Prof. Me Wilson Alberto Zappa Hoog
Resumo: A partir do nosso livro: Perdas, Danos e Lucros Cessantes, 6. ed., editora Juruá, 2017, apresentamos uma breve análise sobre as formas de contagem de juros de mora, em relação aos danos morais e em relação a danos materiais, pois estes são distintos. O objetivo deste artigo é demonstrar sucintamente a extensão destas distinções para fins de cálculo, em perícia contábil, de liquidação de sentença. As conclusões das pesquisas aqui comentadas, foram oriundas de verificações e estudos científicos realizados no Laboratório de Perícia Forense-Arbitral – ZAPPA HOOG, PETRENCO E CIA SS.
Palavras-chave: # Contagem de juros de mora. #Perícias judiciais. #Danos morais. #Perícia contábil. #Danos materiais. #Perícia forense.
- Introdução
O objetivo deste artigo é o de demonstrar uma interpretação relativa aos cálculos dos juros de mora, considerando as hipóteses do cálculo, na data do fato, para danos materiais e na data da sentença, quiçá do seu arbitramento judicial, quando se tratar de danos morais.
Trata-se de uma interpretação técnico-científica, cujo referente está vinculado ao fato de não se conhecer o valor dos danos morais na data do fato danoso. Por esse motivo, apresentamos uma breve análise sobre as possibilidades das precificações de juros moratórios.
- DESENVOLVIMENTO:
Inicialmente, para uma melhor compreensão da nossa opinião, entendemos necessário apontar o nosso entendimento em relação ao conceito[1] de dano moral, como segue:
O dano moral ocorre quando há violação dos direitos extrapatrimoniais, como os da personalidade, incluindo direito à privacidade, à imagem, à dignidade, e à honra, entre outros, não existindo um critério legal, objetivo e contabilmente mensurável, para a sua fixação, pois a indenização depende da sensibilidade do julgador e dos critérios de justiça e dignidade violada e aferidos por um juízo de ponderações. Para tanto, se exige, somente a prova dos fatos que ensejam o pedido de indenização, e não a prova dos danos imateriais e sua quantificação em moeda corrente.
Esclarecido a nosso entendimento sobre danos morais, passamos à questão dos juros.
Pelo viés da ciência da contabilidade, notadamente nos parâmetros da teoria contábil do valor e do princípio da epiqueia contabilista[2], é possível uma indenização para fins de danos morais, em número de salários mínimos. Uma vez que não existe dúvida, o salário mínimo, durante o período de sua vigência, é um parâmetro de preço, com validade e preço real, durante o período em que esteve em vigor. Até porque seu preço, já possui “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”, nos termos do inciso IV do art. 7º da CF. Desta forma, uma quantidade de salários mínimos possui equivalência “em reais”, tomando se como referência o valor do salário mínimo em vigor na data em que foi arbitrado pela justiça, a título de condenação por danos morais.
É perfeitamente comum a fixação de uma indenização em valores contemporâneos à decisão judicial, que prestigia a expressão do valor inicial da indenização, em número de salários mínimos. “… o que não se admite é observar o salário-mínimo para efeitos de atualização de qualquer indenização, mas não como expressão do valor inicial da condenação”. [RE 338. 760, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 28.6.02]
E por óbvio, o preço do salário mínimo é contemporâneo à época da sua fixação judicial por ser equivalente em reais, tendo como referência o preço do salário mínimo em vigor na data em que foi proferida a condenação.
E que eventuais contagens de juros e correções monetárias, são devidos somente após a sua fixação. Logo, por uma questão de “justiça” lógica e equidade contabilística, não se contam da citação, e sim, da sua fixação para se evitar a locupletação sem causa. Isto sem embargos ao “direito” promanado na legislação de 1916, Código Civil, art. 1.536, § 2º: Contam-se os juros da mora, nas obrigações ilíquidas, desde a citação inicial.
Com a devida vênia, para os efeitos de uma análise científica pelo viés da perícia contábil, segue a distinção entre “direito” e “justiça”:
Direito é um conjunto de normas que mostram à sociedade, quais os supostos direitos e quais os supostos deveres de cada um; uma verdade formal.
A justiça é a virtude de dar a cada um aquilo que é seu (concepção de Santo Agostinho e Tomás de Aquino). Logo, a justiça pode ser alcançada por um viés da equidade materializada pela verdade real, obtida pela essência sobre a forma.
O sentido genérico da mora, segundo a nossa literatura[3] contemporânea e especializada, é um conceito pacificado, como segue:
A mora representa o retardamento do credor ou do devedor no cumprimento de uma obrigação líquida e certa, este é o fato que possibilita a cobrança de juros moratórios. A causa objetivo da mora é o retardamento, impontualidade ou demora na liquidação de uma obrigação líquida e certa. É um conceito que deriva de tempo, pois se pressupõe a mora para todo tipo de crédito líquido vencido e certo, e que possa ser judicialmente exigível.
A coerência contabilística dos juros de mora, pautada na equidade e lógica, é que a responsabilidade que implica indenizar dano extrapatrimonial “moral” somente começa a existir no momento em que é arbitrada a quantia a ser indenizada, por pronunciação judicial[4]. Eis por que, não é possível exigir o adimplemento de obrigação de pagar quantia certa e líquida, na data do evento, por se tratar de fato e de obrigação monetariamente ainda inexistente, logo, inexigível. E com este viés, nos exames efetuados no nosso laboratório de perícia contábil forense-arbitral, conclui-se que, nos danos morais, não há prejuízo aferível contabilmente, portanto, o dever de indenizar está conectado à decisão judicial que o quantifica. Sequer existe um valor a ser indenizado em momento do seu fato gerador. E por consequência lógico-racional-contábil, não se pode afirmar que o responsável pelo dano estaria inadimplente, exigindo-lhe juros de mora a contar do suposto evento danoso.
É verossímil que não há mora a contar da data do evento, quando o retardamento é devido a fato de força maior, como a ausência de determinação do valor devido, uma vez que o dano moral somente é convertido em pecúnia na forma de uma obrigação de pagar, através de uma pronunciação judicial. Isto é uma situação fática, pois tal situação fática representa uma situação de fato é concreta, ou seja, a real situação de um fato jurídico ou de um direito positivado, em que não existe dúvida.
Em relação à mora, leciona o doutrinador Antunes Varela[5]:
Essencial à mora é que haja culpa do devedor no atraso do cumprimento. Mora est dilatio, culpa non carens, debiti solvendi (…) Não há mora, por falta de culpa do devedor, quer quando o retardamento é devido a fato fortuito ou força maior, quer quando seja imputável a fato de terceiro ou do credor, quer mesmo quando proceda de fato do devedor, não culposo (ignorância desculpável da dívida ou da data do vencimento etc.)
E para a contagem da mora, em termos de uma perícia contábil, cujo foco seja uma liquidação de sentença, citamos como um referente de direito, a Súmula 439/TST – 08/03/2017. Responsabilidade civil. Dano moral. Juros de mora. Juros moratórios. Correção monetária. Atualização monetária. Termo inicial. Súmula 362/STJ. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927. CLT, art. 883.
Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do art. 883 da CLT.
Diante do exposto, por uma questão de justiça, é possível concluir que é condição sine qua non para a existência da mora, que exista o vencimento da dívida líquida e certa, em decorrência de uma decisão judicial que a torne exigível.
Situação diversa é a dos danos materiais resultantes do ato ilícito mensurável monetariamente desde o evento danoso. No prejuízo material as despesas suportadas pela vítima, são aferíveis, desde o momento do dano, quando o responsável pelo dano, se tornou inadimplente no seu dever legal de reparar, restituir, ou reestabelecer a situação anterior, ou seja, a volta ao status quo[6]. E nesta situação ou hipótese diversa do dano moral, contam-se juros de mora, desde da data do evento danoso. Esta interpretação está em sintonia com os artigos 398 e 407 do Código Civil de 2002, o qual tem o espírito de que em caso de perdas e danos, por quantia certa, decorrentes de atos ilícitos, “contam-se juros de mora desde o fato”.
O art. 292[7] do CPC/2015 trata de valor pretendido, logo, não é o devido. E nesta hipótese, apenas valor pretendido; ainda não existe o valor pecuniário, fixado por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.
Pelo viés de uma perícia científica contábil, conclui-se que exigir juros de mora desde a data do dano moral, ou seja, dano extrapatrimonial, é uma situação inverossímil, além de uma de afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que gera enriquecimento sem causa ao beneficiário. Os juros moratórios contam-se desde o fato, somente quando se conhece o valor dos danos matérias ocorridos.
Está presente nesta interpretação, a aplicação equânime dos juros de mora, ao caso em concreto, dano moral desde a data do seu arbitramento e danos materiais desde a data do evento danoso.
Pelo viés da contabilidade, os juros de mora somente são devidos após o efetivo atraso do pagamento de uma obrigação, por serem uma forma de pena imposta ao devedor pelo atraso. E para que exista este atraso, deve se conhecer o valor devido, portanto, existe a mora, somente após a fixação do valor pela justiça, como devido, sentença líquida; logo, é a partir desta data, que se contam os juros de mora.
- CONCLUSÃO:
Apresentamos o nosso entendimento científico, sobre a mensuração dos juros moratórios a partir de uma interpretação literal lógico-semântica. Esta consiste em explicar e aplicar um preceito técnico, conforme o bom senso de um juízo de ponderações[8], logo de forma coerente e racional que resulta, inevitavelmente, em uma situação de fato. Como, por exemplo, a ratio legis, ou seja, a razão ou o motivo que justifica a aplicação dos juros moratórios, na hipótese de indenização por danos morais, a contar da sua pronúncia jurídica e não do fato danoso.
Em síntese, constitui um enriquecimento sem causa e uma injustiça, a tentativa de cobrar juros moratórios oriundos de indenização por danos morais, pois não pode ser considerada em situação de mora, uma dívida incerta e ilíquida, para o efeito de se constituir em mora, o devedor, pois este não teria como satisfazer uma obrigação não expressa em pecúnia antes de uma sentença judicial. Portanto, só incidem juros de mora, quando há inadimplência do devedor por dívida líquida e certa, de uma obrigação pretérita. Vide CC/1916, art. 1.536, § 2°, aqui citado como um referente histórico, e o CC/2002, art. 407.
Se o dever de indenizar valor certo, por danos extrapatrimoniais, surge somente com uma pronúncia judicial, não há justo motivo para que se fixe a incidência dos juros moratórios desde o evento danoso, porquanto o inadimplemento não pode ser imputado ao devedor, pois não se conhecia o valor da indenização na data do evento.
Assim sendo, os exames científicos feitos no laboratório de perícia contábil forense-arbitral, deram positivos para os fatos:
1) De que o salário mínimo, durante o período de sua vigência, é um parâmetro de preço, com validade e preço real, durante o período em que esteve em vigor. Pois o seu preço já contém “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”, nos termos do inciso IV do art. 7º da CF. Desta forma, certifica-se que uma quantidade de salários mínimos possui equivalência “em reais”, tomando se como referência o valor do salário mínimo em vigor na data em que foi arbitrado pela justiça, a título de valor da condenação por danos morais.
2) Para a não incidência dos juros moratórios a contar da data do evento, motivo pelo qual, este signatário certifica; à luz da “justiça” e verdade real essencial, que, em casos de indenização por danos morais, devem os juros de mora incidir somente a partir do arbitramento do dano.
Logo, pelo viés técnico-científico-contábil, é inexequível a contagem de juros a partir da data do fato danoso, por ser uma afronta à equidade uma vez que não existe fundamento fático para o deslocamento da contagem de juros, da citação, para a data do fato.
REFERÊNCIAS
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.
_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
______. Lei 3.071, de 1° de janeiro de 1916. Código Civil.
______. Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
HOOG, Wilson A. Zappa. Perdas Danos e Lucros Cessantes. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2017.
______. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017.
VARELA, J. M. Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense; 1978, v. II. p 139.
[1] O conceito de danos morais, é uma cópia in verbis, do nosso livro: HOOG, Wilson A. Zappa. Perdas Danos e Lucros Cessantes. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2017.
[2] Epiqueia contabilística – representa toda forma de interpretação razoável ou moderada de uma lei, ou de um direito postulado em juízo ou de um preceito da política contábil. Logo, temos a equanimidade ou disposição de reconhecer o direito de todas as pessoas envolvidas em uma relação com imparcialidade. Logo, afastada toda e qualquer influência ou interesse, evitando-se excesso por uma interpretação extensiva viciada ou polissêmica, para prevalecer à equidade. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017.
[3] HOOG, Wilson A. Zappa. Perdas Danos e Lucros Cessantes. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2017.
[4] Pronunciação judicial – indica a pronúncia, ou seja, é o ato do juízo declarar algo, com base em sua decisão de mérito, ou seja, sentença ou acórdão. É a certificação de alguma coisa, como um direito ou uma obrigação. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2018. No prelo.
[5] VARELA, J. M. Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense; 1978, v. II.p 139.
[6] Status quo – é um termo latino. O status quo está relacionado ao estado dos fatos, das situações e das coisas. Portanto, voltar ao status quo, significa voltar a uma situação anterior. HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017.
[7] Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será (…) V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido.
[8] Juízo de ponderações – as bases filosóficas que subsidiam um critério para solucionar os casos de conflitos de normas, postulados, convenções, métodos, métricas ou princípios contábeis, diz-se, juízo de ponderações, que é uma situação diversa de uma opinião pessoal. A doutrina de um modo em geral deve ser a solução de casos conflitantes, mediante ponderações técnico-científicas que consideram os princípios da epiqueia contabilística, da razoabilidade, da proporcionalidade e o da probabilidade. Pois, quando houver divergências ou antinomia entre princípios, postulados, convenções, métricas, métodos, normas ou critérios técnicos, um deles tem que ser flexibilizado diante do outro e isto não significa declarar inválido o princípio ou a regra afastada, nem que o princípio ou regra afastada tenha que ser uma exceção. O que ocorre na ponderação, é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios ou regras precede ao outro. São as antinomias técnicas solucionadas pela via de uma ponderação. Os princípios e regras têm diferentes pesos, logo, o que prevalece é o de maior peso, “peso e sua proporcionalidade”, logo, os parâmetros com que se avalia uma situação. Um juízo de ponderação leva em conta várias variáveis (regras, princípios, técnicas, legislações, postulados, convenções e métricas, entre outras), assim como, a complexidade do tema e a relevância da cronologia dos fatos, o perfil dos litigantes e do padrão de conduta. Todo o juízo de ponderação deve ser construído a partir da própria concretização de um entendimento extraído de uma literatura conjuntamente com um determinado ato ou fato, à luz de um princípio, de um postulado, de uma métrica ou de outra regra, ocasionando uma prevalência do objeto do estudo, por este motivo a prática da ponderação não gera a desqualificação e não nega a validade de um princípio ou regra, mas, tão somente, em virtude do peso menor apresentado ao caso em concreto, terá a sua aplicação afastada. Desta forma, o labor pericial contábil não pode ser entendido, à luz da teoria pura da contabilidade, como a mera aplicação de norma, de princípio ou de qualquer regra, ao caso concreto, sem que este seja submetido a um juízo de ponderação em relação à situação fática. É necessário que uma análise científico contábil contribua para o alcance de um resultado probante de forma equânime.
Publicado em 22/08/2017.