Representação Adequada e Fidelidade das Demonstrações Financeiras (Conceito e Importância para os Utentes dos Relatórios Contábeis)

  Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]

 

    A denominação de uma “representação adequada e consequentemente a fidelidade”, do conjunto das demonstrações financeiras, representa uma  garantia ao utentes dos relatórios contábeis, em especial os investidores, os credores, os empregados e demais interessados, pois é deveras importante que as demonstrações financeiras sejam  concebidas, no mínimo, na forma de “representação adequada”, pois as abomináveis maquiagens de balanços configuram uma epidemia criativa que desestabilizam o mercado financeiro é a credibilidade dos contadores e auditores.

    Os acionistas e administradores precisam prestigiar e respeitar  os princípios da boa-fé, diligência e probidade, lembrando que urge aos contadores, fiscais e auditores a necessidade de bradarem pela primazia de sua independência científica e ética, não se sujeitando a interesse difusos e  profanos de gestões temerárias das células sociais de direito privado ou público, o risco de maquiagem não está somente na contabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, pois existe nos registros efetuados  pela pessoas jurídicas de direito público. As informação contidas no conjuntos das demonstrações financeiras devem representar adequadamente a situação econômica e financeira das transações e outros eventos patrimonais. Não estamos dizendo que o labor dos contadores, fiscais e auditores não estão sujeitos à risco, pois é inerente as suas funções a exposição de riscos de indução à erro, os quais não podem ser totalmente eliminados, mas podem ser reduzidos a partir  da aplicação do ceticismo na busca de uma asseguração no  mínimo razoável. Inclusive o fato de um balanço ter sido  auditado  por uma das firmas de auditoria consideradas como sendo  integrante das big four, não significa que existe um melhor serviço ou uma segurança incondicional,  em relação aos serviços das firmas  brasileiras de auditoria, até porque, as firmas de auditorias brasileiras, por contribuições dos seus sócios, da CVM e do CFC, atendem aos padrões internacionais, sendo que o programa de revisão externa pelos pares[1] e o vinculado à educação continuada, aumentaram a confiabilidade das firmas brasileiras, tomando a credibilidade, quiçá, superior aos das multinacionais big four.

    A expressão “representação adequada”, consiste em um dos requisitos axiomáticos para que ocorra a fidelidade do conjunto das demonstrações financeiras, as quais, devem ser elaboradas sob o escudo da Teoria Pura da Contabilidade[2] e suas dez teorias auxiliares, como a da essência sobre a forma,[3] que objetivam fornecer informações que sejam fidedignas para as tomadas de decisões e avaliações por parte dos utentes.

    As demonstrações contábeis quando preparadas com tal finalidade, a representação adequada da situação patrimonial, o que implica na fidelidade, atendem os pressupostos fundamentais da Teoria Contábil, valorizam os profissionais da ciência da contabilidade, e satisfazem as necessidades básicas das seus usuários, tais como:

  • Interpretar o conjunto de atos[4] e fatos[5] patrimonais escriturados em simetria ao regime de competência;
  • Saber o real valor dos ativos, neles incluído o fundo do comércio;
  • Saber o real valor dos passivos, neles incluindo todas as contingências;
  • Conhecer a verdadeira situação econômica e financeira;
  • Deliberar sobre o momento adequado para comprar, manter ou vender participações acionárias;
  • Avaliar o desempenho da gestores e as suas prestações de contas;
  • Saber sobre os riscos de fraudes contra credores, e a capacidade da célula social de pagar seus empregados, e fornecedores, entre outros credores;
  • Saber sobre a segurança quanto à recuperação e a remuneração dos recursos financeiros empregados;
  • Dar suporte ao desenvolvimento de políticas públicas voltadas à produção, geração de empregos, distribuição de rendas, comercialização e desenvolvimento sustentável ético do país;
  • Informações precisas nas notas explicativas, tais como, quadros suplementares e detalhes analíticos dos negócios, e riscos e incerteza gerais sobre o segmento em geral no Brasil, e específico da célula social, as notas explicativas não podem se limitar a apenas as constatações dos fatos, mas também, devem conter informações e explicações detalhadas dos fatos e técnicas aplicadas, da política corporativa e dos atos patrimoniais.
  • Entre outros benefícios possíveis pelo não risco geral de interpretações de um conjunto de relatórios falaciosos.

    É imperioso registramos nesta reflexão que a violação da regra pétrea da representação adequada, implica necessariamente na violação da fidelidade das demonstrações financeiras. Cabe enfatizar que no âmbito da credibilidade do labor dos contadores, fiscais e auditores, a representação adequada representa um marco conceptual doutrinário, já que o labor dos contadores gera informações úteis aos utentes e fundamentais para a convicção dos intérpretes, e esta nossa proposta de  diálogo e reflexão entre a literatura, os contadores, os investidores, os fiscais, os peritos, e os auditores, contribui para a eliminação de  ficções, falácias e maquiagens dos balanços, sejam eles patrimonais ou de resultado econômico. A Teoria da Essência sobre a Forma, pontualmente pelo seu princípio da impessoalidade[6]  impede a adoção de comportamentos de favoritismo e serve para orientar a correta interpretação dos atos, fatos e procedimentos de valorimetria.  À título de exemplos, sem encerrar a lista de incongruências que geram efeitos adversos,  podemos citar casos que levam à falta de credibilidade em decorrência da não representação adequada: a falta do reconhecimento do principal  ativo, o fundo de comércio internamente desenvolvido;  a ocultação dos riscos sacados[7]; o registro indevido de gastos como despesas quando deveriam ser contabilizados como, ativo,  direitos da pessoa jurídica de receber de seus administradores os fatos ligados à violação da  Teoria Ultra Vires[8], o não reconhecimento de contingências passivas[9], despesas fictícias, omissões de receitas e evasões de tributos.

 

[1] A Revisão externa pelos pares, labor deveras importante, constitui-se em processo de acompanhamento e controle de qualidade dos trabalhos realizados pelos auditores independentes, estamos falando que no Brasil existe uma avaliação externa dos procedimentos de auditoria aplicado pelas firmas.

[2] A Teoria Pura da Contabilidade, como obra primeira e fundamental para um Programa de Educação Continuada, possui a sua fundamentação na seguinte literatura: HOOG, Wilson A. Zappa. Teoria Pura da Contabilidade. Ciência e Filosofia. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2022.

[3] A Teoria da Essência sobre a Forma possui a sua fundamentação na literatura: HOOG, Wilson A. Zappa. Teoria Pura da Contabilidade. Ciência e Filosofia. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2022.

[4]  ATO CONTÁBIL – termo utilizado em contabilidade, para designar uma ação administrativa, e que equivale a um ato administrativo, ou seja, ato que ainda está por suceder um fato patrimonial, logo, é uma potencialidade de fenômeno patrimonial.  HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil. 12. ed., 2023, no prelo.

[5]   FATOS PATRIMONIAIS – representa as aplicações dos recursos de uma riqueza; toda forma de movimentação. Os fatos patrimoniais são todas as operações que provocam alterações na composição de um patrimônio. E dividem-se em modificativos, aumentativos e diminutivos; que são os que alteram a patrimônio líquido, e os permutativos que não alteram o patrimônio líquido. Existe ainda uma terceira categoria dos fatos, que é denominada de fato misto, aumentativo ou diminuitivo, pois altera o patrimônio líquido como também pode permutar valores. Portanto, os fatos são todos os acontecimentos que ocorrem em uma célula social, passíveis de mensuração monetária. Não se pode confundir fato com ato, administrativo patrimonial. O ato administrativo, não produz de imediato qualquer alteração no patrimônio, modificativo, permutativo ou misto, e são registrados na contabilidade, no sistema de compensação operação extrapatrimonial. A título de exemplo de um ato, temos a nomeação ou eleição de um administrador para a execução dos atos de gestão e dos fatos, o reconhecimento do gasto com pró-labore a este administrador que está alterando o patrimônio líquido de uma célula social. A geração do superlucro, é um fato patrimonial modificativo aumentativo, considerado a causa do fundo de comércio. HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil. 12. ed., 2023 no prelo.

[6]  Princípio da impessoalidade – para a contabilidade, e no abrigo da Teoria da Essência sobre a Forma, este princípio prega que a ciência da contabilidade não se refere ou não se dirige a uma pessoa ou entidade em particular, mas às pessoas, físicas e jurídicas, à coletividade em geral, independente de qualquer circunstância ou particularidade. Logo, determina condutas obrigatórias e impede a adoção de comportamentos de favoritismo e serve para orientar a correta interpretação dos atos, fatos e procedimentos de valorimetria. Motivo pelo qual temos a equanimidade ou disposição de reconhecer a equidade e a verdade real de todos os atos e fatos contábeis envolvidos em uma relação ou negócio patrimonial, com imparcialidade e independência. Logo, afastada toda e qualquer influência ou interesse, evita-se o excesso por uma interpretação extensiva, viciada ou polissêmica, para prevalecer a essência da ciência contábil sobre a forma jurídica. HOOG, Wilson A. Z. Filosofia Aplicada à Contabilidade. 4. ed., 2023.

[7]   RISCO SACADO – O risco sacado termo usado para indicar um desconto de títulos, por uma forma de antecipação de valores que os fornecedores, normalmente de células sociais de grande movimentação financeira como indústrias e redes de varejo, têm a receber. Representa uma operação de crédito do comprador, utilizado como uma modalidade de antecipação de recebíveis para o vendedor. A luz da teoria da essência sobre a forma, quando uma instituição financeira antecipa o pagamento de um fornecedor, este valor deve ser registrado no passivo bancário, pois uma instituição de crédito passa a ser credora em substituição ao fornecedor, portanto a operação em sua essência, configurava-se como um empréstimo, logo era uma dívida bancária. A célula social compradora deve reconhecer as despesas financeiras, do risco sacado, em seu resultado e não no estoque. O risco sacado é uma maneira de se obter de recursos financeiros, ou seja, capital de giro para financiar as compras de estoque. O pagamento da duplicata será efetuado antecipadamente ao fornecedor, e a instituição financeira, financiadora da operação, aplica a política de sua taxa de desconto. A luz da teoria contábil da essência sobre a forma, a operação conhecida como “Risco Sacado”, deve resultar no desreconhecimento do contas a pagar do fornecedor e reconhecimento de um novo passivo junto a instituição financeira, ou seja, uma transferência de passivos para que o balanço reflita adequadamente a sua situação financeira, eis a supremacia da essência sobre a forma. Transações de risco sacado, devem obrigatoriamente serem divulgadas em notas explicativas às demonstrações contábeis. Para a célula social compradora de mercadorias, é algo tido como o reverso de desconto de duplicatas a receber, ou seja, é um desconto de uma duplicata a pagar por antecipação do seu pagamento. Portanto, é imperioso que uma célula social reconheça expressamente que as suas normas contábeis devem ser subordinadas aos princípios da representação verdadeira e apropriada e da primazia da essência sobre a forma, para se evitar erros de distorção relevante da realidade econômica que ocorrem em função de não se reconhecer apropriadamente um Passivo “Empréstimos” e a Despesa Financeira respectiva em DRE, distorcendo a regra do regime de competência. HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil. 12. ed., 2023, no prelo.

[8]  Por força da Teoria Ultra Vires, a pessoa jurídica não responde além dos poderes concedidos. Os poderes são os atos regulares de gestão, sendo os sócios administradores responsáveis pelas obrigações, resultantes dos atos praticados por excesso de poderes ou contrários à lei. Esta teoria é muito difundida na literatura, gozando de prestígio internacional em decorrência de sua importância, face a necessidade de separar as responsabilidades de um administrador das de uma sociedade.

[9]  PROVISÃO PARA CONTINGÊNCIAS PASSIVAS – o seu registro contábil está vinculada à gestão de riscos, e no sentido estrito senso. Estas provisões remetem à situações cujo resultado final, poderá ser favorável ou desfavorável, mas possíveis de ocorrerem, à luz da razoabilidade, proporcionalidade e probabilidade, por mais remotas que sejam, ou ainda que venha a depender de eventos futuros incertos, como, por exemplo, uma decisão judicial, prática de ilegalidades que possam, quiçá, não serem penalizadas por circunstância como a prescrição ou a falta de diligência dos agentes fiscalizadores. Como exemplos amplos de provisões para contingências passivas, sem que com isto, estejamos esgotando as hipóteses, temos:

  1. Para rescisões de contratos de distribuição;
  2. Para danos ou violações do direito dos consumidores;
  3. Decorrente de multas pela não observação de procedimento de segurança dos empregados;
  4. Decorrente de garantias de produtos e mercadorias;
  5. Para reparar danos ambientais;
  6. Para demandas trabalhistas;
  7. As tributárias decorrentes de evasão;
  8. As de logística reserva de resíduos sólidos;
  9. As vinculadas a litígios no âmbito da justiça estatal ou no âmbito da justiça privada, juízo arbitral.

As provisões e contingências em função de abuso de direito ou de poder dos administradores e dos sócios/acionistas controladores, por infração à lei ou  ao estatuto/contrato social, devem ser constituídas e evidenciadas no balanço patrimonial, mas  por força da teoria ultra vires, não constituem despesas ou perdas, e sim, um direito, ativo, da pessoa jurídica de receber dos gestores, os valores necessários ao retorno da situação patrimonial existente antes destes  atos culposos que geraram danos, arts. 1.011 e 1.016 do CC/2002 e arts. 154 e 158 da Lei 6.404/1976. A responsabilidade da pessoa jurídica, está prevista de forma clara no art. 47 do CC/2002, o que corrobora, com o fato de que, atos vinculados à desvio de finalidade, não devem ser suportados pela pessoa jurídica, e sim, pelo administrador. Lembramos que o registro de uma provisão para contingências, tendo como contrapartida, o registro no ativo, relativo ao direito da pessoa jurídica de ser ressarcida por atos de desvio de finalidade do gestor, não altera o patrimônio líquido, e nem o lucro ou prejuízo líquido do exercício, mas cria confiabilidade no conselho fiscal e no serviço da auditoria externa, além de se prestigiar a correta informação aos utentes dos relatos contábeis. Todas as provisões passivas assim como todas as provisões para contingências passivas, devem ser necessariamente demonstradas nas notas explicativas, para que, estes atos e fatos, fiquem disponíveis para os utentes das demonstrações financeiras, pois afetarão o resultado e o preço patrimonial das ações/quotas. A ideia falaciosa[9] de que:  para as provisões passivas contingentes tidos como prováveis, seja realizado o provisionamento, e que para os passivos de possível exigibilidade, sejam apenas incluídos em nota explicativa (sem provisionar) e ainda, para os passivos ditos de exigibilidade remota, ou de apenas indícios, não se faz provisionamento e nem indicação em nota explicativas. Fere o dever de diligência da administração, art. 156 da Lei 6.404/1976 interpretado em conjunto com os arts. 186 e 187 do CC/2002. Pois, toda a ação ou omissão voluntária de informações patrimoniais, que implique em dano patrimonial à terceiros, é passível de responsabilidade. Defendemos que a análise de risco, pela classificação:  remota, possível ou provável da exigibilidade de passivos é um embasamento para as notas explicativas, em relação ao grau de julgamento da administração da sociedade, e jamais para justificar a sua omissão na escrituração contábil. A boa-fé dos gestores importa numa conduta de transparência, que exprime a ideia de confiança e passa a se projetar sobre todos os fatos e atos de gestão. A informação sobre indícios ou evidências de passivos não deve ser apenas “escriturada”, escrita nos relatórios contábeis, ela também deve ser de forma clara para que os usuários possam compreender toda a verdade sobre os passivos, por força da Teoria da Essência Sobre a Forma. O dever de informar, é aquele que prestigia toda a comunicação e registro de informações, que modificam ou possam a vir modificar a situação econômica e/ou a financeira de uma célula social. Até porque, sem a informação precisa, o balanço patrimonial deixa de exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa, art. 1.188 do CC/2002. E, os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, o que inclui todas os riscos e contingências, art. 1.020 do CC/2002. E no âmbito do ativo encontra-se também provisões, como as para perdas com cambiais, com base na média dos anos anteriores; e para perdas com estoques por perecimento que é a “perda do bem em si” e deterioração que é a “degeneração por perda da finalidade do bem por estar fora das especificações técnicas, ou com data de validade expirada”. A omissão de registro de passivos contingentes não é um ato temerário[9], e nem um erro de cognição, e sim, uma gestão fraudulenta. HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil. 12. ed., 2023 no prelo.

 

[i] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de perícia forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, doutrinador, epistemólogo, com 48 livros publicados, sendo que alguns dos livros já atingiram a marca de 11 e de 16 edições.

 

REFERÊNCIAS

HOOG, Wilson A. Zappa. Filosofia Aplicada à Contabilidade. 4. ed., 2023.

_____. Moderno Dicionário Contábil. 12. ed., 2023, no prelo.

_____. Teoria Pura da Contabilidade. Ciência e Filosofia. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2022.

 

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.

 

Publicado em 06/06/2023.