade de se contratar um perito assistente para que em sintonia com o advogado, providencie os documentos, e uma perfeita instrução documental do pedido ou da contestação, com o máximo rigor e precisão, pois deles depende o resultado da demanda. Com uma especial relevância citamos que a instrução documental probante, tem respaldo também nos vultosos direitos contidos e assegurados no art. 427 do CPC.

    Este artigo representa uma citação parafraseada, com algumas inclusões, do tomo 6, A Produção da Prova e a Instrução Probante do Pedido ou da Contestação, da nossa doutrina: Perícia Contábil em uma Abordagem Racional Científica. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014. O livro pode ser consultado eletronicamente no endereço: <www.jurua.com.br>.

 

Considerações Finais

    Demonstramos nesta citação literária, a importância de uma boa preparação dos elementos probantes, para se obter uma condição ideal, ou seja, um terreno fértil para que a justiça se desenvolva em restrita observação ao princípio do devido processo legal.

[1]  Discovery (descoberta) – representa um meio de prova, utilizada em processos arbitrais, produzido por ordem do tribunal, a pedido de uma parte ou por determinação do árbitro, quando os fatos e documentos não são oferecidos voluntariamente. A discovery caracteriza-se pela possibilidade de qualquer uma das partes livremente analisar exaustivamente a documentação da parte contrária. Permitindo-a recolher de todo e qualquer documento, para se demonstrar a verdade real. O procedimento da descoberta visa exatamente identificar a situação documental mais forte que deverá embasar um pedido ou a contestação. É o sistema que de certa forma não está restrito ao costume da civil law, pois busca em uma prova a descoberta da verdade material, mediante uma prestigiada, ampla e irrestrita descoberta, o direito à prova. Num regime de civil law, como o sistema normativo do direito processual brasileiro, gera um espanto a figura da discovery, sendo, aliás, muito difícil de aceitar pacificamente a sua aplicação na tramitação processual arbitral, por ser considerado por alguns, como uma invasão da privacidade. Motivo pelo qual, a sua utilização só acontecerá, se as partes e o árbitro forem simpáticas as regras de common law[1], e adeptos a uma justiça justa sem embaraços, apesar de que este tipo de prova tem um custo significativo e pode gerar uma morosidade ao processo arbitral, que pode ser considerado incompatível ao tempo previsto para processo arbitral. Lealdade e ética nas relações comerciais, sociais, e nas soluções de controvérsias, são atributos da solidariedade e do dever de colaborar com a descoberta da verdade. Estes valores justificam o procedimento da descoberta que lastreia o respeito aos interesses alheios. Portanto, o conteúdo probatório dos documentos colhidos no procedimento da descoberta pode demonstrar que a outra parte dispunha das provas, objeto da arbitragem, assim sendo, proibir os procedimentos da descoberta é um flagrante, violação aos preceitos e valores brasileiros da solidariedade, art. 3º, inc. I da CF. Ressalte-se, ainda, que aos litigantes, em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Art. 5º, inc. LV, Constituição Federal.

[2] Acareações – são as práticas investigativas, onde duas ou mais pessoas, que eventualmente são protagonistas de um mesmo episódio, são ouvidas em separado, para o caso da necessidade de se registrar eventuais incompatibilidades nas histórias narradas por cada uma dessas pessoas.

[3]  Os indícios podem fazer com que se extraia de um fato ou ato conhecido os meios para chegar a um fato ignorado. Diversos indícios podem formar a presunção, que é uma dedução lógica por parte do árbitro, ou seja, o convencimento do árbitro em relação à falsidade ou a veracidade do ato ou do fato controvertido.

[4]  O direito a preservação do sigilo não é absoluto, devendo ser flexibilizado quando da existência de interesses de ordem pública coletiva, social, da arbitragem ou da justiça. O interesse da aplicação da justiça acomoda-se no interesse social, e da coletividade em descobrir a verdade real. O limite da proteção ao sigilo e intimidade, está ancorado em valores da ética e da ordem jurídica de um Estado Democrático e de Direito que brada indiscriminadamente a todos os cidadãos, o dever de lealdade. Até porque, no Preâmbulo da Constituição Federal está grafado que o Estado Democrático se destina a assegurar a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, além de que a figura de uma sociedade justa e solidária está prevista no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal. Logo, a igualdade, a solidariedade e a justiça, formam a trilogia do núcleo Constitucional de valores supremos e imperativos à arbitragem e a justiça estatal. O direito de se fazer prova realça, no aspecto do equilíbrio na relação demandante de forma que ambos tenham as mesmas possibilidades probatórias, a fim de que o árbitro possa dizer os direitos e as obrigações dos litigantes, com efetividade e a equidade necessária a um julgamento justo.

[5]   CPC, art. 429. “Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças”.

[6]   Como situações dirigidas, temos a análise diretamente nos livros contábeis, fiscais e societários, que não podem ser retirados do estabelecimento, nos termos do art. 1.191 do CC/02, e o Juiz poderá autorizar a exibição integral dos livros, para que se faça o exame na presença do seu proprietário ou preposto.

[7]   O convencimento do perito está delineado inclusive pela observância da possibilidade de uma inspeção pericial prevista no art. 429. Fato este possível em estrita observância ao princípio do livre convencimento na busca da verdade real. Esta possibilidade está motivada no fato de que o perito apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não contidos nos quesitos, mas deverá indicar, no seu laudo, os motivos de seu convencimento. Uma vez que os litigantes podem produzir livremente as provas destinadas a demonstrar as suas alegações, procedendo a instrução documental da ação, mas ao perito é lícito e necessário investigar livremente os fatos e documentos carreados aos autos, e solicitar, se assim entender necessário, via termos de diligências, informações ou documentos adicionais.

[8]  CC/2002 – Art. 1.191. O Juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência. § 1o O Juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão. § 2o Achando-se os livros em outra jurisdição, nela se fará o exame, perante o respectivo Juiz.

[9]  Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do artigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu § 1o, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros. Parágrafo único. A confissão resultante da recusa pode ser elidida por prova documental em contrário.

Publicado em 27/01/2015.