Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog
Resumo:
Apresentamos uma breve análise sobre os elementos de uma prestação de contas, com a visão de um perito em contabilidade, na formação do conjunto probatório em uma demanda judicial, pelo espírito da lei, CPC, art. 914 e seguintes.
Considerando que o direito de se pedir a prestação de contas e sobre ela emitir uma aprovação ou reprovação, bem como o direito de se prestar as contas da administração de coisas. Demonstramos as implicações práticas da aprovação das contas de forma detalhada, com o objetivo de se contribuir para o bom andamento destes litígios.
Nesta resumida apreciação buscamos contribuir com a formação de um modelo para um melhor labor do auxiliar do Juiz, o perito judicial, bem como uma participação mais eficaz dos assistentes nas perícias judiciais. Pois as normas referenciadas tem no seu espírito a importante demonstração da verdade real. Garantindo com isto uma efetiva participação dos litigantes, na produção da prova pericial contabilística, acompanhando-a de perto. Logo, a fase da perícia tem a aplicabilidade prática dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. E a observância disto pelo perito judicial, além de sua impessoalidade, moralidade e legalidade do ato, cria a validade da prova pericial contábil.
Palavra-chave: Ação de prestação de contas. O dever de prestar contas. O direito de receber a prestação de contas.
Desenvolvimento:
O perito judicial e os assistentes devem valorizar e prestigiar a responsabilidade, o respeito com tratamento impessoal e o zelo com relação à análise, a investigação, o arbitramento, a mensuração, os procedimentos de avaliação, e a certificação dos fatos e dos demais procedimentos que sejam necessários em relação a ação de prestação de contas, como os princípios constitucionais da moralidade que afasta toda forma discricionária nos trabalhos periciais, e o princípio da eficiência que brada pela celeridade da perícia.
A ação de prestação de contas pressupõe divergência entre as partes. Seja quanto à existência correta das contas de um patrimônio; obrigação de dar e prestar contas; ou seja, quanto de receber a prestação de contas, ou ainda, o direito de se manifestar sobre o estado delas, e o sentido e saldos das mesmas e do rédito patrimonial em determinado período.
A ação de prestação de contas divide-se em dois momentos, o de exigir a prestação de contas e o de dar as contas, incluindo-se ainda a hipótese de recusa e impugnação de quem esteja obrigado a recebê-las. Presumi-se que estes momentos dividem-se o primeiro o reconhecimento da justiça de que existe o direito do litigante em receber a prestação de contas e o segundo a determinação da justiça para que se proceda à prestação de contas.
Desta forma o proprietário de um bem ou de um direito, ou de um interesse de ordem material e imaterial, que foi gerido ou administrado por outrem, pode exigir a prestação de contas, sendo o oposto também verdadeiro. Pois em contrapartida, o que administrou ou geriu tem legitimação para pedir a aprovação das suas contas.
Além dos casos relativos ao direito de empresa, o juiz pode, de ofício, exigir a prestação de contas, em outras situações, como as de tutela, curatela, depósito judicial, contas bancárias[1], em alimentos, locações[2], cartões de créditos[3], investimentos, inventários, administração judicial, liquidação de sociedades[4], da gestão de insolvente civil e de falência/recuperação de empresas.
Tem-se um prazo extremamente exíguo para a apresentação das contas, ou seja, é possível que o prazo conte de cinco dias, para a apresentação das contas, CPC, art. 915.
As contas devem ser apresentadas na forma contábil ou também na forma mercantil, com lançamentos em ordem cronológica, créditos e débitos, acompanhada da respectiva individuação e clareza, com seus respectivos históricos e comprovantes.
Existindo dúvidas sobre as contas, pode o juiz determinar de ofício ou a requerimento das partes a realização de perícia contábil, CPC, §3º do art. 915. Sendo que o perito deverá proceder à inspeção nos documentos e relatórios que compõem as contas, de forma autônoma e com independência de juízo científico. Podendo o juiz conceder que os litigantes indiquem assistentes técnicos e apresentem quesitos que versem sobre fidedignidade das contas.
Apesar de que a ação de prestação de contas tem um fim específico, ou seja, o de proporcionar ao merecedor das contas um instrumento hábil para visualizar o seu patrimônio ou riqueza, que ficaram sob a administração de outra pessoa, comparando as contas e o estado da riqueza, de forma clara, e se os investimentos feitos acarretaram lucros ou prejuízos, obtendo com isto uma avaliação concreta da administração dos seus bens.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 914, determina que: A ação de prestação de contas competirá a quem tiver: I – o direito de exigi-las; II – a obrigação de prestá-las.
Portanto, temos aí o dever de prestar as contas. Que fique bem claro que a prestação de contas é devida pelos administradores dos bens e que o titular destes bens tem o direito de exigi-las.
A prestação de contas é devida por quem administra bens de terceiros, ainda que não exista mandato formal. Pois a ação de prestação de contas visa proteger o patrimônio, de administradores, que quiçá podem agir de forma oculta e amoral, ou mesmo de desvio ou dilapidação destes bens, para os quais o administrador não tenha observado o dever de diligência e probidade, e nem atentou para apresentar com a devida claridade a situação real do patrimônio administrado, ou seja, o “balanço patrimonial[5]”. O que pode ser até para alguns lançamentos na sua conta corrente de depósitos ou investimentos em instituições bancárias, os quais às vezes são genéricos, lacunosos ou polissêmicos, o que por si só enseja grande dúvida, sendo então necessário que o administrador desta conta, justifique e esclareça eventuais dúvidas quanto aos lançamentos. Pois representa a busca de um direito para se conhecer eventuais débitos, evitando, quiçá, o enriquecimento desmedido e sem justificação de instituições financeiras.
Ação de prestação de contas contra o administrador de sociedades simples ou empresárias
Em se tratando de ação de prestação de contas contra o administrador de sociedades simples ou empresárias, as contas, assim do autor como do réu, serão apresentadas em forma mercantil, CPC, art. 917 ou forma contábil, arts 1.020 e 1.183 do CC/2002, especificando-se as receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo, ou seja, do patrimônio líquido, inicial e final da riqueza; e serão instruídas com os documentos justificativos, sendo estes documentos, o Balanço Patrimonial, o Balanço de Resultado Econômico, e o Inventário. Esta trípode contábil é determinada no art. 1.065 do CC/2002, de forma anual após o término do exercício social. A forma mercantil tem origem no Código Comercial brasileiro, que disciplinou a partir do ano de 1850, a escrituração dos comerciantes, e no ano de 2002 teve a sua primeira parte revogada, ficando em seu lugar o Código Civil, o qual passou a disciplinar a escrituração mercantil, como sendo contábil. Assim a forma mercantil que regulava a escrituração dos mercantes, pelo efeito da semântica, tornou-se a forma contábil que continua fortemente alicerçada em débitos, créditos e saldos, conforme previsto na teoria das partidas dobradas, a qual representa o método baseado no fato de que, para cada débito temos um crédito e vice-versa, exposto pelo Frei Luca Pacioli, no ano de 1494, na cidade de Veneza, Itália, até hoje amplamente aplicado em todo o mundo. Esta teoria foi apresentada no livro Summa de Arithmetica. Apesar desta evolução, o art. 176 da Lei 6.404/1976, que trata da escrituração, continua se referindo a forma mercantil.
E para as sociedades de grande porte e as regidas pela Lei 6.404/76, os relatos contábeis são: balanço patrimonial, demonstração do resultado do exercício, demonstração das mutações no patrimônio líquido ou demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstração do fluxo de caixa, e se companhia aberta o balanço social ou demonstração do valor adicionado, o parecer dos auditores independentes, relatório de auditoria, o relatório do conselho fiscal, o relatório da administração, além das notas explicativas que são obrigatórias para todos os tipos de sociedades.
Não basta a simples apresentação dos relatos anteriormente citados, há a necessidade de que elas sejam justificadas, art. 1.020 do CC/2002.
E na justificativa, inclui-se, o estado do caixa, dos equivalentes de caixa e da carteira da sociedade, bem como da manutenção e proteção do capital, e da explicação de todos os atos e de todos os fatos da administração, inclusive das despesas e todos os tipos de desembolsos, pois a luz da teoria ultra vires, não se admite despesas, custos e investimentos diversos do objeto social. E os gastos, desembolsados ou não, que não forem justificados ou que sejam estranhos ao objeto social ou realizados com abuso de direito ou de poder, devem ser ressarcidos por parte do administrador.
Apesar da composição de contas do art. 1.020 do CC/2002 e do art. 176 da Lei 6.404/1976 avulta como o melhor relatório contábil/mercantil para se prestar e receber contas, o “balancete analítico”, pois este atende pari passu, as determinações do art. 917 do CPC, saldo inicial, débitos, créditos e saldos finais, segregados por rubricas que agrupam a movimentação de bens e direitos pela sua espécie. E sendo a prestação de contas requerida dia a dia, o balancete será diário, cuja exigência está prevista no art. nº 1.186 do CC/2002, que trata do livro específico para este relato contabilístico. Podendo a prestação de contas ser mensal ou anual. Sendo oportuno que o balancete analítico esteja acompanhado do plano de contas, com a descrição da respectiva função e técnica de funcionamento das contas ou rubricas contábeis, além de uma cópia do extrato do livro de abreviaturas, se existirem abreviaturas na escrituração, esta faculdade de se usar as abreviaturas, implica na obrigação do livro próprio devidamente autenticado, por força do § único do art. 1.183 do CC/2002.
Não obstante a legítima e necessária apresentação do balancete analítico, as contas, no seu sentido, de um melhor detalhamento e justificação, deverão ser instruídas com: os documentos justificativos de sua individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa, ou seja, em sintonia aos preceitos normativos e princípios da escrituração contábil, por ser este o espírito puro do art. 1.184 do CC/2002. A instrução das contas, logo o esclarecimento e explicação dada para o fim de se prestar e dar as contas de uma determinada e respectiva movimentação econômica e financeira; poderá ser observada no extrato analítico e individual das rubricas contábeis, ou seja, no livro razão. Sendo que uma microanálise dos extratos individuais do razão implica na inspeção direta dos documentos de suporte da escrituração contábil.
Os documentos de suporte da escrituração contábil, constante do livro razão e diário, poderão ser de origem externa ou interna ou, na sua falta, em elementos ou quaisquer outros fatos que provocaram as variações patrimoniais ou evidenciem fatos e a prática de atos administrativos. São de origem interna quando gerada na própria célula social e de origem externa, quando proveniente de terceiros. Uma vez que a documentação contábil compreende todos os documentos, livros, notas fiscais, recibos, contratos, papéis, registros e outras peças, que apóiam ou compõem a escrituração contábil. E no, estrito senso, documento é aquele que comprova os atos e fatos que originam lançamento(s) na escrituração contábil de uma célula social e é hábil quando revestido das características intrínsecas ou extrínsecas essenciais, definidas na legislação, na técnica contábil ou aceitas pelos fatores consuetudinários.
Em suma este artigo teve como foco as considerações sobre a importância de uma correta interpretação do sentido e alcance da categoria contábil “prestação de contas”, a luz das disposições normativas civis, além das específicas sobre a política contábil nacional. E conforme delineado no resumo deste artigo a pesquisa teve por objeto o estudo das práxis contábeis e por objetivo apresentar uma contribuição aos operadores do direito. E sobre tal referente os comentários foram realizados buscando pesquisar, identificar e interpretar as interligações dentre a ciência contábil e a ciência jurídica.
[1] AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – A nova Súmula 259 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta corrente bancária. Apelo provido. (TJRS – APC 70001761055 – 15ª C.Cív. – Rel. Des. Vicente Barrôco de Vasconcellos – J. 20.02.2002)
[2] AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – ADMINISTRAÇÃO DE LOCAÇÃO – Deve prestar contas quem quer que administre bens, negócios ou interesses de outrem, a qualquer título (José Alberto dos reis, processo especiais, vol. I/303). Fixação dos honorários advocatícios. Deve ser condizente com o trabalho exigido e produzido pelos profissionais. Primeiro apelo desprovido e segundo apelo provido. (TJRS – APC 70002822674 – 15ª C.Cív. – Rel. Des. Vicente Barrôco de Vasconcellos – J. 20.02.2002)
[3] AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO – CARÊNCIA DE AÇÃO – CASO CONCRETO – A ação de prestação de contas não é a via adequada para se alcançar um acerto de contas entre o titular do cartão de crédito e a administradora relativamente a quantificação dos encargos cobrados, impondo-se que tal pleito tenha curso em ação própria. Acolheram a preliminar e deram provimento a apelação. Unânime. (AC n° 70000285635). Apelo desprovido. (TJRS – APC 70003667227 – 15ª C.Cív. – Rel. Des. Vicente Barrôco de Vasconcellos – J. 13.03.2002)
[4] Nos casos de liquidação de sociedade temos a figura do “balanço do estado de liquidação” (inc. VI do art. 1.103 do CC2002). Que é o demonstrativo contábil que representa uma situação estática, uma fotografia do patrimônio, (bens direitos e obrigações) da sociedade em liquidação; deverá ser elaborado a cada seis meses e evidencia o estado da liquidação, realização financeira do ativo, bem como as quitações do passivo. Para a prestação de contas em liquidação de sociedades anônimas, aplica-se as regras dos art. 216 ao 218 da Lei 6.404/76.
[5]Balanço patrimonial é um jargão contábil, que é originário da palavra “balança”, que tem por objeto, demonstrar o equilíbrio do sistema, demonstrando de um lado as aplicações de recursos (o direito), e do outro as origens dos recursos (o esquerdo). Instrumento com que se determina a massa ou o peso econômico da riqueza de uma célula social, por uma equação de equilíbrio, equação patrimonial. O Balanço Patrimonial é a demonstração contábil destinada a evidenciar, qualitativa e quantitativamente, numa determinada data, a riqueza de uma célula social, representada genericamente pela expressão “Patrimônio”, e a sua situação formal líquida, denominada: Patrimônio Líquido. O Balanço Patrimonial é constituído pelo Ativo, pelo Passivo e pelo Patrimônio Líquido, conforme segue: a) o Ativo compreende as aplicações de recursos representados por bens e direitos; b) o Passivo compreende as origens de recursos representados pelas obrigações para com terceiros; c) o Patrimônio Líquido compreende os recursos próprios da Entidade, e seu valor é a diferença entre o valor do Ativo e o valor do Passivo (Ativo menos Passivo), portanto, o valor do Patrimônio Líquido pode ser positivo, nulo ou negativo. No caso em que o valor do Patrimônio Líquido é negativo, é também denominado de “Passivo a Descoberto”.
Publicado em 17/03/2010.